Moroccos Logra Sucessos Na Reabilitação De Prisioneiros

O Programa Moussalaha de Três Etapas Ajuda os Extremistas a Repensarem os Seus Pontos de Vista e a Reintegrarem-se na Sociedade

EQUIPA DA ADF  |  Fotos de AFP/GETTY IMAGES

Marrocos é um lugar improvável para a reabilitação de extremistas presos. O Índice Global de Terrorismo de 2022 classifica Marrocos em 76.º lugar entre os países afectados por ameaças terroristas, tornando-o um dos países mais seguros de África.

Um ataque terrorista em Casablanca, em 2003, no qual 45 pessoas foram mortas, galvanizou o país contra os extremistas. Após o ataque, que consistiu em cinco atentados bombistas quase simultâneos, o país reforçou as suas fronteiras e acrescentou novas leis ao seu quadro jurídico antiterrorista, incluindo o alargamento da definição de terrorismo para incluir o incitamento.

O índice de terrorismo de 2022 observou que “apesar de mais de 1.000 cidadãos marroquinos se terem juntado ao Estado Islâmico e a outros grupos terroristas em zonas de guerra, o país desmantelou mais de 200 células terroristas e fez mais de 3.500 detenções relacionadas com o terrorismo nas últimas duas décadas, evitando assim possivelmente mais de 300 acções terroristas planeadas.”

Desde os atentados de Casablanca, o Marrocos tem trabalhado para combater os grupos radicais. O Fundo Carnegie para a Paz Internacional informou que, entre 2002 e 2018, as autoridades prenderam mais de 3.000 alegados extremistas, com 186 células terroristas desmanteladas, incluindo 65 células ligadas ao grupo Estado Islâmico.

Um guarda prisional transporta chaves e algemas em Kenitra, Marrocos.

Apesar da actual segurança do país, este implementou um programa que compreende três partes para reabilitar os extremistas presos. O programa chama-se “Moussalaha,” que significa reconciliação em árabe. O programa oferece aos extremistas presos ajuda mental e social para os reabilitar e os reintegrar na sociedade, incluindo a procura de emprego e a criação de agregados familiares.

O programa foi lançado em 2017 e é liderado pela Direcção de Administração Penitenciária e pelo Serviço de Reinserção de Marrocos, com várias organizações parceiras, incluindo a Liga dos Académicos de Mohammedia e o Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Desde então, o programa começou a permitir a participação de mulheres.

O especialista em antiterrorismo, Ido Levy, foi citado no Morocco World News como tendo elogiado a “abordagem científica” do país para combater o terrorismo e o extremismo através da reeducação religiosa, sessões de formação profissional e o que alguns especialistas associados ao programa descrevem como “imunização espiritual” para a segurança.

O objectivo é fazer com que os prisioneiros extremistas comecem a questionar as suas próprias crenças. O programa de três meses baseia-se em três pilares principais: reconciliação consigo próprio, com o texto religioso e com a sociedade.

De acordo com alguns participantes, os três pilares significam “renunciar à violência, aceitar interpretações pluralistas dos textos religiosos e reconhecer a legitimidade do regime,” informou o Instituto Carnegie. “O aparente sucesso da primeira coorte em Julho de 2017 — vários participantes viram as suas penas de prisão encurtadas ou até receberam um perdão real — encorajou dezenas de antigos jihadistas a juntarem-se a esta iniciativa na esperança de saírem da prisão.”

Um guarda tranca o portão de uma prisão em Kenitra, Marrocos, onde os reclusos podem participar no programa de reabilitação Moussalaha.

DETIDO APÓS ATENTADO DE 2003

A história de Mohamed Damir, um antigo extremista marroquino de 49 anos e pai de três filhos, ilustra a forma como o programa se destina a funcionar, de acordo com uma reportagem do The Africa Report.

Após o atentado de Casablanca, em 2003, Damir foi preso por associação a grupos extremistas. Foi condenado à morte, apesar de não ter participado no atentado. Tinha 26 anos na altura. A sua pena de morte foi posteriormente comutada para 30 anos de prisão.

O que chamou a atenção sobre Damir foi o seu hábito de visitar grupos desarmados e mesquitas onde extremistas faziam discursos inflamados. Actualmente, atribui a culpa da sua radicalização à “falta de maturidade aliada à falta de formação científica e cultural.”

“Os seus primeiros anos na prisão reforçaram a sua radicalização; continuou a aprender passagens do Corão de cor, sem tentar contextualizá-las ou interpretá-las,” escreveram os autores. “Depois veio a solidão e a dúvida. Sozinho consigo mesmo, Damir começou a questionar os dogmas que tinha memorizado mecanicamente e tomou medidas para estudar à distância.”

Começou a mudar a sua vida, estudando direito internacional, mas como estava preso, não podia frequentar as aulas. No entanto, tornou-se um estudante empenhado e passou a estudar sociologia, psicologia e teologia. Ele disse ao The Africa Report que leu mais de 1.500 livros em três línguas durante o tempo que passou na prisão.

Tornou-se candidato ao programa Moussalaha, que consistia num extenso currículo de reabilitação económica e social. Foi-lhe igualmente atribuído um projecto individual personalizado para se tornar independente e aprender a gerir uma casa.

Após a conclusão do programa, foi liberto da prisão depois de ter cumprido 15 anos. Como condição para a sua libertação, concordou em fazer aconselhamento pessoal. Ele disse que, tal como quase todos os reclusos libertos no programa, encontrou “um caminho para a paz.”

“Este é um sucesso inegável, distante das controvérsias levantadas na Europa pelos programas de desradicalização,” disse ele, de acordo com o artigo do The Africa Report.

Um homem preso em Marrocos há 19 anos senta-se numa biblioteca da prisão, onde está a participar no programa nacional de reabilitação Moussalaha.

FORMAÇÃO DE IMAMES

Parte do mérito do sucesso do programa deve-se ao rei marroquino Mohammed VI, que tem autoridade especial no seu país como “Comandante dos Fiéis,” no desenvolvimento de diálogos para lidar com os extremistas. 

Juntamente com os seus parceiros da África Ocidental e do Sahel, o rei criou o currículo Moussalaha para a formação de imames no Instituto Mohammed VI. O instituto é invulgar como centro de ensino muçulmano pelo facto de aceitar mulheres como alunas.

O jornal Maghreb Arab Press informou que a criação de um programa deste tipo para terroristas condenados “tem um forte impacto social, testemunhando o interesse particular que o Rei dá ao futuro dos cidadãos encarcerados.”

O programa, sublinha o jornal, ilustra a “firme determinação do Rei em assegurar aos condenados, sem qualquer discriminação ou excepção, uma adequada integração sócio-profissional após a sua libertação.”

O director geral da administração penitenciária e da reintegração, Mohamed Salah Tamek, declarou ao Morocco World News que o programa se baseia “nos preceitos autênticos do Islão, como religião da moderação, do meio-termo, da abertura e da tolerância.”

“Este é um programa único a nível global, especialmente porque tem sido elogiado por muitos parceiros regionais e internacionais,” disse Tamek.

Damir disse ao Arab Weekly que a sua reeducação incluiu a leitura das obras dos filósofos Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, algumas das quais “não estão longe do espírito do Islão.” Ele observou que muitos extremistas só se apercebem de que devem abandonar as suas opiniões violentas “quando se encontram sozinhos” numa cela de prisão.

Cidadãos protestam contra os bombardeamentos terroristas em Casablanca, Marrocos, em 2003. Os atentados levaram a uma reacção nacional esmagadora contra o extremismo.

À PROCURA DE EMPREGO

Um ex-prisioneiro chamado Abdellah El Youssoufi, que está agora na casa dos 30 anos, saiu do Marrocos para a Tunísia em 2011 à procura de emprego, de acordo com o The Africa Report.

Na Tunísia, foi influenciado pela pregação de muçulmanos fundamentalistas, que, segundo ele, não eram incomodados pelas autoridades locais. Segundo ele, os fundamentalistas ofereceram-lhe um emprego e encorajaram-no a falar. Tornou-se um crítico declarado do seu país natal, culpando-o pela sua pobreza e pela sua falta de perspectivas profissionais.

Um vídeo com uma das suas críticas chegou ao conhecimento das autoridades marroquinas, que contactaram os seus homólogos tunisinos. El Youssoufi diz que foi detido e interrogado na Tunísia durante 10 dias antes de ser enviado de volta para Marrocos, onde foi condenado a três anos de prisão, em 2014.

O seu encarceramento, disse aos jornalistas, obrigou-o a rever a sua vida e a reflectir sobre o que tinha aprendido durante os seus anos no movimento extremista. Viu “os limites das respostas dadas por estes movimentos aos problemas políticos e sociais dos nossos países, bem como as suas contradições com o Islão e a mensagem do nosso Profeta.”

El Youssoufi participou no programa Moussalaha e, tal como Damir, descreveu-o como um processo de maturação.

“O Moussalaha foi uma chance e uma oportunidade de ouro para eu começar uma nova vida, de forma saudável e equilibrada,” disse ele. “Mas foi precedido de um longo trabalho de autoquestionamento, um esforço pessoal para virar a página deste período que é, para mim, um fracasso a todos os níveis.”

A sua história também tem um final feliz: agora tem uma licenciatura em informática.  


Grupos Elaboram Directrizes Para Desradicalização

Um fórum de dois dias, realizado em 2010, produziu um guia de “boas práticas” para os países utilizarem na elaboração de programas de desradicalização de antigos extremistas.

As directrizes resultam do trabalho do Instituto Internacional da Paz, do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Noruega e do Fórum do Pensamento Árabe. O guia “A New Approach? Deradicalization Programs and Counterterrorism (Uma Nova Abordagem? Programas de Desradicalização e de Combate ao Terrorismo),” baseou-se em programas de oito países de maioria muçulmana. As directrizes incluem:

Não considerar a desradicalização como uma panaceia. Embora os programas militares e outros programas “duros” de combate ao terrorismo não sejam uma resposta por si só, os programas de desradicalização também não o são. A desradicalização é, muitas vezes, descrita como apenas uma parte de uma abordagem holística de combate ao terrorismo; terá apenas um sucesso limitado se for utilizada isoladamente.

Prestar atenção ao contexto. O que é adequado e bem-sucedido num contexto pode não ser adequado noutro. O período de tempo também pode ser significativo: os projectos de desradicalização que falham ou são rejeitados em algumas circunstâncias podem ser adoptados com sucesso noutros tempos e lugares.

Incorporar nos programas melhores cuidados posteriores. Os programas mais bem-sucedidos incluem acompanhamento ou monitorização. Isso inclui contactos frequentes com os tutores do programa e lembretes diários por mensagem de texto para não voltar aos hábitos radicais, bem como aconselhamento e apoio.

Melhorar o controlo dos potenciais beneficiários. A reincidência é um problema persistente mesmo para criminosos não envolvidos no terrorismo. Uma melhor avaliação dos potenciais beneficiários e melhores cuidados posteriores ajudam a reduzir as taxas de reincidência.

Conceber e melhorar as formas de medir o sucesso. Um problema recorrente da desradicalização do terrorismo é medir e quantificar os êxitos e os fracassos dos programas. É difícil comparar programas, mas é importante compreender as razões do sucesso e do fracasso.

Personalizar a abordagem. É importante adaptar a política prisional à situação corrente para avaliar se os reclusos devem ser isolados ou autorizados a misturar-se uns com os outros e com os dirigentes. Este facto reforça o argumento de que os potenciais beneficiários da desradicalização devem ser examinados caso a caso.

Envolver as comunidades afectadas pela radicalização. Se a comunidade não aceitar que os indivíduos desradicalizados já não são uma ameaça, os programas falharão e não terão credibilidade. Da mesma forma, pessoas desradicalizadas com sucesso podem ser usadas em programas com grande efeito.

Utilizar os incentivos com cuidado. Muitos programas de desradicalização beneficiam do facto de aliciarem as pessoas a abandonarem o terrorismo através de incentivos que podem ajudar a estabilizar as suas vidas. Estes incentivos podem ser financeiros e medidas como a redução da pena de prisão. Mas os incentivos podem falhar quando as sociedades os vêem como formas de “recompensar” os criminosos.

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