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China exporta o seumodelo de “partido-exército” como uma forma de controlo político
EQUIPA DA ADF
O interesse e o envolvimento da China em África incluem tudo, desde o estabelecimento de mercados económicos até à negociação de projectos de infra-estrutura lucrativos, avaliados em bilhões de dólares.
O país comunista também é conhecido por aquilo que leva do continente. A frota de pesca em águas longínquas da China saqueia as águas africanas. O Exército de Libertação Popular (PLA) procura expandir a sua presença naval — já estabelecida na África Oriental — para a Costa da África Ocidental, uma acção que pode proteger os seus interesses pesqueiros naquele ponto.
Um esforço chinês menos conhecido, contudo, procura moldar a própria estrutura de como os exércitos africanos operam e se relacionam com o governo civil. Um país conhecido pelas suas exportações agora está a enviar mais do que apenas produtos têxteis e electrónicos para o continente: a China está a alastrar o seu modelo militar “partido-exército,” que fez com que o exército fosse devoto ao partido no poder, não ao governo nem ao seu povo.
“Obviamente, o modelo chinês de partido-exército é atractivo para alguns partidos africanos no poder bem como para líderes militares que abraçam a ideia de redefinir o papel do exército como uma garantia da sobrevivência do partido no poder,” escreveu o investigador associado, Paul Nantulya, para o Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS). “Também pretende reforçar redes de elite e hierarquias, que é uma grande característica das relações políticas da China e, muitas vezes, substituem os procedimentos institucionais e constitucionais.”
EM QUE CONSISTE O MODELO DE ‘PARTIDO-EXÉRCITO’?
No seu livro, “Problemas da Guerra e Estratégia,” o líder comunista chinês, Mao Zedong, escreveu, “O nosso Princípio é que o Partido comanda a arma e a arma nunca deve ser autorizada a comandar o Partido.” O resultado é um PLA que existe em primeiríssimo lugar para proteger e sustentar o Partido Comunista Chinês (PCC), servindo como seu “braço armado.”
A Comissão Militar Central (CMC) do PCC é presidida pelo presidente chinês, Xi Jinping, e é o organismo principal de tomada de decisões militares naquele país, de acordo com “Exército e Desenvolvimentos de Segurança da República Popular da China 2020,” um relatório anual do Congresso dos Estados Unidos.
A CMC possui controlo operacional do exército e deve dependência ao Politburo, a mais alta autoridade do partido, escreveu Nantulya, no seu artigo de Julho de 2020, para o ACSS, intitulado “China Promove o Seu Modelo Partido-Exército em África.” A CMC é superior em relação ao Ministério da Defesa, que age como um consultor. O Departamento de Trabalhos Políticos utiliza uma rede de “comissários políticos” para doutrinar os membros do exército.
“O que emerge deste modelo é o que os líderes da China chamam de partido-exército, cujo dever primário é a sobrevivência do partido no poder,” escreveu Nantulya.
CONSTRUÇÃO DO MODELO EM ÁFRICA
A China forneceu formação a vários países da África Austral durante o seu período da luta de libertação. Contudo, tal formação não terminou quando a independência foi alcançada. Nantulya escreveu que a China agora treina alguns militares africanos em três níveis, dentro do seu sistema de formação militar profissional (FMP). A maior parte dos formandos africanos encontra-se nos primeiros dois níveis:
As academias regionais treinam cadetes e oficiais subalternos.
Os colégios de comandos e Estado-maior das agências de serviço do PLA trabalham com oficiais na fase intermédia da carreira.
Os oficiais africanos representam aproximadamente 60% dos cerca de 300 oficiais estrangeiros admitidos para as principais instituições de FMP da China. A maior parte dos participantes vem de países em vias de desenvolvimento.
“Os oficiais africanos também participam em escolas políticas do PLA que fornecem a formação sobre os mecanismos que o partido no poder da China utiliza para exercer controlo sobre o exército, incluindo através do sistema de comissários políticos,” escreveu Nantulya.
Os comissários geralmente desempenham várias funções no PLA, desde a sua criação em 1928, de acordo com “Comissários Políticos e Comandantes da China: Tendências e Dinâmicas,” um documento de 2005, escrito por Srikanth Kondapalli, para o Instituto de Defesa e Estudos Estratégicos de Singapura. Entre as suas funções, destacam-se:
- Supervisionar as unidades militares.
- Garantir a lealdade das tropas para o governo do PCC.
- Avançar as políticas do PCC.
- Supervisionar assuntos civis como educação e assuntos pessoais.
- Reforçar o moral das tropas e entretenimento.
- Estudar atentamente a forma de pensar do pessoal, avaliando a sua conduta em relação às regras e melhorar a sua consciência.
- Supervisionar as relações do exército com o público.
“Em termos gerais, o comandante militar tem a tarefa de implementar os objectivos políticos do Partido Comunista Chinês (PCC) e do Estado — a República Popular da China (RPC) — enquanto o comissário político tem a tarefa de implementar os objectivos políticos do PCC no PLA,” de acordo com Kondapalli. “Enquanto o comandante tem a função de realizar questões de combate militar e direcção das tropas em tempos de guerra e de paz, evolução e melhoria de capacidades de combate necessárias, a instituição dos comissários políticos é voltada para disseminar a perspectiva do PCC no PLA e lutar para manter o ‘controlo absoluto do partido sobre o exército.’”
Um relatório de Julho de 2020, feito pelo USNI News, um serviço de notícias do Instituto Naval dos Estados Unidos, indica que comissários políticos a bordo de embarcações navais chinesas podem estar a contribuir para “acções de confrontação ou irracionais” quando se encontram com outras forças no mar. Este arranjo leva a uma partilha de autoridade em relação ao comando e controlo e contradiz o ponto de vista mais tradicional da cadeia de comando.
ZIMBABWE RECORRE AO LESTE
O presidente de longa data do Zimbabwe, Robert Mugabe, começou a fortalecer os laços económicos com a China, no início da década de 2000, quando o seu conturbado país viu-se privado de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de outras fontes do ocidente. Em resposta, Mugabe estabeleceu a política “Virar-se Para o Leste,” que utilizou “para responder ao rótulo de pária, criando um outro local em que podia exercer a sua influência política estrangeira,” de acordo com um artigo de 2013, publicado na revista World Politics Review.
Mugabe assinou acordos comerciais e políticos com a China como uma alternativa aos parceiros relutantes ocidentais, que tinham criticado as eleições fraudulentas e o registo flagrante de violação de direitos humanos no Zimbabwe. Mugabe e a sua União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF) consideram os países e as organizações do ocidente como sendo neocoloniais. Tal caracterização caiu bem nas mãos da China, numa altura em que aquele país cada vez mais procurava estabelecer-se como uma potência estrangeira dominante presente no continente. Recentemente, a China celebrou acordos de concessão mineira lucrativos, assinou acordos de infra-estruturas baseados em empréstimos e explorou as unidades populacionais de peixe de África através de pesca predatória.
O Zimbabwe, talvez muito mais ou menos que qualquer outro país africano, partilhou o ponto de vista das estruturas militares da China como uma salvaguarda para o partido no poder no país. De facto, o próprio Mugabe, em 2017, foi citado como tendo dito que “a política sempre deve liderar a arma e não a arma a política,” um comentário que se assemelha à famosa citação de Mao.
Ironicamente, nesse mesmo ano, Mugabe encontrou-se cercado pelo seu próprio exército tão devoto ao ZANU-PF.
No dia 14 de Novembro de 2017, tanques começaram a convergir para a capital, Harare, um dia depois de o então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Constantino Chiwenga, ter falado contra Mugabe por ter exonerado o vice-presidente, Emmerson Mnangagwa, que era considerado um rival à sucessão da esposa de Mugabe, Grace, de acordo com uma reportagem do Mail & Guardian, um jornal sul-africano. Na divisão do partido, Mugabe ficou do lado da facção que apoiava a sua esposa.
No dia seguinte, o exército controlava as ruas da capital, e Mugabe estava sob aquilo que ele caracterizou de prisão domiciliar. No dia 18 de Novembro de 2017, protestantes tinham enchido as ruas, juntando-se ao apelo do exército para que Mugabe, que tinha 93 anos de idade, renunciasse. Três dias depois, Mugabe fez exactamente isso, fazendo com que os procedimentos da destituição chegassem a um fim.
O vice-presidente deposto, Mnangagwa, foi investido como presidente em vez de Phelekezela Mphoko, um apoiante de Grace Mugabe e vice-presidente na altura.
Apenas alguns dias antes do golpe, Chiwenga estava na China a reunir-se com oficiais militares seniores chineses. Não houve provas do envolvimento chinês no golpe, mas alguns especularam que Chiwenga pode ter procurado uma subtil bênção para a deposição de Mugabe.
“Chiwenga era mais do que um chefe militar,” escreveu Nantulya. “Ele já chegou a dirigir o Comissariado Político do ZANU-PF. Assim como outros oficiais seniores zimbabwianos e as suas contrapartes chinesas, ele estava profundamente ligado aos trabalhos do partido.” No mês depois do golpe de Estado, Chiwenga foi investido como vice-presidente.
AS FRAQUEZAS DO MODELO
Mesmo na China, o modelo partido-exército não esteve isento de problemas. O PLA experimentou sectarismo, corrupção e patronagem política. A aproximação do partido e do exército permite que os problemas políticos proliferem no exército.
À medida que o exército da China se tornava mais politizado, Xi, que também serve como secretário-geral do Partido Comunista Chinês, aproveitou a oportunidade. Sob o disfarce de combate à corrupção, ele demitiu mais de 100.000 funcionários do partido e mais de 100 funcionários seniores.
Mesmo assim, os oficiais militares seniores chineses continuam comprometidos com o modelo partido-exército, escreveu Nantulya.
A adopção do modelo pelo Zimbabwe parece ter feito com que a intervenção militar numa querela interna do partido fosse inevitável. Conforme disse Chiwenga, num discurso do dia 13 de Novembro de 2017, antes do golpe, as lutas internas deveram-se às “maquinações de contra-revolucionários que se infiltraram no partido, cuja agenda é destruí-lo por dentro,” enviando o país para submeter-se ao domínio estrangeiro.
A história está repleta de exemplos de como os líderes africanos cooptaram o controlo dos seus exércitos nacionais para apoiar a si próprios e seus partidos no poder em prejuízo do povo. Émile Ouédraogo, um coronel reformado, do exército do Burquina Faso, e professor-adjunto de práticas no ACSS, alerta contra a politização do exército, no seu documento, “Avançando o Profissionalismo Militar em África.” Ele cita exemplos como a morte, em 2005, do Presidente Gnassingbé Eyadéma, no Togo, que levou que o seu filho, Faure Gnassingbé, o substituísse, depois de os generais terem impedido que o líder da Assembleia Nacional assumisse o poder de acordo com a Constituição.
Ouédraogo escreveu no documento “que a maioria dos golpes militares que ocorreram em África foram apoiados por actores políticos concorrentes. Quando estes interesses concorrentes estão dentro do partido no poder, ‘revoluções do palácio,’ em vez de uma interrupção completa da ordem constitucional apresentam a maior probabilidade de ocorrer.” Assim foi o caso três anos depois, no Zimbabwe.
“A consequência de tais relações é um exército que é mais partidário e menos profissional nos olhos da sociedade, diminuindo, desta forma, o respeito pela instituição — algo que é necessário de modo a recrutar soldados comprometidos, disciplinados e talentosos,” escreveu Ouédraogo.
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