Os terroristas do Boko Haram recorreram a criptomoedas, plataformas de dinheiro móvel e outras ferramentas digitais para transferir milhões de dólares, grande parte dos quais obtidos através de resgates, saques e “doações” em dinheiro extorquidas, conhecidas como zakat.
Os observadores descrevem as criptomoedas e outros métodos de financiamento digital como um “ponto cego” na luta contra o terrorismo.
“O Boko Haram aproveita a natureza descentralizada das criptomoedas para financiar as suas operações de baixo custo, mas mortíferas, incluindo armas e logística,” o analista Oge Samuel Okonkwo escreveu recentemente no site Medium. “O robusto mercado de criptomoedas da Nigéria, impulsionado pela necessidade económica, facilita esta ameaça.”
Segundo algumas estimativas, cerca de um terço dos 200 milhões de habitantes da Nigéria utiliza alguma forma de moeda digital, muitas vezes, para despesas diárias, como pagamento de contas, crédito para telemóveis e compras a retalho.
Entre Julho de 2023 e Junho de 2024, os nigerianos transaccionaram 59 bilhões de dólares em criptomoedas, de acordo com a Chain Analysis, uma empresa que acompanha o sector. Os nigerianos, como muitos residentes da África Subsaariana, recorrem às moedas digitais, em parte, devido à instabilidade das suas próprias moedas nacionais.
Em 2021, o governo proibiu os bancos de realizar transacções usando moedas digitais, mesmo tendo criado a sua própria moeda digital, a eNaira, que acabou por não vincar. A repressão bancária levou os nigerianos a recorrerem a sistemas monetários ponto-a-ponto para realizar transacções com criptomoedas.
As criptomoedas são há muito criticadas pelo seu potencial de serem usadas para ocultar o branqueamento de capitais e outros crimes. Okonkwo observa que as transacções digitais ponto-a-ponto, em grande parte, não regulamentadas na Nigéria ajudam o Boko Haram a receber financiamento de fontes locais e internacionais, evitando o escrutínio que poderia advir do uso de um banco.
Especialistas afirmam que as criptomoedas são facilmente transferidas digitalmente, uma característica fundamental para grupos como o Boko Haram, que opera além das fronteiras dos países da Bacia do Lago Chade.
“A adaptação do Boko Haram às tecnologias digitais aumentou significativamente a sua capacidade de financiar o terrorismo na Nigéria,” o investigador Abraham Ename Minko escreveu recentemente para a Global Network on Extremism and Technology. “A evolução das estratégias de financiamento do Boko Haram, particularmente por meio de plataformas digitais, ressalta a complexa interacção entre tecnologia e terrorismo na Nigéria.”
Ao utilizar criptomoedas para realizar negócios, o Boko Haram pode aproveitar o anonimato e a eficiência das moedas digitais. Nesse processo, o grupo complica a capacidade das autoridades policiais de rastrear e interromper os seus fluxos de dinheiro ilícito, acrescentou Minko.
O anonimato permite ao Boko Haram recrutar cúmplices inconscientes, incluindo organizações não-governamentais, para negociar moedas em seu nome, lavando efectivamente o seu dinheiro por meio de entidades inocentes.
Os reguladores financeiros da Nigéria congelaram mais de 1.100 contas bancárias ligadas ao financiamento do terrorismo em 2024. Eles também lançaram uma campanha para alertar os jovens negociantes de criptomoedas de que as suas transacções poderiam estar a apoiar o Boko Haram e outros grupos terroristas.
Investigações recentes descobriram que os operativos do Boko Haram usam casas de câmbio não regulamentadas e tecnologia de ponto de venda online para movimentar dinheiro.
As autoridades tiveram sucesso limitado em desmantelar os esquemas de financiamento digital do Boko Haram. Em Julho de 2024, os tribunais nigerianos condenaram 85 membros do Boko Haram por financiamento do terrorismo. Em 2020, os Emirados Árabes Unidos condenaram seis nigerianos por canalizar mais de 780.000 dólares para o Boko Haram usando criptomoedas.
A luta para interromper o financiamento do Boko Haram é ainda mais complicada pela falta de coordenação entre os reguladores financeiros e as autoridades policiais. Os banqueiros também não conseguiram lidar com alguns dos métodos reais que o Boko Haram usa para financiar a sua rede de criptomoedas, de acordo com os investigadores.
Em última análise, encerrar as finanças do Boko Haram significará reforçar as regulamentações bancárias e identificar as transacções de criptomoedas do grupo entre os milhões que ocorrem todos os dias na Nigéria. Ao visar as conexões de criptomoedas do Boko Haram, as autoridades nigerianas também podem prejudicar o terrorismo do grupo, de acordo com Okonkwo.
“Por meio de regulamentações robustas, tecnologia avançada, parcerias regionais e reformas socioeconómicas, a Nigéria pode desmantelar essa tábua de salvação financeira,” escreveu Okonkwo. “Interromper o financiamento por criptomoedas é fundamental para reduzir a capacidade de violência do Boko Haram.”