Anos de Tensões Entre Generais Provocam Violência em Todo o Sudão

EQUIPA DA ADF

O acto de esfregar dois objectos um no outro durante muito tempo acabará por produzir calor suficiente para iniciar um incêndio. É o caso da violência que eclodiu a 15 de Abril, após anos de fricção política e pessoal entre os líderes militares rivais do Sudão.

Os combates que começaram em Cartum rapidamente se alastraram para outros locais do país. A violência resultou de anos de conflito entre as Forças Armadas do Sudão (SAF), leais ao general Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), o ramo paramilitar liderado pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido por Hemedti.

Os analistas receiam que o conflito entre os dois homens fortes se prolongue por meses e possa mesmo envolver os países vizinhos.

“Em quase todos os países vizinhos, há um apoiante de al-Burhan e um apoiante de Hemedti,” Jonas Horner, investigador independente do Sudão, disse à Al-Jazeera. “Por isso, se o conflito se inclinar contra um deles, poderemos ver amigos a ajudar o lado perdedor.”

Já correm notícias de que o Egipto está a ajudar al-Burhan e que o general Khalifa Haftar, do leste da Líbia, está a enviar apoio a Hemedti.

A população civil do Sudão — que, desde a queda do ex-ditador Omar al-Bashir, em 2019, passou anos a apelar à democracia — encontra-se presa entre os dois líderes militares com fogo de artilharia pesada a cair à sua volta. A planeada transição para um governo civil continua incerta.

“Muitos de nós estávamos a explicar como é que [o processo político] poderia correr mal, e correu,”  Kholood Khair, fundador do grupo de reflexão Confluence Advisory, em Cartum, disse à New Lines Magazine.

Al-Burhan e Hemedti foram parceiros no derrube de al-Bashir e também no golpe de Outubro de 2021 que interrompeu a transição planeada para o regime civil. O golpe custou ao Sudão bilhões em ajuda internacional e colocou a economia do país numa espiral negativa.

Hemedti acabou por classificar publicamente o golpe como um fracasso e afirmou que os militares deviam regressar aos quartéis.

Na esperança de manter o país a funcionar, al-Burhan reinstalou membros do Partido do Congresso Nacional (NCP), de al-Bashir, para dirigir o governo e colocou outros membros em posições de topo nas forças armadas. Muitos desses membros do NCP desprezavam Hemedti por ter participado no golpe de 2019 e receavam que o crescimento das RSF pudesse pôr em risco a autoridade das SAF.

Mesmo quando cooperavam no golpe, al-Burhan e Hemedti disputavam a atenção de apoiantes internacionais, incluindo Estados do Médio Oriente e o Grupo Wagner da Rússia, que tem uma base de apoio no Sudão desde 2017.

Hemedti e o Grupo Wagner trabalharam juntos para dominar a extracção de ouro nas regiões ocidentais do Sudão — uma parceria que tornou Hemedti extremamente rico e ajudou a Rússia a contornar as sanções internacionais para financiar a sua invasão à Ucrânia. Hemedti visitou Moscovo pouco antes da invasão à Ucrânia.

Como chefe das SAF, al-Burhan tem acesso à vasta rede de empresas militares que estão profundamente integradas na economia do país.

Al-Burhan e Hemedti são rivais desde que al-Bashir recrutou a então milícia Janjaweed para reprimir as rebeliões na região de Darfur. Em 2013, al-Bashir converteu a Janjaweed na organização paramilitar RSF, dirigida por Hemedti. A missão das RSF era proteger o governo de al-Bashir contra golpes de Estado, embora também se destinasse a subordinar-se às SAF quando necessário.

Al-Bashir obrigou os grupos rivais a trabalharem em conjunto. Essa situação começou a desmoronar-se quando al-Bashir foi deposto e ambas as partes viram uma oportunidade de tomar o poder.

A violência entre as SAF e as RSF eclodiu numa altura em que o país se aproximava de um acordo pós-golpe para colocar o governo nas mãos de civis. Parte desse acordo previa a integração das RSF nas SAF. Al-Burhan queria que a transição se efectuasse em dois anos. Hemedti queria que a transição se efectuasse em 10 anos.

Os defensores da democracia afirmam que nenhum dos líderes militares tinha planeado ceder o poder.

“Os acontecimentos em curso são o plano dos partidários do antigo regime, com o objectivo de destruir o processo político,” as Forças de Liberdade e Mudança, uma coligação de partidos pró-democracia, disseram num comunicado, pouco antes do início dos combates entre as SAF e as RSF.

Em vez disso, al-Burhan e Hemedti parecem determinados a destruir-se mutuamente — mesmo que isso signifique deixar o seu país em ruínas, dizem os analistas.

“A escrita estava na parede,” disse Khair à New Lines Magazine. “Agora está escrita com sangue.”

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