Em 2016, o Ruanda tornou-se o primeiro país do mundo a utilizar drones para entregar medicamentos e amostras de sangue. Actualmente, o país utiliza a inteligência artificial (IA) para programar eficazmente as recolhas e entregas dos drones.
Em muitos aspectos, África está a desbravar novos caminhos na utilização da IA. Na África do Sul, os drones monitorizam as ervas daninhas, enquanto nas Maurícias os computadores analisam os dados de saúde para melhorar os resultados dos doentes. Em Nairobi, os sistemas de vigilância funcionam para controlar o caótico tráfego da cidade. Os produtores de caju do Gana utilizam drones para detectar doenças nas árvores. Na África do Sul, uma empresa está a digitalizar as línguas africanas para que o software alimentado pela IA, como o Google Translate, possa aumentar a conectividade. A IA está a ser utilizada para monitorizar as alterações climáticas, as secas, o abastecimento de água e as infestações de gafanhotos.
A IA é definida como a utilização de sistemas informáticos para realizar tarefas que normalmente requerem aprendizagem, planeamento ou raciocínio humanos.
Os consumidores africanos, as instituições de ensino, os governos e as empresas estão a adoptar rapidamente a IA para ajudar a criar conteúdos, melhorar a prestação de serviços públicos e simplificar os processos empresariais. No domínio da paz e da segurança, a IA pode permitir uma análise mais eficaz dos conflitos e um alerta precoce, segundo informou Amani Africa, um site de investigação sediado na Etiópia.
“A tecnologia alimentada pela IA também pode permitir que as instituições estatais melhorem a sua capacidade de fazer cumprir a lei e a ordem e de combater o crime, contribuindo assim para a segurança dos cidadãos,” Amani disse num relatório de Junho de 2024. “Na verdade, as plataformas de vigilância e policiamento alimentadas pela IA são utilizadas para rastrear redes criminosas organizadas e responder ou prevenir actividades de grupos terroristas ou insurgentes.”
O Ministério da Defesa do Quénia reconheceu os desafios em Junho de 2024, quando co-organizou um workshop inaugural com os Países Baixos e a Coreia do Sul sobre a utilização responsável da IA nas forças armadas. Os delegados e o pessoal militar foram informados sobre as oportunidades, os desafios e os riscos associados às aplicações militares da IA. Os países africanos presentes na conferência foram o Burundi, os Camarões, o Egipto, a Etiópia, o Gana, Marrocos, a Namíbia, o Ruanda, o Senegal, a África do Sul, a Tanzânia e o Uganda.
No seminário, o Secretário de Estado da Defesa do Quénia, Aden Duale, afirmou que, no futuro, a IA não só reforçará as capacidades de defesa, como também fará parte da defesa dos “princípios da justiça, da paz e da dignidade humana.”
“O Quénia está empenhado em práticas éticas da IA em operações militares para promover a segurança e a estabilidade em África e no mundo,” afirmou, segundo o site Military Africa. “Exorto-vos a partilhar as vossas ideias e a colaborar em soluções que orientem para uma utilização responsável e eficaz da IA nos nossos esforços militares.”
CENTRO DE DEFESA DA IA
A África do Sul tornou-se um líder na investigação em IA, com um instituto de IA dedicado ao sector militar e da defesa. A Unidade de Investigação de Inteligência Artificial da Defesa foi lançada em Maio de 2024 na Academia Militar da África do Sul, em Saldanha Bay, no Cabo Ocidental. A África do Sul já tinha instalações de investigação em IA na Universidade de Joanesburgo em 2022, na Universidade de Tecnologia de Tshwane em 2023 e na Universidade Central de Tecnologia em Fevereiro de 2024, segundo o ITWeb.
A unidade de defesa é a primeira do seu género em África. O novo centro é um esforço de colaboração entre o Departamento de Comunicações e Tecnologias Digitais do país e o Departamento de Defesa e Veteranos Militares, informou o ITWeb.
Mas a África do Sul não está sozinha na tecnologia de defesa da IA. Já se registam outros avanços na utilização da IA pelas forças armadas e pela polícia de África:
Até à data, pelo menos 14 países africanos estão a utilizar plataformas de vigilância e de policiamento inteligente baseadas na IA. Esta recolha de informações baseia-se normalmente em redes profundas para a classificação de imagens e numa série de modelos de aprendizagem automática para a análise preditiva, de acordo com os investigadores Nathaniel Allen e Marian Okpali, que escreveram para a Brookings Institution.
Em Joanesburgo, os leitores automáticos de matrículas ajudam as autoridades a localizar criminosos com suspeitas de ligações ao grupo Estado Islâmico.
As autoridades zambianas estão a utilizar a IA para combater a desinformação durante a votação. Um inquérito de 2024 envolvendo 22 países africanos, realizado pela Yiaga Africa, revelou que a IA está a ser implementada para a gestão do recenseamento eleitoral, chatbots automatizados para o envolvimento dos eleitores, autenticação dos eleitores e detecção de ameaças cibernéticas.
No Parque Nacional de Liwonde, no Malawi, os guardas-florestais dispõem do software EarthRanger para combater a caça furtiva, utilizando a IA e a análise preditiva, segundo Allen e Okpali. O software detecta padrões que os guardas-
florestais poderiam ignorar, como o aumento da caça furtiva durante as férias e os dias de pagamento do governo. “Uma pequena ‘câmara de caçadores furtivos,’ activada por movimento, baseia-se num algoritmo para distinguir entre seres humanos e animais e contribuiu para pelo menos uma detenção,” afirmam os investigadores. Segundo eles, é justo imaginar como um sistema deste tipo pode ser reutilizado para a contra-insurgência ou para conflitos armados, “com sistemas de vigilância e monitorização alimentados pela IA para detectar e dissuadir insurgentes armados.”
Em 2021, o Paramount Group, sediado na África do Sul, anunciou o lançamento do seu sistema de drones N-RAVEN, que classifica como “uma família de veículos aéreos autónomos e multimissão com tecnologias de ‘enxame’ da próxima geração.” O N-RAVEN pode ser utilizado em enxames de até 20 unidades e é “concebido para transferência de tecnologia e fabrico portátil nos países parceiros.”
O QUE A AI PODE FAZER?
A IA pode melhorar de várias maneiras a forma como os países se defendem. Pode ser utilizada para desenvolver e operar sistemas de armas avançados. As armas autónomas são um tema controverso nas forças armadas. Alguns especialistas argumentam que estes sistemas podem reduzir o risco para os operadores humanos, mas outros alertam para os perigos potenciais de “dar às máquinas a capacidade de tomar decisões de vida ou de morte,” refere o Military Africa. Este tipo de armamento continua a depender de um ser humano para tomar a decisão final.
A IA preditiva pode ser utilizada para identificar a assinatura electromagnética de um míssil e para bloquear o seu sinal e redireccioná-lo ou direccionar os interceptores para o destruírem antes de atingir o seu alvo, informa a empresa de defesa Lockheed-Martin.
A IA está a revelar-se útil no desenvolvimento de enxames de drones, nos quais são utilizados drones ou robots em grande número que, em conjunto, realizam tarefas complexas. Cada um dos dispositivos segue regras simples mas, através das suas interacções, o enxame exibe uma inteligência que ultrapassa as capacidades das partes individuais. As aplicações potenciais incluem a vigilância e o combate. “Os enxames de drones inspiram-se nos insectos sociais, como as formigas e as abelhas, tirando partido da inteligência dos enxames para criar uma entidade colectiva poderosa a partir de muitos agentes simples,” informa a empresa de tecnologia Sentient Digital Inc.
As forças armadas de todo o mundo estão a utilizar algoritmos de IA para optimizar as cadeias de abastecimento, reduzindo o desperdício e melhorando a eficiência. Isso pode ajudar a reduzir o custo das operações militares e melhorar a rapidez com que os abastecimentos são entregues nas linhas da frente. A IA também é útil na previsão de problemas de manutenção e desgaste de veículos e outros equipamentos.
Uma das utilizações militares mais rápidas da IA é a vigilância, podendo alimentar sistemas para monitorizar e analisar grandes quantidades de dados de várias fontes, incluindo drones móveis e estacionários, câmaras, sensores e outros dispositivos para detectar e responder a potenciais ameaças à segurança. Estas técnicas de IA também podem ser aplicadas em domínios como a segurança pública e os transportes. No futuro, dizem os investigadores, os gestores da IA podem utilizar os seus dados para localizar terroristas que estejam a atacar infra-estruturas críticas, como centrais eléctricas e torres de telefonia móvel.
As armas equipadas com IA podem ser concebidas para tomar decisões com base em dados em tempo real, permitindo-lhes responder à evolução das circunstâncias em combate. O objectivo é reduzir o risco de erro humano e melhorar a precisão dos ataques. Até à data, as provas são claras: a IA pensa mais depressa do que os seres humanos.
Como a IA é uma tecnologia de uso geral, pode ser utilizada de muitas formas incorrectas. A principal delas é a sua crescente utilização em campanhas de desinformação. Mas também é utilizado em ameaças à segurança cibernética, em discursos de ódio contra mulheres e minorias e para encorajar ou incitar à violência em tempos de crise e conflito.
Há informações de que os “deepfakes,” que envolvem tecnologias de voz e imagem alimentadas pela IA, são utilizados para se fazerem passar por figuras políticas para propagar informações falsas nas eleições na Nigéria e na actual guerra civil no Sudão,” informou Amani. “As tecnologias de IA também podem ser potencialmente utilizadas para aumentar as capacidades de ataques cibernéticos e para conceber armas biológicas e armas de destruição maciça.”
As preocupações mais sérias sobre o abuso da IA envolvem a sua utilização na tomada de decisões de guerra.
“A IA e os sistemas de aprendizagem automática podem ter implicações profundas no papel dos seres humanos nos conflitos armados, sobretudo no que diz respeito à crescente autonomia dos sistemas de armas e de outros sistemas não tripulados, às novas formas de guerra cibernética e de guerra de informação e, de um modo mais geral, à natureza da tomada de decisões,” refere o Comité Internacional da Cruz Vermelha.
O investigador Koichiro Takagi afirma que os criadores da IA terão de encontrar formas de lidar com a velocidade a que esta toma decisões e se adapta.
“Quando as armas pilotadas remotamente por humanos e as armas não tripuladas autónomas da IA são postas em confronto, os operadores humanos não conseguem competir com as armas não tripuladas autónomas, que têm uma velocidade de decisão extremamente rápida,” Takagi escreveu para a revista japonesa Foresight. “Mesmo que o papel da IA se limite a apoiar a tomada de decisões humanas e que sejam os seres humanos a tomar a decisão final, continua a existir o risco de o julgamento humano ser dominado pela IA.”
DESAFIOS PARA ÁFRICA
As autoridades alertam para o facto de o desenvolvimento aleatório da IA, em todas as suas formas, representar sérios riscos, e não apenas para utilização militar. A União Africana está a preparar uma política ambiciosa em matéria de IA que prevê um caminho centrado em África para o desenvolvimento e a regulamentação da tecnologia emergente, informa a revista MIT Technology Review. Os debates actuais centram-se na questão de saber quando se justifica a regulamentação da IA sem se tornar um obstáculo à inovação. Os investigadores afirmam que a falta de infra-estruturas de IA no continente pode atrasar a adopção da tecnologia. Alguns países africanos já começaram a elaborar os seus próprios quadros jurídicos e políticos em matéria de IA. Sete desenvolveram políticas e estratégias nacionais de IA, que se encontram em diferentes fases de implementação. Segundo a MIT, uma estratégia a nível continental deverá estar pronta para ser revista em 2025.
A IA continua a ser um mistério para muitas pessoas que a vêem como capaz de resolver problemas por si só, mas não se apercebem de que depende da introdução de dados. Claver Gatete, secretário-executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África, afirma que o desenvolvimento de infra-estruturas, incluindo a conectividade à internet, é fundamental para tirar partido dos benefícios da IA, juntamente com a partilha da tecnologia entre países.
“Dos 1,6 bilhões de pessoas que não estão ligadas, África é realmente um dos maiores lugares onde não estamos ligados,” disse, segundo a ONU. “Se não estivermos ligados, não podemos sequer falar de IA. Precisamos de infra-estruturas, precisamos que o investimento em energia ande de mãos dadas com as infra-
estruturas de TI.”
É provável que a disseminação da IA de defesa em África, tal como a disseminação mais ampla da tecnologia digital, seja diversa e desigual. África continua a ser a região menos digitalizada do mundo, de acordo com a Brookings Institution.
“As taxas de penetração da internet são baixas e é provável que continuem a sê-lo em muitos dos países mais propensos a conflitos,” informou a instituição. “Na Somália, no Sudão do Sul, na Etiópia, na República Democrática do Congo e em grande parte da Bacia do Lago Chade, a penetração da internet é inferior a 20%. É pouco provável que a IA tenha um grande impacto nos conflitos em regiões onde os cidadãos deixam pouca pegada digital e os grupos armados não estatais controlam territórios fora do alcance do Estado.”
Takagi observou que o futuro da IA militar depende da sua utilização ponderada e inteligente.
“Ao longo da história, não foi a superioridade da ciência e da tecnologia em si, mas a inteligência humana que as utiliza, que ganhou ou perdeu as guerras,” escreveu. “A guerra futura pode ser determinada não pela ciência e tecnologia da IA em si, mas pela inovação dos conceitos que a utilizam e pela inteligência e criatividade humanas.”