Partilhando O Fardo

Países Estudam Formas De Satisfazer As Necessidades Do Transporte Aéreo Estratégico Do Continente

EQUIPA DA ADF

Quando as forças de manutenção da paz do Sudão do Sul saíram de um avião de transporte militar C-27J Spartan da Força Aérea do Quénia, na República Democrática do Congo (RDC), estavam a cumprir uma promessa. 

O Presidente do Sudão do Sul tinha prometido enviar 750 soldados para participarem na Força Regional da Comunidade da África Oriental. A sua chegada a Goma, a 2 e 3 de Abril de 2023, significou que a missão, concebida para trazer a paz ao volátil leste da RDC, tinha atingido o seu pleno desenvolvimento. 

Para o Sudão do Sul, um país que tem acolhido forças de manutenção da paz estrangeiras desde a sua independência, a capacidade de enviar tropas para o estrangeiro foi um marco importante. 

“Estamos muito orgulhosos hoje, porque a bandeira da República do Sudão do Sul vai ser hasteada como uma região que continua a contribuir para a estabilidade e a paz,” disse a então Ministra da Defesa e dos Assuntos dos Veteranos, Angelina Teny, antes do destacamento. “Esta é uma grande oportunidade para mudarmos a imagem deste país.”

Mostrou também a importância das parcerias de transporte aéreo. O destacamento poderia não ter sido possível sem o apoio da Força Aérea do Quénia. A KAF também transportou 100 soldados do Burundi para a RDC, em Março de 2023.

Durante anos, as missões de manutenção da paz foram prejudicadas pela falta de mobilidade aérea. Os países simplesmente não conseguiam deslocar tropas e equipamento para onde eram necessários em tempo útil. 

“O transporte aéreo estratégico é um activo com que todas as nações sonham, mas ter esse equipamento é bastante caro,” o Comandante da KAF, Major-General John Mugaravai Omenda, disse à ADF. “E olhando para o nosso [produto interno bruto], geralmente em África, é um desafio operar transporte aéreo estratégico.”

Para resolver este problema, os países estão a procurar formas inovadoras de adquirir aeronaves, de as manter e de reunir recursos. Para o continente, esta pode ser a diferença entre intervir a tempo de travar uma crise e chegar demasiado tarde. 

Membros da Força Regional da Comunidade da África Oriental cumprimentam os membros das Forças de Defesa do Povo do Sudão do Sul, em Goma. FORÇA REGIONAL DA COMUNIDADE DA ÁFRICA ORIENTAL

OS DESAFIOS

Muitos governos dos 30 milhões de quilómetros quadrados de África são responsáveis por grandes massas de terra com infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias ou portuárias limitadas. Isso representa um problema, por vezes, designado por “tirania da distância.”

O continente possui 204 quilómetros de estradas por cada 1.000 quilómetros quadrados, cerca de 22% da média mundial. Apenas cerca de um quarto das estradas são pavimentadas. As infra-estruturas não estão distribuídas uniformemente, o que significa que os centros populacionais desenvolvidos, muitas vezes, estão longe das zonas de conflito em regiões remotas. 

“A nossa região é vasta [e] caracterizada por infra-estruturas de transporte limitadas, pelo que requer mecanismos eficazes de mobilidade aérea para vencer distâncias, apoiar o reabastecimento das tropas no teatro de operações… e prestar assistência humanitária,” o Tenente-General da Força Aérea do Ruanda, Jean Jacques Mupenzi, disse à revista Air & Space Forces.

Quando essa mobilidade aérea não está disponível, os resultados podem ser devastadores.

Em 2012, quando os insurgentes tentaram tomar o Mali, uma intervenção da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental foi adiada durante meses devido à falta de transporte aéreo. Atrasos semelhantes ocorreram na região sudanesa de Darfur em 2010, quando as tropas da União Africana ficaram em terra enquanto o conflito explodia. Por fim, os Países Baixos intervieram para fornecer o transporte aéreo necessário.

Uma vez chegados a um país, a falta de estradas torna a sustentação das tropas um desafio. Durante a missão da ONU no Mali, as forças de manutenção da paz passaram semanas a transportar mantimentos através de colunas de camiões da capital, Bamako, para postos remotos em locais como Tombuctu. Um antigo comandante de sector recordou o “pesadelo logístico” de enfrentar tempestades de poeira, inundações e pedras que furam os pneus para transportar os abastecimentos através do país.

“Normalmente, diz-se que as operações conduzem a logística, mas penso que, em África, a logística conduz as operações, porque as operações devem basear-se na logística disponível,” disse o Brigadeiro-General David Baburam (reformado), antigo chefe do Apoio à Missão da UA. “Não se pode levar as tropas para o local A ou B se não se dispuser de meios de transporte aéreo para as levar até lá. Não é possível manter as tropas na área operacional durante três meses se não as pudermos alimentar.”

Comandante da Força Aérea do Quénia, Major-General John Mugaravai Omenda EQUIPA DA ADF

ENCONTRAR A PLATAFORMA CERTA

As duas grandes categorias de transporte aéreo são o estratégico e o táctico. O transporte aéreo estratégico é efectuado por grandes aviões concebidos para transportar tropas e equipamento pesado para um determinado local. O transporte aéreo táctico envolve aviões mais pequenos ou helicópteros que abastecem as tropas durante um destacamento. 

Para os requisitos de transporte estratégico mais pesados, definidos pelo Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS) como capazes de transportar equipamento para uma brigada, as opções são limitadas. Estas aeronaves, com cargas úteis máximas que variam entre 45.000 e 136.000 quilogramas, são dispendiosas de adquirir e manter. Um C-17 Globemaster pode custar mais de 300 milhões de dólares, com aproximadamente o mesmo montante necessário para reparações e manutenção durante o seu ciclo de vida. 

Para a maioria das operações de manutenção da paz e de resposta a emergências no continente, a capacidade média de transporte aéreo é a mais prática. O ACSS define-a como capaz de transportar um a dois batalhões e o seu equipamento para um local em várias viagens ao longo de 14 dias. Estas aeronaves têm uma carga útil de 9.000 a mais de 36.000 quilogramas e são mais económicas. 

Para satisfazer esta necessidade, alguns países recorrem ao C-130, um avião construído pela primeira vez em 1957, que provou ser fiável e económico. Actualmente, o C-130 é o avião de transporte mais popular utilizado pelas forças aéreas de todo o mundo. Há 858 C-130s ou o L-100 relacionado em uso, constituindo 20% da frota global de transporte militar. 

Numa análise das diferentes plataformas, o Major da Força Aérea dos EUA, Ryan McCaughan, disse que o C-130 é o mais adequado para missões regionais devido ao seu alcance de mais de 2.700 quilómetros, à capacidade de transportar 19.000 quilogramas de carga e à sua capacidade de aterrar em ambientes difíceis. 

“O C-130 é adequado para África,” escreveu McCaughan numa análise de 2019. “Principalmente em termos de capacidade de carga, tempo de voo e capacidade de pouso em superfície não melhorada, este activo fornece a resposta para uma região.” Dez países africanos pilotam o avião.

Membros das Forças de Defesa do Povo do Sudão do Sul chegam ao Aeroporto Internacional de Goma, na República Democrática do Congo, para serem destacados. AFP/GETTY IMAGES

UM ESFORÇO COMUM

As nações estão a estudar formas de se associarem para maximizarem os seus recursos. Um projecto da União Africana é a criação de um Centro de Comando de Mobilidade Aérea Africana que incluiria um mecanismo de partilha de transporte aéreo. Este mecanismo ofereceria uma forma de utilizar os recursos de transporte aéreo do continente para apoiar os requisitos de paz e segurança. 

De acordo com o plano, as nações com capacidades aéreas concordariam em prestar apoio quando solicitadas. Os aviões poderiam ser utilizados para transportar tropas ou equipamento para uma operação de segurança, para evacuar pessoas durante uma crise humanitária ou para transportar ajuda em resposta a uma catástrofe natural.

“Penso que o sonho de todos os africanos é ver um avião africano com todas as bandeiras africanas na cauda, a voar por todo o continente, prestando ajuda e apoio aos africanos,” disse o Coronel Kais Sghaier, da Força Aérea Tunisina, durante uma conferência de 2022 no Botswana, onde um grupo de trabalho discutiu o centro de comando.

Estes acordos têm sido bem-sucedidos noutras partes do mundo. Por exemplo, o Centro de Coordenação de Movimentos da Europa, sediado nos Países Baixos, é uma parceria de 28 nações que fornece transporte aéreo, transporte marítimo, reabastecimento aéreo e transporte terrestre aos países-membros.

Os países também estão a analisar a necessidade de criar mecanismos de partilha de transporte aéreo a nível regional, em particular para apoiar a Força Africana em Estado de Alerta, que está alinhada com as comunidades económicas regionais. A força está mandatada para responder a crises em apenas 14 dias, mas, muitas vezes, não tem conseguido cumprir esse prazo.

“Na nossa comunidade económica regional, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, enfrentamos muitas catástrofes e crises e não temos a capacidade de transporte aéreo necessária,” o Major-General Hendrick Thuthu Rakgantswana, chefe da aviação do Botswana, disse à revista Air & Space Forces. “Portanto, isso significa que agora temos de nos unir e juntar os nossos recursos.”

Esta cooperação foi demonstrada em 2022 e 2023, quando Zâmbia e Angola forneceram transporte aéreo para transportar pessoal e equipamento para a Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique. 

“Este mecanismo é a resposta — só temos agora de o adaptar às estruturas existentes,” disse Rakgantswana.

Os países também estão a procurar formas de reunir recursos para aumentar o poder de compra. Uma ideia é que um grupo de nações se junte para comprar uma pequena frota de aviões de transporte que seriam propriedade comum e operados conjuntamente. Esta ideia segue o modelo da Ala de Transporte Aéreo Pesado da Capacidade de Transporte Aéreo Estratégico, com sede na Hungria, uma parceria de 12 países que partilha recursos aéreos.

Durante o Simpósio dos Chefes das Forças Aéreas Africanas de 2023, em Dakar, no Senegal, os líderes aéreos manifestaram optimismo quanto ao desenvolvimento de tais parcerias e esforços conjuntos.

“Se tudo melhorar, penso que podemos estabelecer parcerias com outras nações, porque é essa a ideia deste fórum: tentar reunir todos estes recursos para uso comum e aplicá-los sempre que for necessário,” disse Omenda, do Quénia. “Por isso, sim, [as aeronaves] são caras, são poucas, mas com a colaboração entre as nações podemos conseguir.”  

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