Covid-19 Abre Caminho Para Caçadores Furtivos

Enquanto O Turismo Diminui Nas Reservas, Os Fundos Para A Protecção Animal Também Diminuem

TEXTO DA EQUIPA DA ADF | FOTOS DA AFP/GETTY IMAGES

A pandemia global não colocou os traficantes de produtos da fauna bravia em confinamento obrigatório.

As autoridades do Zimbabwe capturam quatro contrabandistas que tentavam enviar 26 macacos grandes, da República Democrática do Congo para a África do Sul. Na Zâmbia, o abate de animais para a carne de caça aumentou vertiginosamente. No Botswana, os parlamentares debateram se se deve armar os guardas florestais para a sua protecção contra caçadores furtivos.

No Uganda, um caçador furtivo desesperado por comida deparou-se com um gorila do ocidente, de mais de 180 quilos e em vias de extinção, e, em pânico, espetou-o com uma lança, deixando-o para morrer, reportou o grupo de comunicação social, Ensia.

A COVID-19 afectou quase todos os aspectos da vida em todo o mundo. Tirou empregos, causou carências de produtos alimentares e restringiu de forma severa as viagens internacionais. Inicialmente, os conservacionistas e os agentes da lei esperavam que as restrições pudessem ajudar a vida selvagem — as restrições de viagens podem deter os contrabandistas, por exemplo. Mas até agora a COVID-19 tem sido má para a fauna bravia de África.

“Os confinamentos obrigatórios totais nacionais, os encerramentos das fronteiras, as restrições de vistos de emergência, as quarentenas e outras medidas estabelecidas para acabar com a propagação do coronavírus limitaram de forma severa a indústria de turismo, de 39 bilhões de dólares, em África,” observou o The New York Times. “O negócio motiva e financia a conservação da vida selvagem no continente, fazendo com que alguns especialistas temam que os animais ameaçados e em perigo de extinção possam tornar-se vítimas adicionais da pandemia.”

Os fiscais de um esquadrão canino revistam um moto-taxista, à procura de escamas de pangolim e munições usadas na caça, num parque da República Centro-Africana.

As autoridades alertaram que, sem o dinheiro do turismo, normalmente as pessoas que respeitam a lei podem ser obrigadas a matar animais protegidos somente para terem comida. Fulton Mangwanya, director-geral da Autoridade de Gestão de Parques e Vida Selvagem do Zimbabwe, previu que “as comunidades rurais, acostumadas a ter emprego nos grupos de caçadores, irão retroceder para a caça furtiva para a obtenção de carne e partes de animais para o mercado negro à medida que os despedimentos da indústria de caça aumentam,” comunicou a fairplanet.org.

Equipas de conservação que estavam a planificar projectos a longo prazo de repente foram obrigadas a focalizar-se no pagamento de salários, cobrindo custos inesperados como equipamentos de protecção e garantir que as contas correntes fossem pagas. Os parques de África enfrentam dificuldades para manter o pessoal de fiscais com a ausência das visitas dos turistas. E a existência de poucos fiscais implica mais caçadores furtivos.

A CAÇA FURTIVA CONTINUA

Em Janeiro de 2021, a Nigéria apreendeu escamas de pangolim e presas e ossos de espécies em vias de extinção escondidos num contentor de materiais para mobílias. Os materiais capturados são utilizados na medicina tradicional chinesa apesar de não terem nenhum valor medicinal. Estudos sugerem que os pangolins, o animal mais contrabandeado do mundo, podem ter sido hospedeiros intermediários do coronavírus que foi descoberto numa feira agrícola em Wuhan, China, em finais de 2019.

As autoridades alfandegárias afirmam que o contrabando consistia em 162 sacos de escamas de pangolim e 57 sacos de partes de animais à mistura, incluindo marfim e ossos de animais. O total da carga pesou 8.800 quilogramas e foi avaliada em 2,5 milhões de dólares.

Em 2020, a China subiu o estatuto de protecção de todas as espécies de pangolim para o seu nível mais elevado. Mas isso não impediu que houvesse demanda na China e em outras partes da Ásia pelas criaturas, assim como por outros animais africanos. Como foi comprovado pela apreensão nigeriana, o contrabando de animais em grande escala continua.

A África do Sul comunicou que registou uma redução no número de rinocerontes mortos por caçadores furtivos em 2020, cujas autoridades afirmaram que foi parcialmente resultado dos confinamentos obrigatórios da COVID-19.

Em 2020, os caçadores furtivos mataram 394 rinocerontes para retirarem os seus chifres no país, uma redução de 33% em relação aos 594 registados em 2019, disse o ministério do meio ambiente da África do Sul. Mas outros factores, sem dúvida, também estiveram a actuar, pois isso marcou o sexto ano consecutivo que registava incidentes reduzidos relacionados com a caça furtiva de rinoceronte.

Poucos rinocerontes foram caçados porque também existem poucos rinocerontes para caçar. No Parque Nacional Kruger, da África do Sul, onde a maior parte da caça furtiva ocorre, a população de rinocerontes reduziu em aproximadamente 70% durante a década passada.

Em Fevereiro de 2021, a Ministra do Meio Ambiente, Barbara Creecy, disse que as medidas rigorosas para prevenir a propagação da COVID-19, em 2020, causaram “uma redução significativa nas incursões dos caçadores furtivos” no Kruger, próximo da fronteira com Moçambique. “Contudo, isso mudou mais tarde naquele ano quando os níveis dos confinamentos obrigatórios foram relaxados,” disse num comunicado emitido pela BBC.

Um pangolim-arborícola, resgatado dos traficantes de animais, dobra-se numa bola de protecção, nos escritórios da Autoridade da Vida Selvagem do Uganda, em Kampala.

Creecy acrescentou que, apesar das “circunstâncias extraordinárias em torno da batalha para vencer a pandemia da COVID-19” terem contribuído para o decréscimo na caça furtiva, em 2020, os fiscais, o pessoal de segurança e os esforços do governo para lidar com a questão também desempenharam um papel importante.

A Dra. Jo Shaw, do World Wide Fund for Nature, na África do Sul, disse à BBC que apesar de saudar a redução no número de rinocerontes perdidos para a caça furtiva, “Estamos bem cientes de que o aparente (adiamento) causado pelas restrições dos confinamentos em 2020 era apenas uma pausa temporária.”

SEM TURISTAS NÃO HÁ PROTECÇÃO

A perda de turistas por causa da COVID-19 é um problema para as 7.800 áreas de terras protegidas de África de duas formas. Os turistas fornecem dinheiro para proteger os parques e também emprestam olhos e ouvidos extras na procura por caçadores furtivos.

“Estes animais não são protegidos apenas pelos fiscais, eles também são protegidos pela presença dos turistas,” Tim Davenport, director do programa de conservação de espécies para África, na Wildlife Conservation Society (Sociedade de Conservação da Vida Selvagem), disse ao The New York Times. “Como caçador furtivo, você não irá para um lugar onde existam muitos turistas; mas para um lugar onde existam muito poucos deles.”

Contrariamente aos Estados Unidos e à Europa, os contribuintes dos países africanos geralmente não subsidiam os seus parques e áreas de conservação. De acordo com a Quartz Africa, em alguns casos, os parques africanos e as reservas pagam os governos uma porção dos seus rendimentos, maior parte da qual proveniente do turismo e, em menor quantidade, de doações e ajudas. Mesmo em bons tempos, com muitos turistas, muitos parques passam por dificuldades financeiras.

Em Maio de 2020, a Save the Rhino havia planificado ter o seu terceiro Workshop sobre Cães de Trabalho, na Zâmbia, reunindo especialistas para partilhar conhecimento e melhorar a forma como as equipas trabalham com cães para impedir as actividades dos caçadores furtivos. Os dois workshops anteriores “tiveram um impacto incrível em várias unidades caninas em todo o continente africano,” comunicou a organização. O workshop foi adiado por causa da COVID-19. Sessões de formação semelhantes sobre a protecção da vida selvagem em África foram adiadas ou abandonadas por completo.

Por causa da pandemia, os fiscais de muitos parques não tiveram a permissão para visitar os seus familiares e até tiveram descontos salariais. Nos santuários de rinocerontes, muitos procedimentos não urgentes com os rinocerontes foram adiados, incluindo as translocações de novas populações de rinocerontes e a marcação do registo nas orelhas para efeitos de identificação.

A COVID-19 levantou a questão do futuro dos parques e reservas de África. Alguns dólares do turismo podem ter já desaparecido, porque mesmo quando os voos internacionais forem retomados, a capacidade reduzida das linhas aéreas pode significar poucas visitas de turistas em Estados onde haja rinocerontes durante os próximos anos. Se a reserva colapsar e entrar em falência, os habitats podem-se perder para sempre dando lugar à agricultura, ao desenvolvimento e aos caçadores furtivos.

Map Ives, director da Conservação do Rinoceronte do Botswana, disse ao Times que até à altura em que a pandemia passar e os turistas regressarem, os parques de África estarão sob ameaça de um aumento de números de caçadores furtivos.

“Podemos esperar não apenas a caça furtiva do rinoceronte e do elefante assim como de outros animais icónicos, mas também podemos esperar um aumento na caça furtiva para a obtenção da carne de caça,” disse. “Haverá muitas pessoas que não estejam a ganhar a vida e elas irão recorrer ao mundo natural e não podemos culpá-las.”  

Comentários estão fechados.