CAPITÃO TAHIR NGADA, MARINHA NIGERIANA
Aimportância do Golfo da Guiné para África e para o mundo em geral não pode ser sobrestimada. Com 6.000 quilómetros de costa que tocam 19 Estados litorais, do Senegal a Angola, o golfo é rico em recursos naturais e estrategicamente importante.
É um corredor vital para o comércio, onde o volume de transporte marítimo aumentou em 59%, entre 2006 e 2020, de acordo com as estatísticas da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Também possui recursos energéticos, produzindo 3,1 milhões de barris de petróleo bruto por dia, ou seja, cerca de 3,8% do total mundial. É rica em vida aquática, com pescas que produziram cerca de 3,4 milhões de toneladas métricas de marisco em 2020, um aumento de quase 10% em relação a 2013.
Apesar disso, a região enfrenta ameaças que podem minar o seu potencial. O tráfico ilícito, a pesca ilegal e a pirataria têm assolado certas zonas. E, historicamente, os países têm-se esforçado por partilhar informações, trocar conhecimentos e cooperar em todo o domínio marítimo. Os maus actores procuraram pontos fracos e exploraram-nos.
Em Junho de 2013, os países da região tentaram rectificar esta situação com o Código de Conduta de Yaoundé, uma resposta abrangente à necessidade de abordagens unificadas para combater os desafios da segurança marítima e o crime organizado transnacional no golfo. O código, que consiste em 21 artigos e foi assinado por 25 nações, estabeleceu uma arquitectura para a colaboração multinacional, regional e extra-regional na governação marítima. No momento em que o Código de Yaoundé comemora o seu 10.º aniversário, é a altura ideal para destacar algumas realizações notáveis e potenciais áreas de acção que podem melhorar a cooperação e ajudar o código a cumprir a sua grande promessa.
Reforma Jurídica
Os signatários de Yaoundé reconheceram que as leis marítimas estavam, muitas vezes, desactualizadas e eram inadequadas para fazer face à evolução das ameaças. A Arquitectura de Yaoundé destinava-se a apoiar os países na implementação de reformas jurídicas. Por exemplo, o Programa Global contra o Crime Marítimo, do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), tem trabalhado com as nações para examinar as leis, identificar as actualizações necessárias e apoiar as mudanças que permitem o “acabamento legal,” uma expressão que se refere à passagem dos casos desde a detenção até ao sistema judicial para uma acusação bem-sucedida.
Cabo Verde, Libéria, Nigéria, Senegal e Togo têm agora leis marítimas para processar a pirataria, um crime que, muitas vezes, fica impune devido à inexistência de leis. Novas leis foram usadas para processar piratas na Nigéria e no Togo. Outros países, como o Benim, a Costa do Marfim e o Gana, estão a adoptar reformas. Em Dezembro de 2022, os Camarões assinaram a sua lei de segurança marítima, que visa a pirataria e o terrorismo marítimo. Outros países, como Angola, a República do Congo, a República Democrática do Congo e o Gabão, estão a tentar melhorar as reformas do direito marítimo. Outra reforma importante é o Acto Suplementar da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental para a transferência de suspeitos de pirataria, que facilitará as operações multinacionais de segurança marítima.
Intercâmbio de Informações
Antes de 2013, as lacunas na partilha de informações entre os profissionais da aplicação do direito marítimo constituíam um problema fundamental. Os países tinham uma visão limitada do domínio marítimo e, muitas vezes, não tinham conhecimento das actividades fora das suas zonas económicas exclusivas. As condições melhoraram consideravelmente, permitindo aos Estados-membros trocar informações. Isto é apoiado pela Arquitectura de Yaoundé, que permite que a informação flua dos centros de coordenação zonal em cada uma das cinco zonas de cooperação até aos centros regionais (o Centro Regional de Segurança Marítima para a África Central de Pointe-Noire, República do Congo, e o Centro Regional de Segurança Marítima da África Ocidental em Abidjan, Costa do Marfim, e depois para o Centro de Coordenação Inter-regional de Yaoundé. Os centros de operações marítimas nacionais individuais também estão ligados ao sistema.
O Sistema de Informação Regional da Arquitectura de Yaoundé (YARIS), uma ferramenta de monitorização digital segura, desenvolvida através de parcerias com a Rede Inter-regional do Golfo da Guiné, da União Europeia, reforçou a capacidade de troca de informações sem descontinuidades. Tornou-se operacional em 2020. O YARIS permite aos membros partilhar de forma segura documentação, registos, fotografias, gravações e outras informações. Também permite aos utilizadores agregar dados de sistemas de vigilância, como radares e satélites, para identificar embarcações suspeitas. Além disso, o sistema oferece comunicação segura através de chat, correio electrónico e videoconferência para que os utilizadores possam trocar informações e coordenar acções.
A Arquitectura de Yaoundé apela ao desenvolvimento e melhoria das competências, conhecimentos e capacidades dos profissionais da aplicação do direito marítimo. Os centros de excelência aceleraram a formação e o ensino e apoiaram os exercícios, ministrando cursos adaptados às necessidades identificadas. Em 2022, por exemplo, a Organização de Formação da Arquitectura de Yaoundé ministrou mais de 520 dias cumulativos de pacotes de reforço de capacidades em todo o golfo, abrangendo tópicos como o conhecimento do domínio marítimo (25% dos dias de formação), a governação marítima (12%), a aplicação do direito marítimo (35%) e as operações de interdição marítima (28%). O empenho crescente nas iniciativas de reforço das capacidades está a transformar as atitudes e o desempenho profissional dos beneficiários. Numa tentativa de aprofundar a coordenação do reforço das capacidades, o UNODC está a apoiar o Centro de Coordenação Inter-Regional com um sistema integrado de gestão de bases de dados. O objectivo é garantir a disponibilidade, acessibilidade, exactidão, coerência e clareza dos dados.
Operações Combinadas
As operações combinadas no mar, outrora pouco frequentes, têm vindo a aumentar com o apoio dos centros da Arquitectura de Yaoundé. Por exemplo, utilizando os instrumentos da arquitectura, foram realizadas patrulhas combinadas na Zona E no final de 2021. Os Camarões, São Tomé e Príncipe, a Guiné Equatorial e o Gabão realizaram outras patrulhas de vigilância na Zona D. Outro modelo de operação combinada é a patrulha de pesca com a comissão sub-regional de pesca de Cabo Verde, Gâmbia, Guiné e Senegal, que é realizada semestralmente. A interoperabilidade está a melhorar com a ajuda de exercícios multinacionais como o Obangame Express e o Grand African NEMO, juntamente com eventos regionais como a Conferência Marítima Internacional e o Exercício Marítimo Regional, que foi organizado pela Nigéria em 2022.
A Arquitectura de Yaoundé não só estimulou debates importantes sobre a melhoria da protecção do transporte marítimo, como também proporcionou plataformas de acção. No entanto, alguns domínios requerem atenção para reforçar a cooperação à medida que o código entra na sua próxima década.
Domesticação do Código de Conduta de Yaoundé: a Arquitectura de Yaoundé pode ser adoptada pelos Estados-membros para que os seus requisitos sejam integrados nos quadros nacionais de aplicação do direito marítimo. Esta integração aprofundaria a harmonização das estratégias marítimas, reforçaria a interoperabilidade regional e reforçaria as respostas.
Reforçar a capacidade institucional: muito tem sido feito para reforçar a capacidade institucional da aplicação do direito marítimo. No entanto, as metodologias e as ferramentas devem ser melhoradas para ajudar os Estados-membros nos seus esforços para garantir a protecção do transporte marítimo.
Criminalizar todos os crimes marítimos: apesar dos progressos registados na criminalização de algumas infracções marítimas, como a pirataria, há ainda muito trabalho a fazer para reforçar o estabelecimento da jurisdição universal, através da codificação interna das leis relativas à pirataria, a fim de processar e punir o crime em todo o golfo. Do mesmo modo, é necessário criminalizar acções como o assalto à mão armada no mar, ao abrigo da legislação penal nacional, em conformidade com o quadro jurídico da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e outros estatutos internacionais relevantes. Outros crimes marítimos e transnacionais organizados devem ser definidos na legislação pertinente, com sanções adequadas. O objectivo é garantir que haja uma ligação “de ponta a ponta” entre as operações de interdição marítima e a acção penal.
Formalização dos acordos de embarque: o artigo 9.º do Código de Conduta de Yaoundé permite a presença de agentes da autoridade marítima de um país a bordo de um navio de outro país. Esta abordagem coordenada permite que os países efectuem conjuntamente a aplicação do direito marítimo, o que é útil quando alguns países têm capacidades limitadas. O desenvolvimento de acordos de embarque entre parceiros consolidaria ainda mais as relações de trabalho entre os países, com o objectivo de melhorar a colaboração multilateral crítica.
Dotação de recursos para os centros da Arquitectura de Yaoundé: a plena utilização dos centros da Arquitectura de Yaoundé continua por atingir, nomeadamente em termos de recursos humanos e materiais. Para optimizar eficazmente a estrutura de Yaoundé, é necessário articular bem os recursos para aumentar a capacidade operacional dos centros e, ao mesmo tempo, solidificar a cooperação multilateral para uma governação marítima sustentável no golfo.
O Caminho a Seguir
A cooperação multilateral é um instrumento potente para atingir os objectivos da governação marítima do golfo. Há provas de que é eficaz. A pirataria no golfo está a diminuir, com 81 incidentes registados em 2020 e apenas 34 incidentes em 2021. Nos primeiros nove meses de 2022, registaram-se apenas 13 incidentes comunicados, de acordo com o Organized Crime and Corruption Reporting Project. A próxima década do Código de Conduta de Yaoundé deve alargar os resultados alcançados, prestando simultaneamente especial atenção às questões estruturais subjacentes que impedem o sucesso. O golfo é um recurso precioso. As parcerias e a vigilância tornadas possíveis pelo Código de Conduta de Yaoundé e pela arquitectura de segurança por ele criada podem garantir que este recurso se mantenha para benefício das gerações vindouras.
Sobre o Autor: O Capitão Tahir Ngada é um oficial marinheiro no ramo executivo da Marinha Nigeriana. Trabalha como consultor de formação do Programa Global contra a Criminalidade Marítima, do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, e está colocado no Centro de Coordenação Inter-Regional de Yaoundé. Ngada possui uma licenciatura em Química, pela Academia de Defesa da Nigéria, um diploma em segurança nacional, pela Escola de Guerra Naval dos Estados Unidos e um mestrado em relações internacionais, pela Universidade Salve Regina em Newport, Rhode Island. Ngada tem também um mestrado em combate ao crime organizado e ao terrorismo, pela University College London.
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