Rússia Utiliza Carregamentos de Cereais para Exercer Influência Sobre Países Africanos

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EQUIPA DA ADF

A invasão russa à Ucrânia no início de 2022 interrompeu o envio de cereais para os países de toda a África. Em resposta, a Rússia começou a enviar gratuitamente cereais para seis países africanos, mas esses envios têm condições.

Segundo o economista zimbabwiano Godfrey Kanyenze, a Rússia está a explorar o sofrimento dos cidadãos africanos para o seu próprio benefício. Kanyenze é o director fundador do Instituto de Investigação Económica e do Trabalho do Zimbabwe.

“É estratégico no sentido em que a Rússia se apercebe que estes países estão a precisar de ajuda e, basicamente, tira partido dessa necessidade específica,” disse Kanyenze à CNN. “É a geopolítica em jogo. O principal objectivo é controlar ou obter uma vantagem em relação a outros rivais ou concorrentes.”

O Zimbabwe é um dos seis países africanos a receber os carregamentos gratuitos de cereais, apesar de ter aumentado a sua própria produção de cereais nos últimos anos. Outros beneficiários de cereais russos são Burquina Faso, República Centro-Africana, Eritreia, Mali e Somália.

A Rússia entregou cerca de 200.000 toneladas métricas de cereais aos seis países desde Novembro de 2023. Trata-se de uma fracção dos 60 milhões de toneladas métricas que o país exporta num ano. A Rússia espera tirar partido da escassez de alimentos que ajudou a criar e reforçar os seus laços com esses países.

Para além dos carregamentos gratuitos de cereais, a Rússia planeia ganhar 33 bilhões de dólares com a venda de alimentos aos países africanos.

O país está também a utilizar os seus carregamentos de cereais para reforçar as suas ligações com países instáveis, em particular onde destacou mercenários do Grupo Wagner, agora rebaptizados como Africa Corps. Actualmente, as tropas russas estão destacadas nos países beneficiários dos cereais, Burquina Faso, RCA e Mali. As tropas russas estão também na Líbia, que não faz parte do acordo sobre os cereais. Ajudaram também as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares do Sudão na sua luta contra as Forças Armadas do Sudão (SAF).

Os fornecimentos de cereais são apenas a última forma de a Rússia tentar exercer a sua influência em África. Nos últimos anos:

  • O Burquina Faso acolheu cerca de 100 soldados russos e uma nova embaixada russa.
  • A RCA concedeu às forças russas uma influência significativa sobre as alfândegas do país, a segurança presidencial e, mais recentemente, acolheu uma base militar russa.
  • A Eritreia votou contra uma resolução das Nações Unidas que exige que a Rússia retire as suas tropas da Ucrânia.
  • O Mali vai receber uma refinaria de ouro de fabrico russo.

Quase um quarto da população do Mali enfrenta uma escassez de alimentos devido a mais de uma década de combates e deslocações. De acordo com o Programa Mundial de Alimentação das Nações Unidas, cerca de 15% dos habitantes do Burquina Faso debatem-se com a mesma situação de insegurança alimentar.

Historicamente, cerca de metade dos países africanos dependeram das importações de cereais da Rússia e da Ucrânia para alimentar as suas populações. De acordo com as Nações Unidas, a Eritreia e a Somália estão entre os países africanos que, antes do conflito, se abasteciam quase totalmente de cereais provenientes da Rússia e da Ucrânia.

As Nações Unidas e a Turquia mediaram um acordo em 2022 entre a Rússia e a Ucrânia, conhecido como a Iniciativa de Cereais do Mar Negro, que permitiu a exportação de 32,9 milhões de toneladas métricas de alimentos da Ucrânia a partir de Agosto.

A Rússia abandonou essa iniciativa em meados de 2023 e bombardeou os portos ucranianos para impedir o transporte de cereais. Ao mesmo tempo, a Rússia expandiu as suas exportações. A Rússia disse que espera enviar mais 70.000 toneladas métricas para os seus destinatários africanos este ano.

“A guerra na Ucrânia e o actual ambiente global polarizado podem ter repercussões em diferentes partes de África, incluindo na Somália,” Nisar Majid, que gere o programa nacional para a Somália na London School of Economics, disse à Bloomberg. “E a ajuda alimentar torna-se apenas parte desse jogo.”

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