Invasão Russa à Ucrânia Piora o Impacto da Seca e do Aumento de Preços dos Produtos Alimentares

EQUIPA DA ADF

A invasão russa à Ucrânia desencadeou um efeito em cascata de carência de produtos alimentares em muitas partes de África. A guerra está a exacerbar os problemas já existentes causados por uma seca e pela subida dos preços de produtos alimentares que já estavam a aumentar antes de a guerra ter irrompido.

A Rússia e a Ucrânia são os maiores exportadores de trigo e milho para a África do Norte e Oriental. As interrupções causadas pela guerra reduziram os fornecimentos de cereais importados, colocando pressão sobre as panificadoras e outras fábricas de produtos alimentares, enquanto causam o aumento de preços de produtos básicos como o pão.

“Um terço do fornecimento de cereais da África Oriental provém destes dois países, e o Egipto está a ser gravemente afectado. Assim como estão a ser afectados a Argélia, o Marrocos e a Somália, entre outros países. Por isso, se não pudermos gerir esta situação de forma muito rápida, isso irá realmente desestabilizar o continente,” Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Akinwumi Adesina, disse à Al-Jazeera.

Na Tunísia, a carência induziu compras de pânico em estabelecimentos de vendas de produtos de primeira necessidade em antecipação ao início do Ramadão. O padeiro Slim Talbi disse à AFP, em Março, que ele já estava a pagar três vezes mais em relação ao preço normal de trigo, antes do impacto da invasão russa à Ucrânia ter ocorrido.

Mais de uma dezena de países africanos dependem da Rússia ou da Ucrânia para as suas importações de trigo. Os níveis variam de 10%, na Zâmbia (da Ucrânia), a 100%, na Eritreia (divididos de forma igual pela Ucrânia e Rússia), de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.

África faz 4,5 bilhões de dólares em negócios com a Ucrânia, sendo a grande maioria destes negócios na importação de cereais. O mesmo ocorre para os 4 bilhões de dólares em comércio com a Rússia. Algumas destas importações incluem fertilizantes que também aumentaram vertiginosamente no preço, pressionando ainda mais a capacidade dos agricultores de produzirem comida.

A África não está sozinha — os preços dos bens estão a aumentar em todo o mundo. O trigo aumentou em 64% nestes últimos meses e está aos mesmos níveis que provocaram a crise global de alimentos de 2008, disse Adesina.

Em resposta à crescente concorrência por recursos alimentares, no início do ano de 2021, os Camarões baniram a exportação de milho e outros cereais, juntamente com óleos vegetais para proteger o seu fornecimento de produtos alimentares. O Burkina Faso baniu a exportação de milho-miúdo, sorgo e milho, quer em grau assim como em farinha.

A África do Sul, que registou uma produção acima do normal de milho e trigo este ano, pode utilizar os excedentes para reduzir o impacto das perdas de importações provenientes da Ucrânia e da Rússia, de acordo com a Oxford Economics. Apesar deste facto, espera-se que os preços de produtos alimentares naquele país aumentem aproximadamente 6% este ano. Rússia é uma das principais fontes de fertilizantes do sector agrícola da África do Sul.

O aumento dos custos de produtos alimentares básicos espelha uma crescente pressão sobre o sector agrícola na África Oriental, onde anos de seca reduziram as terras de pastagem do gado.

A agricultora etíope, Deboh Gayo, perdeu nove dos seus 15 bois devido à seca e teve de vender muitos dos cabritos da família.

“Sempre que penso no futuro diante de nós, fico preocupada,” disse Gayo à Organização Não-Governamental, Farm Africa. “Não sei o que fazer. A situação está a piorar.”

Na Somália, a seca tirou a vida de dois dos filhos de Ruqiya Hussein Ahmed. A invasão russa à Ucrânia dificultou mais ainda para ela sustentar os seus restantes filhos. Eventualmente, ela e sua família não tiveram outra opção senão deixar a sua casa à procura de melhores condições.

Ahmed e seus filhos encontram-se entre os 13 milhões de pessoas do Corno de África que enfrentam a fome e a malnutrição por causa da carência severa de produtos alimentares e de água, de acordo com as Nações Unidas.

A curto prazo, a distribuição de produtos alimentares de emergência é uma necessidade tanto para pessoas como para animais, de acordo com a Farm Africa. A longo prazo, a segurança alimentar da África Oriental depende de os agricultores serem capazes de aumentar a produtividade, para reduzir a dependência de produtos alimentares importados, disse aquela ONG num comunicado.

Adesina disse que o Banco Africano de Desenvolvimento está a organizar uma estratégia para ajudar os produtores agrícolas africanos a produzirem 30 milhões de toneladas extras de trigo, arroz e soja como uma forma de protecção contra o tipo de problemas que o continente agora está a enfrentar. O plano conta com o apoio do Fundo Monetário Internacional.

Os esforços para a melhoria das práticas agrícolas na Etiópia, por exemplo, estão a aumentar as colheitas de trigo naquele país, disse.

“Iremos realmente aumentar os nossos esforços para mobilizar esse dinheiro,” disse Adesina. “Se alguma vez houve um tempo em que precisamos de realmente aumentar drasticamente a produção de produtos alimentares em África, para a segurança alimentar de África e para mitigar o impacto desta crise alimentar resultante desta guerra, este tempo é agora.”

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