Um homem camaronês estava a ser tratado na enfermaria de um campo militar russo no leste da Ucrânia quando partilhou a sua história. O Kremlin está a enviar recrutas africanos para lutar e morrer na linha da frente da guerra da Rússia contra a Ucrânia.
“Samuel” estava entre os milhares de africanos enviados para a linha da frente para combater, a maior parte deles contra a sua vontade. No entanto, em vez de lutarem ao lado das tropas russas, Samuel disse que os recrutas estrangeiros estão a ser utilizados como carne para canhão.
“Aqui, assim que conseguimos andar, mandam-nos para a frente,” disse à Radio France Internationale (RFI), que lhe deu o pseudónimo para a sua segurança. “Os africanos estão na linha da frente. Os russos ficam no campo, enviando os negros e os estrangeiros para a frente para ocupar e avançar.”
De acordo com uma reportagem da Bloomberg de 2024, as autoridades europeias afirmaram que o Kremlin forçou milhares de migrantes e estudantes estrangeiros a combater na sua guerra contra a Ucrânia. A investigação também citou relatórios dos serviços secretos ucranianos que revelaram pormenores da campanha de recrutamento global da Rússia para alistar combatentes estrangeiros em pelo menos 21 países, incluindo várias nações em África. Os recrutadores têm como alvo migrantes e estudantes que anteriormente procuravam emprego na Rússia.
Samuel disse que foi enganado para deixar o seu país natal, os Camarões, onde trabalhava para o Ministério das Terras, Cadastro e Assuntos Fundiários em Yaoundé, em Maio de 2024. Um amigo indicou-lhe uma oportunidade de emprego na Rússia, e Samuel disse que lhe tinham dito que seria “um zelador com tarefas como limpar e cozinhar.”
“Eu não sabia que tinha acabado de aceitar uma viagem ao vale da sombra da morte,” disse.
Chegou a um campo militar, recebeu um uniforme e uma espingarda de assalto AK-47 e foi obrigado a assinar um contrato. Samuel disse que pediu ajuda à Embaixada dos Camarões, mas não obteve nenhuma.
“Negam que saibam da nossa presença aqui, apesar de sermos muitos,” disse. “Estão a encobrir o tráfico de seres humanos.”
A história de Samuel faz parte de um número crescente de histórias que estão a ser divulgadas nos meios de comunicação social. Um homem centro-africano disse à revista The Africa Report que foi recrutado sob falsos pretextos por um mercenário russo do Grupo Wagner em Bangui. Foi enviado para um campo militar na região de Belgorod, na Rússia, onde ele e outros centro-africanos e camaroneses se juntaram a milhares de combatentes.
“Não nos foi dada qualquer informação. Disseram-nos para ir numa determinada direcção e tivemos de obedecer,” disse ao The Africa Report. “Disseram-nos para irmos buscar cadáveres ou para percorrermos vários quilómetros só para identificar alvos, até os ucranianos retaliarem.”
Os horrores da guerra moderna foram um choque para Samuel, que viu muitos dos seus colegas recrutas africanos serem mortos no campo de batalha.
Em Novembro de 2024, estima-se que 45.680 russos tenham morrido na guerra, de acordo com o Ministério da Defesa do Reino Unido. Foi o mês mais mortífero de combates desde o início da guerra e demonstra a estratégia de “carne para canhão” do Kremlin.
Samuel disse que a realidade no terreno é muito pior para os combatentes estrangeiros.
“Temos de avançar, não podemos recuar,” afirmou. “Quem recua é torturado. Temos de avançar para ocupar o terreno. Mas estamos muito mal equipados.
“Os russos têm máquinas para bloquear as ondas de drones, mas guardam-nas para si. Enviam-nos para lutar e morrer sem nada.”
Em meados de Dezembro de 2024, Samuel estava a recuperar de uma nova lesão quando enviou uma mensagem à RFI.
“Amanhã, querem que partamos numa missão suicida,” escreveu. “Vou largar a arma para não ter de ir. Provavelmente serei torturado e enviado para a prisão, mas prefiro salvar a minha vida.”
Era uma das últimas mensagens que receberiam dele.