Estratégia da Rússia Visa Destruir a Democracia em África

EQUIPA DA ADF

Não foi surpresa nenhuma quando os líderes da junta militar do Níger pediram ajuda ao Grupo Wagner, de mercenários russos, poucos dias depois de terem derrubado um governo democraticamente eleito e suspendido a Constituição do país.

Os especialistas afirmam que a presença da Rússia em África se destina a promover a autocracia e a instabilidade.

O Níger é apenas o exemplo mais recente.

“A guerra é um negócio e é um negócio em que a Rússia se tem saído muito bem,” disse Marisa Lourenço, uma analista independente de riscos políticos e económicos, baseada na África do Sul, durante um painel de discussão, a 14 de Agosto, chamado The Resistance Bureau.

“É efectivamente isso que move a Rússia. África mantém-na ocupada.”

Por duas décadas, a Rússia tem utilizado uma estratégia de apoio e protecção de regimes autoritários, minando simultaneamente a democracia em todas as regiões de África.

Joseph Siegle, director de investigação, do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), chamou-lhe uma estratégia “contra-revolucionária” em que os regimes autoritários evitam os controlos e equilíbrios governamentais para se beneficiarem política e financeiramente.

“Isso é semelhante a guardar a porta enquanto um crime violento ocorre no interior,” escreveu Siegle numa crítica literária publicada em Fevereiro no site Democracy in Africa.

“A isso juntam-se as campanhas de desinformação altamente sofisticadas da Rússia, com mensagens orwellianas sobre a não interferência e o empoderamento de África.”

Siegle traça as raízes da estratégia russa em África até ao Inverno de 2011-12, quando os protestos contra o Presidente Vladimir Putin varreram grandes cidades como Moscovo e alimentaram a paranóia de Putin e a sua determinação em anular quaisquer vozes da oposição.

Ao mesmo tempo, as revoltas da Primavera Árabe espalharam-se pelo norte de África.

“Putin teme que as exigências populares de democracia representem uma ameaça directa às suas ambições de presidente vitalício,” escreveu Siegle. “Estes receios foram alimentados com os protestos da Primavera Árabe no norte de África, que assistiram ao derrube de Zine Abedine Ben Ali, na Tunísia, de Hosni Mubarak, no Egipto, e de Muammar al-Gaddafi, na Líbia, em 2011.”

Desde então, a Rússia tem procurado enfraquecer e sufocar a liberdade e a representação democrática em todo o continente.

Numa infografia recente, o ACSS destacou os esforços sistemáticos da Rússia para impedir o desenvolvimento democrático em mais de uma dezena de países africanos, incluindo:

  • Burquina Faso: A Rússia apoiou dois golpes militares, ambos na sequência de campanhas de desinformação coordenadas pela Rússia, com dezenas de contas de redes sociais patrocinadas pela Rússia para promover narrativas pró-russas, pró-junta e pró-Grupo Wagner.
  • República Centro-Africana: A Rússia capturou efectivamente o governo do Presidente Faustin-Archange Touadéra, com operativos russos e do Grupo Wagner a ocuparem os cargos de guarda presidencial, conselheiros de segurança nacional e conselheiros superiores nos ministérios das finanças e das alfândegas. A Rússia interferiu fortemente nas eleições de 2020 e está a trabalhar para manter Touadéra no poder para além dos limites do seu mandato. Enquanto extraíam os diamantes e o ouro do país, os combatentes do Grupo Wagner foram acusados de massacres, torturas, violações e outras violações de direitos humanos contra civis.
  • Líbia: A Rússia enviou mercenários do Grupo Wagner, lançou ataques aéreos e desencadeou um enorme esforço de desinformação para apoiar a tentativa de Khalifa Haftar de se instalar como o novo homem forte do país.
  • Mali: No meio de campanhas de desinformação altamente organizadas que promovem a junta militar e denigrem a eficácia da democracia, pelo menos 1.000 combatentes do Grupo Wagner foram destacados e são acusados por organismos internacionais de cometerem atrocidades e violações de direitos humanos contra civis.
  • Sudão: A Rússia enviou combatentes do Grupo Wagner para o Sudão no final de 2017 para apoiar o ditador Omar al-Bashir. Após a sua destituição, a Rússia fez descarrilar a transição democrática planeada e apoiou o golpe militar liderado pelo General Abdel Fattah al-Burhan em 2021.

A Rússia também apoiou extensões extraconstitucionais de poder no Burundi, na República Democrática do Congo, na República do Congo e no Ruanda.

O relatório do ACSS concluiu que 11 dos 23 países africanos onde a Rússia está a trabalhar para minar a democracia estão em conflito.

Voltando à junta do Níger, Lourenço observou que o golpe não surgiu das necessidades do povo nigerino. Tratou-se de uma tomada de poder oportunista numa região conhecida pela instabilidade, o que explica a presença crescente da Rússia no Sahel.

“O que é mais preocupante em todos os golpes de Estado a que temos assistido nos últimos três anos é o facto de não se tratar de revoltas populares,” afirmou numa entrevista de 31 de Julho à Al Jazeera TV.

“Eles não estão realmente à procura de um futuro melhor.”

No seu livro, “A Rússia em África: Grande Potência Emergente ou Belicoso Fingido?” Samuel Ramani cita os inquéritos anuais da Pew Research Global Attitudes em África, que concluíram que a Rússia e Putin são extremamente impopulares, com índices de favorabilidade que raramente ultrapassam os 33% dos africanos.

Siegle diz que a impopularidade da Rússia significa que a sua estratégia para contrariar a democracia só pode ser executada com a ajuda dos que estão no poder.

“Baseia-se no conluio das elites. Entretanto, gera um profundo ressentimento em relação a Moscovo por parte dos africanos que aspiram à liberdade,” escreveu.

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