Relatório: Países da África Ocidental Devem Repensar os Acordos de Pesca`

EQUIPA DA ADF

Os países da África Ocidental devem considerar a hipótese de renegociar os acordos com empresas estrangeiras de pesca em águas longínquas que oferecem poucos benefícios a ambas as partes, de acordo com um especialista marítimo da Universidade Duke.

Analisando dados de 2017, John Virdin, director do programa de políticas costeiras e dos oceanos, no Nicholas Institute for Environmental Policy Solutions, em Duke, Estados Unidos, observou que a maior parte dos arrastões de fundo da Guiné, Guiné-Bissau, Libéria e Serra Leoa pertencem a empresas chinesas. Os arrastões estrangeiros têm a fama de envolverem-se na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).

No Gana, Libéria e Serra Leoa, frotas de pesca industrial estrangeiras geraram pouco ou nenhum benefício económico para os países costeiros ou para as empresas de pesca em 2017, escreveu Virdin para a China Dialogue Ocean. No Gana, nesse mesmo ano, as empresas estrangeiras de pesca levaram 84% dos lucros de pesca daquele país, que se estima que sejam de cerca de 7,7 milhões de dólares.

As frotas estrangeiras tiveram bons resultados naquele ano na Guiné, onde recolheram 86% de 31 milhões de dólares em receitas de pesca daquele país, e na Guiné-Bissau, onde recolheram 93% de 38 milhões de dólares em receitas de pesca daquele país, de acordo com Virdin.

Na Serra Leoa, estimativas sugerem que as frotas de pesca estrangeiras tiveram um prejuízo em 2017, enquanto o governo colectou pouco mais de 2 milhões de dólares em taxas de licenciamento.

“No caso da África Ocidental e da frota de arrastões de pesca que praticam o arrasto de fundo nas regiões costeiras, registados na China, a economia de alguns destes acordos parece ser uma questão de perda-perda para todos os envolvidos,” escreveu Virdin para a China Dialogue Ocean. “Noutros casos, eles representam uma perda para os países costeiros, pelo menos.”

Os arrastões industriais estrangeiros que praticam o arrasto de fundo, particularmente, prejudicam os ecossistemas ao arrastar as redes no fundo dos oceanos, pescar de forma indiscriminada todo o tipo de vida marinha e destruir os corais e as plantas que são cruciais para a sobrevivência de espécies de peixe.

Os barcos de pesca estrangeiros também geralmente fazem o que se chama “flagging in,” para países africanos, significando que eles usam e abusam dos regulamentos locais para atribuírem bandeira a uma embarcação de pesca operada por e de proprietários estrangeiros para que tenha um registo africano e possa pescar em águas locais.

Existe pouca supervisão dos registos abertos online. Isso significa que uma empresa de pesca na China pode registar-se para pescar em Gana e pagar a taxa de registo por via electrónica. A China, que tem como alvo a África Ocidental desde a década de 1980, é o pior infractor de pesca INN do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN.

O comércio ilegal marítimo lesa a região em cerca de 1,95 bilhões de dólares em toda a cadeia de valores pesqueiros e 593 milhões de dólares por ano em rendimento de agregados familiares. A pesca INN também esteve ligada a outros crimes como pirataria, raptos e tráfico de drogas.

Causando Insegurança Alimentar

A pesca ilegal, a pesca excessiva e a proliferação de fábricas de produção de farinha de peixe e óleo de peixe na região levaram a uma insegurança alimentar generalizada.

Em 2021, projectava-se que 23,6 milhões de pessoas na África Ocidental enfrentariam uma insegurança alimentar de nível de crise — um aumento de 40% em relação aos níveis de recorde de 2020, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África.

Embora o centro tenha observado que a COVID-19, conflitos e má gestão política contribuíram para a crise alimentar, as unidades populacionais de peixe da região estiveram em declínio durante décadas, causando desemprego e fome. Os preços de produtos pesqueiros disponíveis dispararam em simultâneo.

Virdin argumentou que os países da África Ocidental devem examinar os termos dos seus acordos de pesca estrangeiros e possivelmente renegociá-los.

“Por exemplo, eles podem procurar aumentar de forma alternativa as taxas de acesso, priorizar as frotas locais de pequena escala e/ou limitar a pesca industrial,” escreveu Virdin para a China Dialogue Ocean. “Ao mesmo tempo, as empresas de pesca podem precisar de pensar de forma crítica sobre a viabilidade destas operações, particularmente em lugares como a Serra Leoa, onde aparentemente tiveram prejuízos em 2017.”

“Cegueira de Riqueza”

Ian Ralby, especialista em matérias de segurança marítima e PCA da I.R. Consilium, disse à ADF num e-mail que concorda que os Estados da África Ocidental devem repensar a forma como eles interagem com “todo o tipo de frotas estrangeiras,” incluindo as da União Europeia.

Contudo, Ralby disse que muitos países africanos sofrem de “cegueira de riqueza,” o que significa que as autoridades não compreendem por completo o valor das suas águas. Isso, combinado com a natureza opaca de muitos acordos de pesca, muitas vezes, leva a “maus acordos, taxas muito baixas e uma verdadeira perda do tesouro nacional.”

“Muitas vezes, isso é exacerbado pela generalizada questão da corrupção e suborno flagrante de alguns dos actores da pesca estrangeira,” disse Ralby.

Ele acrescentou que é pouco provável que as frotas de pesca estrangeiras venham a abandonar tão cedo as águas da África Ocidental, mesmo em zonas como a Serra Leoa, onde tiveram prejuízos.

“A China, em particular, tem uma estratégia de utilizar a sua frota de pesca em águas longínquas para projectar a sua presença,” disse Ralby. A China “escreveu na estratégia de 2010: ‘Ocupar traz direitos e interesses.’ O seu interesse de ocupar as águas do mundo não tem a ver apenas com o valor económico que isso traz, mas potencialmente os interesses soberanos e direitos que podem resultar por ter tido tal presença. Existem outras coisas para além do dinheiro que pode entrar.”

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