Rússia Ansiosa por Explorar um Segundo Golpe de Estado no Burquina Faso

EQUIPA DA ADF

Os dois golpes de Estado militares em oito meses no Burquina Faso não cumpriram a promessa de trazer a segurança prometida, mas podem estar a abrir a porta para uma maior interferência da Rússia.

Entre o primeiro golpe de Estado, no final de Janeiro, e o segundo golpe, em Setembro, os ataques terroristas aumentaram em mais de 100%, em comparação com o mesmo período de 2021 — 3.244 pessoas morreram em comparação com 1.545 — de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos.

Mais de 2 milhões de pessoas no Burquina Faso ficaram deslocadas por causa da violência causada por insurgentes desde 2015.

“Transmite a sensação de déjà-vu,” Constantin Gouvy, especialista em estudos sobre o Sahel e investigador do Instituto Clingendael, disse ao The Washington Post. “Foi quase a mesma história de Janeiro — a única diferença é que este foi um golpe dentro de um golpe.”

O mais recente líder do Burquina Faso é o jovem Capitão do Exército, Ibrahim Traoré, de 34 anos de idade, que depôs o Tenente-Coronel Paul Henri Damiba, no dia 30 de Setembro.

Nos dias que antecederam o golpe de Estado de Setembro, ele era um oficial de baixa categoria, responsável pelo regimento de artilharia, numa pequena cidade, no norte do Burquina Faso.

Agora, o exército liderado por Traoré deve combater a violência ligada ao al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Ele também deve responder aos muitos cidadãos burquinabês que demonstraram o seu apoio, saudando-o nas ruas.

Eles aplaudiram, acenderam chamas, levantaram bandeiras russas e gritaram slogans contra a França, na capital Ouagadougou. Alguns atacaram a embaixada francesa.

Um dia depois do golpe de Estado de Traoré, o representante oficial dos formadores militares da Rússia, na República Centro-Africana (RCA), ofereceu-se para treinar o exército burquinabê.

O oligarca russo, Yevgeny Prigozhin, fundador da empresa militar privada chamada Grupo Wagner, felicitou Traoré pelo seu golpe de Estado.

“Eu saúdo e apoio o Capitão Ibrahim Traoré,” referiu num comunicado, chamando Traoré de um verdadeiro filho digno e corajoso da pátria, enquanto organizava propaganda contra a França.

Estas declarações públicas de apoio marcam a saída de uma resposta típica da Rússia para a instabilidade regional, de acordo com o analista Samuel Ramani, do grupo de reflexão sobre segurança, Royal United Services Institute. Ele escreveu um livro intitulado, “Rússia em África: Grande Potência Emergente ou Belicoso Fingido?”

“Em golpes anteriores, a Rússia tentou posicionar-se como um beneficiário acidental de mudanças de regime,” disse à BBC. “Desta vez, a Rússia está a ser muito mais proactiva em apoio ao golpe de Estado, e isso leva a especulações de que a Rússia desempenhou o papel de coordenador.”

O Grupo Wagner possui um rasto de causar violência e instabilidade na RCA e no Mali. Esteve ligado a pelo menos seis massacres de civis, incluindo as execuções sumárias de 300 pessoas na aldeia de Moura, no Mali.

No início deste ano, a França retirou-se do Mali depois de os seus líderes da junta militar terem recorrido a mercenários da Rússia para obter ajuda na luta contra militantes islamitas.

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França, Anne Claire Legendre, disse que a táctica empregue pelos mercenários da Rússia, conhecidos em todo o continente por cometer crimes de guerra, apenas irá criar mais terroristas, visto que matam civis sem qualquer consideração.

“O que observamos é que hoje em quase toda a parte, em África, existem destacamentos preocupantes de milícias do Grupo Wagner,” disse no dia 7 de Outubro. “Fomos capazes de ver no terreno os efeitos destas milícias que levaram a abusos da população. Vimos crimes que aconteceram no Mali, na República Centro-Africana, em Moçambique.

“Também [vimos] a pilhagem de recursos naturais e, acima de tudo, eficácia zero na luta contra o terrorismo.”

O sentimento a favor da Rússia e contra a França que pressiona ambas as juntas do Burquina Faso tem as suas raízes na internet, onde apelos para a intervenção russa vêm sendo cada vez mais crescentes com cada golpe.

Os investigadores do Laboratório de Pesquisa Forense Digital, do Conselho Atlântico, encontraram provas claras de campanhas de desinformação da Rússia, no início deste ano.

Rida Lyammouri, conselheiro sénior para a região do Sahel, no Policy Center for the New South (Centro de Políticas do Novo Sul), acredita que ainda há tempo para negociar com a nova junta do Burquina Faso, mas a presença dos mercenários do Grupo Wagner no país mudaria esse cálculo e sinalizaria uma vitória para a propaganda russa.

“Depois da chegada do Grupo Wagner, será tarde demais,” disse num painel de debate, no dia 4 de Outubro, no canal France 24. “A França teve dificuldades de combater com eficácia as campanhas cada vez mais crescentes de desinformação feitas pelos canais de notícias locais e redes sociais apoiadas pela Rússia.

“É por isso que estamos a ver pessoas em Ouagadougou, assim como vimos antes em Bamako, a protestarem contra a França, incendiando as suas bandeiras e carregando a bandeira russa.”

Rinaldo Depagne, director de projectos do Grupo Internacional da Crise para África Ocidental, prevê um grave perigo se Burquina Faso contratar o Grupo Wagner.

“Certamente que a Rússia está mais próxima de celebrar um acordo com o Burquina Faso do que nunca, certamente mais do que estava com Damiba,” disse à revista Foreign Policy. Mas “o que vemos no Mali é que a Rússia não traz mais segurança ou melhorias para a situação.

“O exército russo na Ucrânia não está a ter bom desempenho e, no Mali, o Grupo Wagner também não está a ter um bom desempenho.”

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