Recuperando Fronteiras

Especialistas Procuram Soluções Para Travar Os Extremistas E Traficantes Que Exploram Regiões Fronteiriças Negligenciadas

EQUIPA DA ADF

As regiões fronteiriças tendem a ser lugares de possibilidades e de perigo. É aí onde as culturas se encontram. Onde o comércio — tanto legal como ilegal — prospera. Onde começam ou terminam as viagens.

Por estarem, muitas vezes, longe das capitais nacionais, as comunidades fronteiriças recebem normalmente poucos investimentos e as pessoas que nelas vivem são vulneráveis à coacção de grupos criminosos ou extremistas.

“As zonas fronteiriças de África geralmente são caracterizadas por uma baixa presença do Estado, desconfiança entre as comunidades locais e o Estado e elevados níveis de criminalidade, insegurança e pobreza,” o Centro Africano para a Resolução Construtiva de Litígios (ACCORD) escreveu num estudo sobre a gestão de conflitos nas zonas fronteiriças.

Os números mostram que as fronteiras são um ponto fraco da segurança. Na África do Norte e Ocidental, 23% de todos os eventos violentos ocorrem a menos de 20 quilómetros de uma fronteira. A violência nas fronteiras aumentou na última década, tendo mais do que duplicado entre 2011 e 2021, de acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a violência nas fronteiras no Norte e Oeste de África.

Durante os primeiros seis meses de 2021, 60% das mortes devidas a eventos violentos ocorreram a menos de 100 quilómetros de uma fronteira.

De facto, a OCDE constatou que, em geral, o número de acontecimentos violentos diminui à medida que nos afastamos de uma fronteira.

“A concentração da violência perto das fronteiras recorda-nos que a circulação de dinheiro, pessoas e armas na região é fundamental para compreender os fluxos e refluxos da violência de Estado para Estado ao longo do tempo,” afirma o relatório da OCDE.

Então, o que se pode fazer? Os profissionais de segurança estão a analisar várias estratégias para recuperar as fronteiras.

Mulheres atravessam o leito seco do Rio Volta Branco para as suas machambas no Burquina Faso a partir de Issakateng-Bausi, em Bawku, no norte do Gana. AFP/GETTY IMAGES

DEMARCAÇÃO

Muitas vezes, os países não estão de acordo quanto à localização efectiva das fronteiras. Um inquérito realizado pela União Africana em 2015 concluiu que apenas 29.000 quilómetros de fronteiras nacionais em África, representando 35% da extensão total das fronteiras, estavam efectivamente demarcados.

Esta falta de clareza tem implicações a nível da segurança. Existem mais de 100 conflitos fronteiriços activos entre países do continente. Estas podem conduzir a pequenas escaramuças entre comunidades ou a uma guerra total entre países.

Um país que está a tomar medidas para resolver este problema é o Gana. A comissão nacional de fronteiras está a passar pelo árduo processo de “reafirmação” da sua fronteira de mais de 1.000 quilómetros com o Togo. Para tal, é necessário examinar documentos antigos de ambos os países que datam da década de 1920 e que foram escritos em Inglês no Gana e em Francês no Togo. Os inspectores de ambos os países estão a substituir os pilares de demarcação que foram danificados pela erosão ou deslocados por não terem sido enterrados a uma profundidade suficiente. Os países estão a aumentar a frequência da colocação de pilares ao longo da fronteira para evitar confusões.

“Devido à distância dos pilares, as comunidades que vivem ao longo da fronteira não são capazes de determinar onde fica a fronteira,” o Coordenador Nacional da Comissão de Fronteiras do Gana, Major-General Emmanuel Kotia, disse à ADF. “Eles perdem-se e cultivam no território de outro país ou constroem casas noutro país. E a culpa não é deles, porque não sabem.”

Para educar a população local sobre o processo fronteiriço, a comissão de fronteiras organizou eventos de sensibilização, convidando grupos de ambos os lados da fronteira para o diálogo. “Convidámos os chefes locais do Gana e do Togo, dentro das áreas de captação, para a sensibilização da comunidade, para os educarmos,” disse Kotia. “Estamos a utilizar os meios de comunicação social, os grupos de jovens, os grupos de mulheres, os líderes tradicionais, os líderes de opinião e as agências de segurança. Todas as pessoas que nos podem dar uma mão ou ajudar a educar.”

O Gana será o próximo país a empreender o mesmo processo de reafirmação com a Costa do Marfim e o Burquina Faso. Kotia acredita que mais países em África precisam de criar comissões de fronteiras e aprovar leis para demarcar as fronteiras.

“A essência do projecto é evitar a insegurança, e essa é uma das causas da insegurança,” afirmou.

TRANSFORMANDO FRONTEIRAS EM PONTES

Uma preocupação persistente é que as fronteiras africanas são arbitrárias. Desenhadas há mais de 100 anos por potências coloniais com pouco conhecimento das culturas locais, dividem as pessoas ou agrupam-nas sem uma boa razão. Os pastores vêem-se impossibilitados de deslocar livremente os seus rebanhos, as empresas são separadas dos clientes e as famílias são divididas.

O Dr. Wafula Okumu, director-executivo do The Borders Institute, sediado em Nairobi, trabalha há décadas na elaboração de políticas eficazes relacionadas com as fronteiras. Segundo ele, os profissionais de segurança precisam de ver as comunidades fronteiriças como parte da solução da insegurança e não como um problema. Um aspecto que sublinhou foi a necessidade de educar os funcionários das fronteiras sobre as culturas específicas das regiões fronteiriças.

“O pessoal africano das fronteiras precisa de mudar a sua mentalidade, particularmente a criminalização e a securitização das fronteiras,” Okumu disse durante um webinar organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos de África. “Têm de considerar as comunidades fronteiriças como partes interessadas e parceiros na governação das fronteiras.”

Sublinhou a necessidade de uma “gestão integrada das fronteiras.” Esta estratégia inclui a criação de “postos fronteiriços de paragem única” onde os serviços aduaneiros e fronteiriços de ambos os países trabalham lado a lado. O objectivo é simplificar e agilizar a circulação para todos os intervenientes.

Isso é importante, porque 43% das pessoas de África dependem do chamado “comércio transfronteiriço informal” para obter rendimentos ou bens. Este comércio envolve normalmente vendedores que transportam mercadorias para o mercado fora do processo aduaneiro formal.

Alguns países estão a tomar medidas para facilitar a circulação transfronteiriça. Em 2023, o Botswana e a Namíbia assinaram um acordo que permite aos cidadãos atravessar a fronteira de 1.500 quilómetros entre os dois países sem utilizar um passaporte. A União Africana insta os países a adoptarem a Zona de Comércio Livre Continental Africana, que facilitará o comércio transfronteiriço, e o Protocolo sobre a Livre Circulação de Pessoas, que reduzirá os obstáculos à passagem das fronteiras pelos cidadãos africanos.

Okumu espera que as fronteiras deixem de ser encaradas como barreiras e passem a ser vistas como pontes que facilitam a circulação de pessoas e bens.

“O controlo consiste normalmente em bloquear, e não em facilitar, o movimento fácil,” disse Okumu. “Não se trata de livre circulação, mas de circulação fácil. Isso é muito importante.”

FORTALECENDO AS COMUNIDADES

As regiões fronteiriças tendem a ser isoladas física e metaforicamente. No seu estudo “How Borders Shape Conflict in North and West Africa (Como as Fronteiras Moldam os Conflitos na África do Norte e Ocidental),” a OCDE constatou que os centros populacionais das zonas fronteiriças do Chade, Mali e Níger não têm estradas pavimentadas que os liguem a uma capital nacional. Constatou igualmente a falta de serviços médicos, educativos e sociais nestas regiões.

“As insurgências surgem quando as comunidades periféricas se sentem marginalizadas e o Estado é incapaz de manter a coesão nacional,” refere a OCDE.

Nos três anos em que esteve à frente da Comissão de Fronteiras do Gana, Kotia assistiu a uma dinâmica semelhante.

“A maioria das comunidades fronteiriças situa-se em zonas remotas, esquecidas pelos Estados,” afirmou. “A maioria é carenciada. Por isso, os grupos extremistas violentos vão olhar para essas zonas onde existem comunidades carenciadas como alvos para os recrutar em qualquer parte de África. Podem ser alvos.”

Referiu-se a dois projectos no Gana que estão a tentar resolver este problema. Um deles é a construção de um centro de saúde na região de Volta, financiado pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental. O outro é um esforço para levar infra-estruturas rodoviárias a uma comunidade mineira informal numa cidade chamada Dollar Power, perto da fronteira com a Costa do Marfim. Ali, 10.000 pessoas trabalham em minas artesanais não regulamentadas, numa zona apenas acessível de motorizdas.

O projecto rodoviário de 24 quilómetros, que está a ser construído pelo 48.º Regimento de Engenharia das Forças Armadas do Gana, ajudará as autoridades a aceder à região isolada. Ao ligarem esta região ao mundo exterior, as autoridades ganesas esperam reduzir o número de traficantes e extremistas.

“A questão das comunidades fronteiriças desfavorecidas é muito fundamental,” afirmou Kotia. “É necessário que os governos prestem atenção às comunidades fronteiriças desfavorecidas, porque podem ser alvos fáceis de recrutamento no que respeita a movimentos extremistas violentos. Podem também utilizar esses espaços como esconderijos para lançar ataques.”  

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