Região Fronteiriça Entre Chade, Camarões e RCA Constitui “Barril de Pólvora” para Crime

EQUIPA DA ADF

O rapto com pedido de resgate tornou-se uma fonte de rendimento para os terroristas e criminosos em algumas zonas da Bacia do Lago Chade, e as autoridades afirmam que várias centenas de vítimas continuam em cativeiro. Um novo relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) recomenda um esforço em três vertentes para travar os ataques.

Alguns dos governos da região já estão a cooperar. No início de Abril, os Camarões afirmaram ter recebido cinco civis das autoridades chadianas. Os civis foram raptados este ano em aldeias dos Camarões perto da fronteira com o Chade. Victor Boukar, um dos antigos reféns, disse à Voz da América (VOA) que homens fortemente armados acorrentavam as pernas dos prisioneiros todas as noites e atavam-lhes as mãos com cordas durante o dia. Disse que foram torturados regularmente e que só lhes foi dada uma refeição por dia durante os 70 dias de cativeiro.

Boukar disse que os raptores obrigavam regularmente 35 reféns, incluindo sete mulheres, a deslocarem-se para diferentes localidades de ambos os lados da fronteira entre os Camarões e o Chade para evitarem ser resgatados pelas tropas governamentais.

Os problemas de rapto foram notícia internacional em Fevereiro, com o rapto e posterior libertação de uma médica polaca que trabalhava como voluntária num hospital na região de Tandjile, no Chade. Os atacantes, fazendo-se passar por pacientes, raptaram-na e a um médico mexicano, que conseguiu escapar. A Dra. Aleksandra Kuligowska foi mantida refém durante cinco dias numa floresta. As forças francesas e chadianas resgataram-na.

“Quando o helicóptero sobrevoou o local, os raptores saíram para tentar abater o helicóptero, deixando a refém sozinha,” disse o governador local Ildjima Abdraman, segundo a Agence France-Presse. “Enquanto as nossas tropas terrestres avançavam, conseguiram resgatar a refém. Todos os raptores foram mortos. Eram três.”

Os raptos são apenas uma parte do problema na região. Em Março, o Chade afirmou que as suas tropas atacaram aldeias fronteiriças nas províncias de Mayo Kebbi Oriental e Mayo Kebbi Ocidental, onde várias centenas de pessoas foram mantidas reféns por bandos armados e terroristas. A VOA informou que os soldados libertaram “dezenas de civis.” Os cidadãos dos Camarões regressaram ao seu país de origem e os chadianos foram reunidos às suas famílias após terem recebido cuidados médicos. Midjiyawa Bakari, governador da região do Extremo Norte dos Camarões, disse que o Chade e os Camarões estão a trabalhar em conjunto para combater os rebeldes e trazer a paz ao longo da sua fronteira.

Bakari disse que as tropas camaronesas não tiveram piedade dos homens armados e dos extremistas escondidos nas cidades e aldeias locais, acrescentando que o seu país está a permitir que as tropas chadianas atravessem a fronteira para localizar os militantes do Boko Haram e os bandos armados.

LEITO DE INIQUIDADE

Embora os quatro países da Bacia do Lago Chade — Camarões, Chade, Níger e Nigéria — tenham tido problemas recentes, a região da tríplice fronteira que liga o Chade, os Camarões e a República Centro-Africana tornou-se um foco de ilegalidade nos últimos 20 anos, com os raptos a tornarem-se cada vez mais um crime de eleição. As autoridades chadianas informaram o instituto que, em 2022, os criminosos raptaram 46 pessoas e assassinaram 12, tendo sido pagos cerca de 43 milhões de francos centro-africanos (CFA), ou seja, 70 mil dólares, em resgates. Em 2023, 41 pessoas foram raptadas, oito foram mortas e duas desapareceram, tendo sido cobrados 52,4 milhões de CFA, ou seja, 85.000 dólares, em resgates.

As autoridades dizem que os problemas na Bacia do Lago Chade começaram com a chegada do Boko Haram no início dos anos 2000. O grupo terrorista lançou a sua insurreição com o objectivo de estabelecer a lei islâmica no nordeste da Nigéria. Desde então, a insurgência alastrou-se para outros países. Acredita-se que o grupo terrorista tenha deslocado mais de 3,2 milhões de pessoas e a ReliefWeb afirma que o grupo deixou 10,6 milhões de pessoas a necessitar de cuidados humanitários urgentes.

Os problemas da região da tríplice fronteira são numerosos. O Lago Chade diminuiu cerca de 90% desde a década de 1960, principalmente devido às alterações climáticas e ao aumento da utilização de sistemas de irrigação. À medida que o lago foi diminuindo, a violência entre agricultores e pastores intensificou-se. O instituto assinala que o Chade, em particular, tem sido afectado por uma proliferação de armas de fogo devido aos seus conflitos internos e à disseminação de stocks de armas provenientes da Líbia, bem como do Sudão e da RCA.

A agravar a miséria está a guerra civil em curso no vizinho Sudão, que obrigou mais de 1,8 milhões de refugiados a fugir do país. O Portal de Dados Operacionais das Nações Unidas refere que, em meados de Abril, mais de 573.000 sudaneses tinham fugido para o Chade, sobrecarregando os seus recursos, já de si limitados. O Sudão do Sul, que já é um dos países mais pobres do mundo, teve de absorver 646.000 refugiados sudaneses.

O instituto afirma que a região Chade-Camarões-RCA é um “barril de pólvora do crime” e exige uma acção rápida dos três governos para pôr termo aos raptos e crimes conexos. Num relatório de Abril de 2024, o instituto afirmou que os três países têm de estar mais bem equipados para lidar com o terreno acidentado da região e precisam de acrescentar veículos todo-o-terreno e motociclos. Este equipamento, segundo o instituto, ajudaria a criar redes de informação, postos de vigilância e mais patrulhas de peões e veículos.

Os três países, segundo o instituto, devem melhorar a colaboração. “Isto deve incluir a criação de mecanismos de cooperação, patrulhas conjuntas e a troca permanente de informações entre as forças nestas áreas,” diz o relatório. “A negociação dos direitos de busca e apreensão transfronteiriços é também essencial. Isto foi feito entre os países da Bacia do Lago Chade, no âmbito da Força-Tarefa Conjunta Multinacional contra o Boko Haram.”

O instituto também disse que os três países precisam de trabalhar com “comités de vigilância,” constituídos por jovens, cujo “vasto conhecimento” destes ambientes pode ser utilizado para recolher informações e localizar raptores.

Para o sucesso da região, segundo o instituto, é fundamental que o Chade e os seus vizinhos impeçam os raptores de se associarem a outras forças criminosas e extremistas.

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