Formação da China para Jornalistas Africanos Favorece o Autoritarismo

EQUIPA DA ADF

O jornalista queniano, Bonface Otieno, visitou a China em 2017 como parte de um programa concebido para expor os jornalistas africanos à cultura chinesa e, mais importante ainda, ao estilo chinês de jornalismo.

Otieno, um repórter do Business Daily, fez parte de um grupo de 200 jornalistas de todo o continente enviados para a China numa visita com todas as despesas pagas e com a duração de semanas. A sua visita foi liderada pelo Ministério dos Assuntos Estrangeiros como parte da campanha global da China para mudar a sua imagem na imprensa mundial.

Otieno disse que foi para a viajem com uma mente aberta, mas saiu desiludido.

“Nós queríamos compreender por que a imprensa na China nunca critica o governo,” disse Otieno ao Columbia Journalism Review (CJR). “Dissemos, ‘Que tipo de jornalismo é este?’ Mas senti que as suas respostas não tinham pé nem cabeça, não eram satisfatórias.”

De acordo com a Federação Internacional de Jornalistas, a China ofereceu-se para patrocinar jornalistas de 70% dos países de baixa e média renda para visitas de imprensa. A oferta teve grande aceitação em África, que, segundo os especialistas, tem sido o campo de provas para a abordagem da China na manipulação da comunicação social.

As visitas, apresentadas como formação em matérias de pensamento crítico, fazem parte da política de imprensa da China em África desde pelo menos 2015, quando as autoridades chinesas anunciaram o seu plano para trazer 1.000 jornalistas africanos por ano para a China para formação.

A formação centra-se naquilo que a China descreve como sendo “jornalismo construtivo,” que enfatiza a colocação de um efeito positivo e estar do lado do governo. Este é um claro afastamento dos ideais tradicionais da imprensa que enfatizam as reportagens objectivas e a responsabilização do governo a favor dos cidadãos.

A crescente influência da China sobre o panorama da imprensa africana faz parte da sua filosofia de “barco emprestado,” através da qual ela utiliza canais de notícias africanos e jornalistas africanos para publicar informações favoráveis à China, Dani Madrid-Morales, um professor da Universidade de Houston e especialista em matérias de manobras da imprensa em África por parte da China, disse à ADF.

Esta estratégia inclui a aquisição de comparticipações nas empresas africanas ligadas à área de comunicação social, fornecendo equipamento dispendioso a outras empresas do sector da comunicação social, fornecendo o seu próprio serviço de notícias, Xinhua, gratuitamente para empresas africanas do ramo das comunicações sociais e ainda contratando jornalistas africanos para trabalharem para empresas chinesas do ramo das comunicações sociais, como a CGTN.

Enquanto as práticas de participação e contratação possuem um impacto imediato sobre a presença da China na imprensa africana, os especialistas afirmam que as sessões de formação da China fazem parte do seu antigo jogo de afastar os canais da comunicação social africanos de um jornalismo tradicional “fiscalizador” em direcção à sua própria abordagem pró-governo.

“No espírito do regime de Pequim, os jornalistas não devem constituir um contrapoder, mas sim servir a propaganda dos Estados,” Christophe Deloire, secretário-geral da organização Jornalistas Sem Fronteiras, escreveu numa reportagem intitulada “A busca da China por uma Nova Ordem Mundial de Imprensa.”

Madrid-Morales cita os exemplos do editor do Burundi, cujos comentários sobre a China deixaram de ser altamente críticos para completamente favoráveis, depois da sua visita de formação na área de imprensa.

“O que a China foi capaz de fazer é estabelecer estas relações ao nível pessoal,” disse Madrid-Morales. “Criando estas ligações a nível pessoal, a China ajuda a ser o guardião que controla as informações que são publicadas.”

Alpha Daffae Senkpeni, editor do jornal FrontPage Africa, da Libéria, passou seis semanas a trabalhar no China Daily.

“Foi interessante ver como a imprensa deles funciona, mas também foi difícil, porque na Libéria a democracia é real e nós, os jornalistas, fazemos o que gostamos de fazer,” disse Senkpeni ao CJR. “Na China, o Estado controla o que a imprensa diz, e não há espaço para expressar insatisfações com as políticas.”

Apesar dos esforços dos jornalistas para resistir à influência da China, a sua vantagem financeira sobre publicações ou governos sem meios pode pressioná-los a fazer uma autocensura de tópicos sensíveis.

Em 2020, jornalistas quenianos disseram ao Serviço de Notícias da BBC que as suas reportagens sobre a Linha Férrea de Bitola Padrão, construída pela China, provocara um alerta por parte dos seus editores de que as empresas chinesas podem parar de comprar publicidades nos seus jornais como resultado disso.

No Malawi, as autoridades governamentais pressionaram os jornalistas para produzirem artigos favoráveis à China, de acordo com um artigo de Madrid-Morales.

As visitas de imprensa da China e os programas de formação que enfatizam a cooperação em vez de confrontação com as autoridades governamentais fazem parte da estratégia de mensagem deliberada daquele país em África, o jornalista queniano, John-Allen Namu, PCA da Africa Uncensored, disse numa conferência organizada pela DW Akademie e pela Jornalistas Sem Fronteiras.

“A política da China … faz com que o seu jornalismo seja muito menos livre, menos independente e muito mais flexível aos interesses de um Estado autoritário,” disse Namu.

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