Na Eritreia, a China e a Rússia Procuram Dominar o Mar Vermelho

EQUIPA DA ADF

Por vezes apelidada de Estado eremita, a Eritreia é um dos países diplomaticamente mais isolados do mundo. Um historial de repressão, violações de direitos humanos e conflitos com países vizinhos deixou-o com poucos aliados na arena mundial. Contudo, os seus 1.150 quilómetros de costa no Mar Vermelho continuam a atrair o interesse do estrangeiro.

“Asmara tem uma importância geopolítica acima do seu peso devido à sua localização,” escreveu Joshua Meservey, um investigador sénior que estuda África no Hudson Institute. “Detém uma posição de comando no Estreito de Bab el-Mandeb, um ponto de estrangulamento do transporte marítimo mundial, e as suas ilhas apimentam a aproximação do Mar Vermelho ao estreito.”

No último ano, a Eritreia estreitou os seus laços económicos, diplomáticos e militares com a China e a Rússia. Ambos os países esperam expandir a sua presença militar no Corno de África e, apesar dos desmentidos oficiais, a Eritreia parece estar aberta a acolher uma base estrangeira.

De 2015 a 2021, a Eritreia autorizou os Emirados Árabes Unidos a pilotar aviões a partir de uma pista de aterragem costeira e a atracar navios num porto da cidade de Assab durante o envolvimento dos EAU no Iémen. Também poderá estar disposta a oferecer acomodações semelhantes à China ou à Rússia.

Meservey considera que “os alarmes devem soar” perante a possibilidade de uma acumulação militar estrangeira na costa que poderia ameaçar a navegação global. Se a China desenvolver uma base — ou possivelmente até infra-estruturas de dupla utilização — em Assab ou Massawa para complementar a sua base no vizinho Djibouti, poderá bloquear o Estreito de Bab el-Mandeb.”

Namoro com a China

Em Maio, o Presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, visitou a China, onde, durante um banquete no Grande Salão do Povo, o Presidente Xi Jinping elogiou o “profundo laço de amizade entre os dois países num mundo incerto e instável.”

Isaias tem laços com a China que remontam a 1967, quando recebeu treino militar no país e aprendeu tácticas de guerrilha utilizadas por Mao Zedong.

Em 2021, a Eritreia aderiu à Iniciativa do Cinturão e Rota da China e, segundo consta, registou um aumento acentuado dos projectos de construção chineses em 2023. Nos últimos 11 anos, as empresas chinesas adquiriram participações de controlo nos quatro projectos mineiros desenvolvidos na Eritreia para minerais como o cobre, o zinco e o potássio.

A China já opera a sua primeira base militar no estrangeiro no vizinho Djibouti, onde construiu abrigos subterrâneos, infra-estruturas reforçadas e um cais capaz de acomodar um porta-aviões. Mas Meservey disse que isso não elimina a possibilidade de a China se expandir para a Eritreia.

“O aspecto seria diferente. Mas a minha opinião é que teria de ser suficiente para lhes dar a supremacia sobre o Estreito de Bab el-Mandeb e as suas proximidades,” disse Meservey à ADF. “Porque não vejo a lógica estratégica de colocar algo na Eritreia se não afirmar ou criar a primazia sobre esse ponto de estrangulamento.”

Ligações com a Rússia

Isaias visitou Moscovo duas vezes em 2023 e, durante uma mesa-redonda com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, instou a Rússia a liderar a criação do que designou por “nova ordem mundial.” A Eritreia tem sido um fiel apoiante de Putin e foi o único país africano a votar contra uma resolução da ONU que denunciava a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

A Rússia há muito que deseja uma presença militar permanente no Mar Vermelho e esteve em conversações com a junta sudanesa para estabelecer uma base em Port Sudan antes de o Sudão se envolver numa guerra civil. Há sinais de que pode estar a voltar a sua atenção para a Eritreia.

A cidade portuária de Massawa, na Eritreia, assinou um memorando de entendimento com a base naval russa de Sevastopol, no Mar Negro, comprometendo-se a estreitar laços. Numa visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, em Janeiro, a primeira do género, Lavrov elogiou o “potencial logístico” do porto e do aeroporto da Eritreia em Massawa.

“Penso que a Eritreia seria uma segunda escolha lógica para os russos,” disse Meservey. “Potencialmente, eles irão transferir a sua energia e concentração para a Eritreia se parecer que Port Sudan não vai funcionar para eles. Tem havido sérios compromissos diplomáticos de alto nível.”

A Rússia assinou mais de 24 acordos de cooperação em África nos últimos anos, o que representa um aumento significativo em relação às décadas anteriores, de acordo com uma análise do Centro de Estudos Estratégicos de África.

‘Manipulador Astuto’

Isaias tem mantido um controlo férreo do poder há mais de 30 anos sem nunca se ter candidatado a eleições ou enfrentado um desafio sério ao seu governo. Num ensaio para a revista “Democracy in Africa,” os investigadores Faisal Ali e Mohamed Kheir Omer maravilharam-se com a sua longevidade ao longo das décadas, enquanto travava guerras com os vizinhos, enviava armas a grupos rebeldes e silenciava dissidentes.

“Isaias é um manipulador astuto e um sobrevivente determinado,” escreveram Ali e Omer. “Ele emergiu como o grande homem mais velho da política da África Oriental.”

Meservey afirmou que o estreitamento dos laços com a Rússia e a China é uma “progressão natural” da estratégia de Isaias e da sua visão do mundo, que coloca a tónica na auto-suficiência e na desconfiança em relação à ordem mundial e às instituições internacionais. Talvez acredite que é o momento certo para aumentar a sua visibilidade a nível mundial. No entanto, Meservey adverte que a China e a Rússia têm um historial de dar poder e encorajar alguns dos regimes mais opressivos de África.

“Estes dois países têm um longo historial de apoio a regimes violentos e autoritários. Isso conduz a uma enorme instabilidade e também a graves violações de direitos humanos,” afirmou Meservey. “Por isso, à medida que a China e a Rússia aumentam a sua influência em países como a Eritreia, penso que, infelizmente, isso é uma vitória para os regimes violentos e autoritários.”

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