Rússia Explora Golpe do Níger nas Redes Sociais

EQUIPA DA ADF

No rescaldo imediato do golpe militar no Níger, em finais de Julho, as respostas formais e informais da Rússia foram contraditórias.

O porta-voz do Kremlin apelou à libertação imediata do presidente nigerino, Mohamed Bazoum, que se encontra detido, e apelou ao regresso à ordem.

No entanto, o chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, ofereceu-se para instaurar uma nova ordem com os seus famosos mercenários. Numa gravação de voz publicada na rede social Telegram, este elogiou a junta do Níger, denunciou a antiga potência colonial francesa e espalhou desinformação.

“Depois do golpe de Estado no Burquina Faso, em Outubro do ano passado, havia contas de Telegram ligadas ao Grupo Wagner que diziam abertamente ‘o Níger é o nosso próximo alvo’,” disse o director de investigação do Centro de Estudos Estratégicos de África, Joseph Siegle, ao jornal Washington Examiner.

“A Rússia tem estado interessada em ver uma tomada de poder militar, o que talvez constitua uma oportunidade para obter mais influência.”

Há numerosos exemplos e várias notícias de que a Rússia está a utilizar os canais tradicionais e as redes sociais para explorar o golpe do Níger. Utilizando o Grupo Wagner como um representante dos seus objectivos de política externa, o Kremlin continua a travar uma guerra híbrida em África e a alimentar a instabilidade.

Desde o golpe de Estado, o Níger tem sido alvo de uma vaga de propaganda antifrancesa e pró-russa, tal como os seus vizinhos do Sahel, o Burquina Faso e o Mali, que rapidamente se inclinaram para Moscovo na sequência dos seus recentes golpes de Estado.

O conteúdo sobre o Níger em 45 canais do Telegram afiliados ao Grupo Wagner ou ao Estado russo aumentou 6.645% no mês seguinte ao golpe, de acordo com a Logically, uma empresa de tecnologia que combate a desinformação online.

Alguns canais afirmaram que os líderes do golpe estavam ligados ao Grupo Wagner. Um bloguista militar russo informou que o grupo de mercenários estava prestes a receber um convite de um Níger “livre”.

Circulou um vídeo de um avião militar russo que supostamente aterrou na capital do Níger, onde se afirma que “as forças do Grupo Wagner já começaram a entrar na cidade.”

No entanto, a BBC Verify descobriu que o vídeo foi colocado no YouTube em 2006 e mostra o avião a aterrar na capital do Sudão.

“As contas das redes sociais rapidamente se voltaram para o Níger … [com] alguns problemas sérios com imagens mal atribuídas,” Kyle Walter, director de investigação da Logically, disse ao jornal The Guardian. “Há uma grande audiência das narrativas pró-Kremlin que contradizem as narrativas pró-ucranianas dos países ocidentais.”

A propaganda pró-russa e as campanhas de desinformação na televisão, na rádio e nas redes sociais não são novidade em África. A mando do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, Prigozhin desempenhou um papel fundamental na criação e expansão da guerra de informação do Kremlin em África.

Os analistas, contudo, observaram um declínio acentuado do conteúdo do Níger nos canais das redes sociais do Grupo Wagner após a morte de Prigozhin num acidente de avião a 23 de Agosto. Sem o seu líder impetuoso e em busca de atenção, o futuro papel do Grupo Wagner nas operações russas em África está em dúvida.

Stephen Blank, investigador principal do Foreign Policy Research Institute, afirmou que um dos principais objectivos da Rússia no continente é incitar, facilitar e apoiar autocratas e tomadas de poder militares.

“Um dos objectivos é minar, se não mesmo derrubar, os governos africanos democráticos, mas que se encontram em dificuldades, e substituí-los por representantes russos — muitas vezes, generais ligados a Moscovo, através da venda de armas russas, se não mesmo através de parcerias corruptas — para promover um regime autoritário,” escreveu para o site de notícias The Hill, num artigo de opinião de 4 de Agosto.

“Moscovo explora claramente os conflitos regionais, tribais, étnicos, religiosos ou inter-estatais em África para atingir os seus objectivos. Possui também uma rede de informação extensa e amplamente utilizada que a Rússia utiliza em conjunto com os seus laços militares, económicos e políticos com os partidos locais para promover os seus clientes.”

Ao olhar para o quadro geral dos objectivos da Rússia em África, Blank acredita que o esforço concertado do Kremlin para inundar o Níger e o resto do Sahel com desinformação é fundamental para o modelo estabelecido.

A Rússia procura destacar mercenários, vender armas e equipamento militar, obter o controlo das operações mineiras e de outros recursos naturais e, em última análise, inserir agentes nos governos e nas forças armadas para aceder às alavancas do poder.

“O último golpe clarifica os instrumentos de poder, as tácticas e os objectivos da Rússia nos países africanos, se não mesmo para outros Estados em desenvolvimento noutras regiões,” escreveu Blank. “Também pode explicar por que Putin não dissolveu o Grupo Wagner depois do motim de Junho, devido à sua centralidade na estratégia global da Rússia.”

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