Estratégia de Contra-Insurgência do Ruanda Começa com Protecção de Civis
EQUIPA DA ADF
Durante a sua intervenção de mais de dois anos em Moçambique, o Ruanda tentou fazer algo difícil: derrotar uma insurgência evitando baixas civis.
De acordo com um novo estudo, há provas de que está a ser bem-sucedido e a sua abordagem pode oferecer um modelo para futuras operações de imposição da paz.
Em 2021, o Ruanda enviou 1.000 soldados para a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, a pedido do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi. Com o passar do tempo, a sua força aumentou para 2.500 efectivos, incluindo a polícia, e tem trabalhado em paralelo com uma força destacada pela Comunidade para o Desenvolvimento de África Austral. Com base principalmente em Palma e Mocímboa da Praia, as tropas ruandesas protegeram cidades, reabriram estradas vitais e perseguiram extremistas em esconderijos remotos.
Em Maio de 2023, os dirigentes moçambicanos afirmaram que a insurgência tinha sido dizimada. Durante uma visita à zona nesse mesmo mês, o Ministro da Defesa de Moçambique, Cristóvão Chume, disse que entre 60% e 80% dos civis que tinham fugido dos ataques tinham regressado às suas casas.
Ralph Shield, um investigador de conflitos do Colégio de Guerra Naval dos EUA, estudou as acções da Força de Defesa do Ruanda e publicou as suas conclusões na revista Small Wars & Insurgencies. O investigador constatou que, seguindo o seu próprio modelo de contra-insurgência expedicionária, o Ruanda perseguia os militantes, mas continuava a “exercer discrição” no uso da força quando havia a possibilidade de ferir civis. De facto, concluiu, o Ruanda foi destacado para Moçambique durante um ano inteiro antes de infligir a sua primeira fatalidade civil registada.
“A sabedoria convencional diria que um governo autoritário como o do Ruanda seria muito severo ao reprimir uma insurgência,” escreveu Shield num artigo para o The Conversation.
“Mas os meus resultados sugerem que não é assim em Moçambique.”
Numa conversa com a ADF, Shield apontou três factores que, na sua opinião, ajudaram o Ruanda a combater a insurgência e a proteger os civis. Shield sublinhou que os seus comentários não reflectem necessariamente as opiniões da Escola Superior de Guerra ou do governo dos EUA.
Grangeando o apoio civil: As forças ruandesas, quando em patrulha, fazem questão de interagir com a população local e perguntar sobre as suas necessidades de segurança. As tropas falam Swahili, que é a língua principal no extremo norte de Moçambique. O Ruanda também dá ênfase a algo a que chama “umuganda,” ou trabalho comunitário, em que os soldados trabalham com civis na construção de projectos de obras públicas, como poços.
“Muito tem a ver com a sua postura,” disse Shield à ADF. “Chamo-lhe patrulhamento de contacto, basicamente patrulhamento desmontado ou patrulhamento montado, com ênfase no contacto com a população local e no estabelecimento de relações com a comunidade. É uma tradição que os ruandeses têm há muito tempo.”
Uso restrito do poder de fogo: A investigação de Shield mostra que as forças ruandesas têm demonstrado “contenção táctica” durante as patrulhas. Ele disse que a missão não depende do poder aéreo ou da artilharia, que são menos precisos para atingir os insurgentes. Também destacou a “habilidade e confiança” que as forças ruandesas demonstraram em Moçambique e que também observou nos seus esforços na República Centro-Africana e nas missões da ONU.
“Mesmo as armas de pequeno calibre e as armas ligeiras podem causar um número significativo de vítimas civis, quer por engano, quer por danos colaterais, se as forças não tiverem uma boa disciplina de fogo,” afirmou. “Sob as pressões do combate, pode ser muito difícil manter a contenção e penso que eles fizeram isso muito bem.”
Um ambiente propício ao sucesso: As forças ruandesas beneficiaram do facto de que, quando foram destacadas pela primeira vez, grande parte da população tinha fugido das cidades de Cabo Delgado onde operavam. Assim, era mais fácil evitar ferir civis. Além disso, os insurgentes raramente utilizavam dispositivos explosivos improvisados (DEI) e não lançavam ataques bombistas suicidas.
Sem um receio significativo de ataques, era mais fácil para as tropas ruandesas movimentarem-se livremente e interagirem com os civis quando regressavam às suas casas.
“Os insurgentes, de um modo geral, não utilizaram DEI; houve alguns, mas não são tão sofisticados como alguns que vimos noutras partes de África,” disse Shield. “Estas tácticas põem realmente à prova o compromisso de contenção táctica. Torna muito mais difícil o compromisso entre a protecção das forças e a protecção dos civis.”
Há alguns indícios de que esta situação está a mudar. Os extremistas alinhados com o Estado Islâmico foram responsáveis por seis ataques com DEI contra patrulhas militares no mês de Setembro.
A postura do Ruanda baseia-se nos “Princípios de Kigali sobre a Protecção de Civis,” um conjunto de 18 directrizes criadas em 2015, que enumeram as formas como as forças de manutenção da paz devem agir para proteger a população e evitar atrocidades em massa. Os princípios nasceram das lições da história do Ruanda quando, em 1994, as forças de manutenção da paz da ONU não actuaram para impedir um genocídio.
Num debate realizado em 2016 no Instituto da Paz dos EUA, o General Patrick Nyamvumba, então Chefe do Estado-Maior da Defesa, afirmou que os Princípios de Kigali devem orientar as forças de manutenção da paz a actuar quando necessário para proteger as pessoas em perigo.
“Quando falamos de uso da força, isso tende a ser mal interpretado como imprudência,” disse Nyamvumba. “Os piores exemplos que vimos, quer se trate do Ruanda ou de Srebrenica, foram os das forças de manutenção da paz, as coisas aconteceram na sua presença e elas não agiram. Tudo o que estamos a dizer é ‘OK, isso foi na altura, não podemos dar-nos ao luxo de fazer isso agora.’”
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