Enquanto a Guerra da Rússia Interrompe as Cadeias de Fornecimento, África Faz Uma Introspecção

EQUIPA DA ADF

Muitos africanos estão a acompanhar atentamente as notícias sobre a invasão da Rússia à Ucrânia pela televisão ou pela rádio, mas também estão a sentir o seu impacto algures muito mais próximo de casa: o mercado.

O efeito devastador da guerra da Rússia continua a castigar as economias africanas, particularmente nas indústrias de combustível, trigo e fertilizantes.

“Quando eles aumentam os preços do combustível, os custos envolvidos no transporte dos bens desde dos locais de produção aos centros comerciais também sobe,” a comerciante de banana, Mary Tiwaa, disse ao jornal ganês, Daily Graphic, em finais de Março. “Isso afecta os preços de produtos alimentares.”

Os preços de petróleo a nível internacional, um indicador fundamental do impacto da agressão militar russa, já sofreram um aumento que ultrapassa 100 dólares por barril, o que foi visto pela última vez em 2014. O preço de referência do petróleo da Brent Crude foi comercializado a 130 dólares por barril, no dia 8 de Março.

“A dificuldade é tão grande,” disse Tiwaa, apelando ao seu governo para fazer alguma coisa de modo a estabilizar os preços dos produtos alimentares.

Os produtores de gás, como Nigéria, Senegal e Tanzânia, eventualmente podem beneficiar-se da mudança a nível global, que se distancia da energia da Rússia. Mas a maior parte dos africanos estão a sentir o aperto agora.

Os ugandeses já viram um aumento nos preços de combustível, óleo de cozinha, sabão, sal e açúcar.

No Quénia, onde a Rússia e a Ucrânia fornecem aproximadamente 90% da importação de trigo, um saco de 50 kg de fertilizante que custava 35 dólares no ano passado, estava a 57 dólares em Março, e provavelmente venha a aumentar porque a época de plantio já começou.

Alguns países africanos estão à procura de fornecedores alternativos com um olho virado para um futuro mais estável de uma cadeia de fornecimento diversificada.

O Ministro de Recursos Minerais e Energia da África do Sul, Gwede Mantashe, disse que o conflito e outras incertezas “no fornecimento global e na segurança do petróleo” deve pressionar a África para ser proprietária de infra-estruturas de refinaria do petróleo.

“Tal capacidade garante a segurança nacional,” disse durante a exibição Africa Energy Indaba, em Março.

África do Sul importa a maior parte do seu petróleo crude de produtores africanos, incluindo Nigéria e Angola, disse, observando que “existem amplas oportunidades para uma exposição massiva de comércio de gás, especialmente do Golfo da Guiné e a mais ampla região da Costa Oeste de África, onde temos muitos produtores e alguns já estão a exportar.’

Mais tarde este ano, o empresário nigeriano, Aliko Dangote, tem planos para abrir uma refinaria de petróleo que pode produzir 650.000 barris por dia.

Num outro momento bom, Dangote abriu uma fábrica de produção de fertilizantes à base de ureia e de amónio, de 500 hectares, avaliada em 2,5 bilhões de dólares, nos arredores de Lagos, no dia 22 de Março. Com uma capacidade anual de 3 milhões de toneladas métricas, é a segunda maior fábrica de ureia do mundo.

A Rússia também é um produtor importante de fertilizantes, um aspecto da agricultura africana que será um factor fundamental para a segurança alimentar do continente.

Muitos agricultores ainda plantam sem fertilizantes, mas a sua produção é em média 40% a 60% inferior.

O mercado de ureia “ascendeu ao topo,” disse Dangote à rede de notícias CNN, no dia 24 de Março.

“Temos a sorte de ter esta fábrica,” disse. “Ela vem no tempo certo com o conflito Ucrânia-Rússia visto que ambos controlam quantidades substanciais de insumos agrícolas.

“Isso pode ajudar a muitos países africanos.”

Existem muitos sinais positivos que demonstram que os países africanos podem desenvolver cadeias de fornecimento para movimentar o continente na direcção da auto-suficiência.

  • O governo da Etiópia afirma que o país duplicou a produção de trigo nos passados 15 anos.
  • Existe um interesse renovado de estabelecer um gasoduto transaariano a partir da Nigéria para a Argélia e que iria aumentar a exportação de gás africano e iria ajudar a União Europeia a diversificar os seus fornecimentos de gás.
  • Depois da Rússia, a África do Sul é o segundo maior produtor de paládio no mundo, um metal que é um insumo crucial para os produtos electrónicos e automóveis. Espera-se que a África do Sul veja a procura aumentar por causa das sanções impostas à Rússia.

Apesar da esperança a longo prazo, os desafios a curto prazo são assustadores. As autoridades e os analistas esperam que as consequências a longo prazo da invasão da Rússia sejam sentidas por muitos anos.

Maximo Torero, economista-chefe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, recentemente fez estimativas no Twiter de que a invasão irá impulsionar o aumento dos preços de trigo em outros 8,5%, “obrigando que os pobres comam menos, mesmo numa altura em que a fome e a malnutrição aumentaram vertiginosamente devido à COVID-19.”

“Estamos numa situação extremamente problemática cuja trajectória continua incerta,” escreveu. “A Rússia é um grande fornecedor de energia. A agricultura requer combustível, gás e electricidade. Produzir fertilizantes, pesticidas e produtos alimentares também exige energia. O aumento dos preços de energia pode fazer com que o preço de fertilizantes a nível global suba em 13% nos próximos quatro anos, reduzindo as produções das culturas.”

Ngozi Okonjo-lweala, directora-geral da Organização Mundial do Comércio, disse que está a fazer a monitoria do impacto da guerra da Rússia sobre o aumento acentuado, a nível global, de preços da energia, fertilizantes, cereais, oleaginosas e óleos vegetais.

Durante a reunião virtual de 21 de Março, ela apelou para a “reglobalização,” — abordar os pontos da cadeia de fornecimento globais, trazendo mais países para as redes de produção internacionais.

“Mercados mais profundos e mais diversificados a nível internacional continuam a ser a nossa melhor aposta para a resiliência do fornecimento,” disse.

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