Surto Inspira Inovação

Cientistas e Empreendedores Desenvolvem Dispositivos para Atenuar a Pandemia

EQUIPA DA ADF

Àmedida que as economias nacionais começam a reabrir depois dos confinamentos obrigatórios da pandemia, a União Africana recorre a uma nova tecnologia produzida internamente para ajudar as empresas enquanto se efectua o rastreamento do potencial para novos surtos. 

Esta tecnologia é um aplicativo para smartphones, designado PanaBIOS. Permite que os governos façam a monitoria do movimento das pessoas — em particular aquelas que possam ter testado positivo para a COVID-19 — assim como para impedir grandes aglomerados que possam transformar-se em eventos de propagação excessiva.

O uso generalizado de PanaBIOS é crucial para a abertura, em 2021, de uma zona de comércio livre continental planificada pela UA. Esse projecto, que permitirá o movimento de pessoas e bens em todas as fronteiras abertas, precisará de uma forma de rastrear a propagação da COVID-19 e doenças semelhantes.

A Koldchain, uma startup queniana, desenvolveu o aplicativo, e a AfroChampions, uma parceria público-privada, financiou. O aplicativo vem sendo testado em Gana desde Junho de 2020. Aquele país também realizou um pequeno teste de PanaBIOS durante as suas eleições, no início de 2020.

Quintin, o robot, começou a trabalhar com pacientes da COVID-19 na unidade de cuidados intensivos do Hospital de Tygerberg, na Cidade do Cabo, África do Sul, pouco depois do início da pandemia. DAMIEN SCHUMANN/STELLENBOSCH UNIVERSITY

Desde aplicativos para telemóveis a ventiladores e drones, os inovadores africanos e os profissionais de saúde estão a fazer uso de novas tecnologias para combater a COVID-19. Amadores, alguns ainda adolescentes, desenvolveram dispositivos, equipamentos e softwares para lidar com o vírus. Pessoas em todo o continente produziram uma variedade de inovações:

No Ruanda, Wilfred Ndifon, um matemático epidemiologista e director de pesquisas no Instituto Africano de Ciências Matemáticas, reconheceu a carência de kits de testagem da COVID-19 e usou um algoritmo para desenvolver um método rápido, eficaz e barato para realizar testes por lotes para detectar o vírus. 

A inovação de Ndifon, que pode testar até 100 pessoas em simultâneo, foi reconhecida mundialmente.

“Uma vez que a testagem [por lotes] permite que se testem muitas pessoas, é possível ter uma ideia mais clara do seu perfil de dados epidemiológicos,” Leon Mutesa, membro da força-tarefa da COVID-19, do governo do Ruanda, disse ao The Conversation Africa. 

Em termos gerais, as autoridades do Ruanda realizam a testagem por lotes nos mercados, bancos, prisões e outros lugares onde se encontram grandes grupos. “Ajudará também a identificar lugares mais propensos a novas infecções para possibilitar uma resposta rápida por parte dos funcionários do sector de saúde pública,” acrescentou Matesa.

Na África do Sul, os robots gémeos, Quintin e Salma, juntaram-se à unidade de cuidados intensivos (UCI) do Hospital Tygerberg, na Cidade do Cabo. O par providencia videoconferências bilaterais. Imagine um iPad colocado no topo de um poste com rodas.

Uma pesquisadora maliana realiza um teste de COVID-19 no Centro de Pesquisas Clínicas, da Universidade de Bamako. Em todo o continente, a COVID-19 causou um impulso sem precedentes em busca de uma solução científica para a pandemia. AFP/GETTY IMAGES

Os robots permitem que médicos e enfermeiros façam rondas virtuais com pacientes da COVID-19 sem contacto, o que significa poupar o precioso equipamento de protecção individual. Outra coisa de igual importância é que os robots levantam o ânimo dos pacientes em isolamento, com a doença altamente contagiosa, facilitando a sua ligação com os seus familiares. Eles aproximam-se da cama do paciente e facilitam a ligação deste com familiares e amigos, às vezes, durante várias horas.

Os robots juntaram-se à UCI de Tygerberg depois de Coenie Koegelenberg, professor de pulmonologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Stellenbosch, ter procurado por formas através das quais médicos e enfermeiros poderiam fazer rondas virtuais.

No Malawi, Sam Masikini, um estudante de tecnologias de informação, de 23 anos de idade, ouviu sobre um concurso do UNICEF de inventar um aplicativo para telemóvel e usou da sua própria experiência de estudar numa escola de uma aldeia rural. 

“É possível ter cinco aldeias a estudarem na mesma escola,” disse à ADF. “Um único professor ensina 70 alunos. Eu sabia o que tinha de ser feito.”

Em Junho de 2020, Masikini inscreveu-se no Malawi COVID-19 Youth Challenge, promovido pelo UNICEF, um dos quatro concursos patrocinados por aquela organização, visando a resolução de problemas da região. Ele criou o aplicativo para telemóvel que acredita que pode ajudar a vencer os desafios de ensinar as crianças das zonas rurais que, por causa da COVID-19, podem não ter acesso às aulas presenciais.

No dia 14 de Setembro de 2020, o UNICEF, no Malawi, anunciou que Masikini ficou em primeiro lugar dentre 1.717 participantes. Nas últimas semanas, ele tem estado a trabalhar com especialistas e mentores em centros de incubação. Eles desenvolveram o aplicativo e esperam testá-lo com alunos e professores em breve.

Estudantes de engenharia mecânica, da Ecole Supérieure Polytechnique de Dakar, trabalham com o “Dr. Carro,” um robot que pode fazer a avaliação dos sinais vitais dos pacientes com COVID-19. AFP/GETTY IMAGES

O projecto vencedor de Masikini chama-se Inspire, que facilita o e-learning em lugares com acesso limitado à internet e com poucos recursos, tais como smartphones e computadores. Coloca o conteúdo do Ministério da Educação do Malawi numa plataforma de aprendizagem offline acessível através de telemóveis básicos.

Na Etiópia, três jovens e sua empresa, Ewenet Communications, desenvolveram o Debo, um aplicativo de telemóvel para rastreamento de contactos. Porque as pessoas podem propagar a COVID-19, sem apresentarem qualquer sinal de estar doente, a infecção pode propagar-se de forma tão rápida a ponto de superar o convencional rastreamento de contactos.

Com isso em mente, Debo utiliza um “aperto de mão” Bluetooth para comunicar com telemóveis que estejam próximos dali. Isto capta a identidade de qualquer que chega até menos de 2 metros do usuário do telefone como parte da estratégia de rastreamento de contacto caso um deles teste positivo mais tarde. 

A Ewenet também desenvolveu uma página da internet para informar as pessoas sobre a COVID-19 e um sistema de gestão de centro de chamadas para responder às perguntas do público sobre o vírus através do número de telefone do país 8335. 

Com uma estimativa de 14 milhões de usuários de smartphones, a Etiópia dependeu muito da tecnologia móvel na sua campanha para prevenir a propagação da COVID-19. Os telemóveis tocam jingles recordando as pessoas para lavarem as mãos e usarem máscaras faciais. As redes de telefonia móvel oferecem cultos religiosos, permitindo que os fiéis adorem de forma remota.

Inventores estão a desenvolver desinfectante para as mãos, electrónicos, sem contacto, um exemplo para descobrir soluções internas para resolver a problemática da propagação da COVID-19. AFP/GETTY IMAGES

No Senegal, estudantes do Instituto Superior Politécnico (Ecole Supérieure Polytechnique) criaram um robot multifuncional concebido para baixar o risco de que a COVID-19 seja transmitido de paciente para cuidador. O pequeno robot, chamado “Dr. Carro,” pode medir a pressão arterial e a temperatura dos pacientes, reduzindo a exposição directa entre pacientes e profissionais de saúde.

O dispositivo vem equipado com duas câmaras e é controlado de forma remota utilizando um aplicativo. Também pode ser utilizado para fazer a entrega de medicamentos e comida, e os médicos podem usá-lo para comunicar com os pacientes.

A escola é considerada uma das melhores da África Ocidental na área de engenharia e tecnologia. Os seus 4.000 estudantes são provenientes de 28 países.

No Quénia, um aluno de 9 anos de idade, Stephen Wamukota, inventou uma máquina de lavagem das mãos, feita de madeira, para ajudar a reduzir a propagação da COVID-19. Os usuários pisam num pedal para virar o balde de água para poderem lavar as suas mãos, permitindo que evitem tocar nas superfícies. 

A BBC News alistou a estação de lavagem das mãos como uma das 10 melhores inovações africanas para ajudar a lidar com a COVID-19. Mais tarde, ele recebeu um pedido de um hospital local para fazer uma outra estação de lavagem das mãos, que ele vendeu por 33 dólares.

Em Junho de 2020, ele foi o mais novo de 68 pessoas que receberam um prémio presidencial do Presidente Uhuru Kenyatta.

Também no Quénia, um agente de dinheiro móvel, Danson Wanjohi, construiu um dispositivo de madeira que desinfecta notas de dinheiro, que são passadas através de uma abertura na máquina. Ele criou o dispositivo utilizando um motor, um elástico e engrenagens. É concebido para desinfectar todas as notas que são depositadas e levantadas.

Wanjohi disse ao Kenyans.co.ke que o próximo desafio é adquirir financiamento para implementar a produção em massa da sua máquina. 

“O dinheiro é uma das ligações mais fracas na redução da propagação do vírus porque somos obrigados a utilizar dinheiro e nunca se sabe de onde ele vem,” explicou ele. “Apanhar corona é grátis, mas procurar tratamento não é gratuito.”

Durante um confinamento obrigatório pela COVID-19 no Gana, o sapateiro Richard Kwarteng e seu irmão Jude Osei conceberam um lavatório que funciona à base de energia solar. 

Eles criaram o dispositivo dentro de um prazo e tinham menos de 48 horas para procurar o material de construção antes de um confinamento obrigatório entrar em vigor. E quando a CNN comunicou, a sua lista de compras era composta por uma pia, uma torneira, uma placa-mãe de computador, um painel solar, um sensor e um alarme.

Kwarteng ligou para um amigo electricista, Amkwaah Boakye, para lidar com a parte eléctrica antes de os irmãos terem programado o dispositivo para libertar água ensaboada quando mãos ou outros itens activarem um sensor que fica por baixo da torneira. Depois de 25 segundos, um alarme indica que a lavagem das mãos está completa e a água é libertada para esfregar antes de secar, de acordo com a orientação de lavagem por 20 segundos que foi emitida pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA. 

A máquina, chamada SolaWash, pode servir a 150 pessoas antes de haver necessidade de reabastecimento.

A Ghana Standards Authority certificou a máquina no prazo de quatro dias em vez de 21 dias, como se exige normalmente. O Presidente do Gana, Nana Akuffu-Ado, aprovou o dispositivo.

Engenheiros, na Tunísia, criaram uma plataforma online que faz o scan em raios-X dos pulmões para determinar se a pessoa pode ter COVID-19. Embora não seja a primeira plataforma desta natureza, os seus criadores afirmam que é a primeira a ser disponibilizada abertamente. Os engenheiros disseram à Agence France-Presse que a plataforma é 90% confiável em notar a probabilidade de infecção.

Professores e estudantes do instituto de engenharia e tecnologia tunisino INSAT têm estado a desenvolver a plataforma, chamada COVID-19 Exam Ct/XR images by AI, com apoio de técnicos alemães, italianos e americanos.

Os pesquisadores colocaram milhares de raios-X de pulmões de pessoas saudáveis e pacientes de COVID-19 na plataforma, permitindo que a inteligência artificial aprendesse a reconhecer as marcas do vírus nos pulmões. Fazer o upload de um raio-X e realizar um teste gera um resultado de reconhecimento, precisando para tal nada mais que uma ligação à internet.

Também na Tunísia, as autoridades destacaram robots da polícia para as ruas da capital, Túnis, para fazerem cumprir as regras do confinamento obrigatório. Robots feitos na Tunísia, que fazem a vigilância, chamados PGuards, abordam as pessoas que caminham pelas ruas e perguntam por que elas estão fora de casa. As pessoas têm de exibir o seu documento de identificação às câmaras colocadas nos robots.

Os PGuards, de quatro rodas, têm câmaras de imagens térmicas e uma tecnologia abrangente de detecção de luz, que funciona como um radar mas utiliza a luz em vez de ondas de rádio. O fabricante, Enova Robotics, disse à BBC que também está a produzir um robot prestador de cuidados de saúde, que pode oferecer um diagnóstico visual preliminar e medir certos sinais vitais.  


‘Podemos Construir o Futuro dos Nossos Jovens’

EQUIPA DA ADF

Três jovens etíopes trabalharam em equipa para começar a Ewenet Communication Private Limited Company e introduziram a Debo, um aplicativo para telemóveis Android, que faz o rastreamento de contactos, para rastrear os casos de COVID-19.

Addis Alemayehu é fundador e director-geral. Mikiyas Teshome é um desenvolvedor de software e director-adjunto/co-fundador. Natnael Mahetem é um desenvolvedor de software e co-fundador. A ADF conduziu uma entrevista com eles. A entrevista foi editada para se ajustar a este formato.

ADF: Quando é que criaram a Ewenet? O que vos motivou a criar a empresa?

EWENET: A Ewenet foi criada com a promessa sincera feita por nós os três, para fazermos a diferença, não apenas nas nossas vidas, mas também nas vidas de muitos jovens etíopes e africanos através da tecnologia. Não começamos a Ewenet por causa da COVID-19, mas somos a primeira empresa startup a voluntariar-se para juntar-se aos esforços para acabar com a propagação do vírus na Etiópia e ainda estamos a trabalhar. 

Vivemos na era digital e da informação, onde a tecnologia faz com que as nossas vidas sejam mais fáceis ou mais difíceis. A forma como recolhemos, organizamos, analisamos e interpretamos os dados irá determinar o nosso sucesso, quer sejamos singulares, empresas ou governos. As pessoas preferem que a informação chegue da melhor forma possível às suas mãos e de forma económica.

ADF: Fale-nos da Debo. O que a Debo faz? Como a Debo trabalha? 

EWENET: Debo é um aplicativo para telemóveis Android que serve para fazer o rastreamento de contactos, que desenvolvemos no Instituto de Saúde Pública da Etiópia para acabar com a propagação da COVID-19 na Etiópia. O aplicativo tem uma interface fácil de utilizar. O aplicativo utiliza Bluetooth e pode rastrear qualquer pessoa que o utiliza num raio de 2 metros. Os dois telemóveis trocam códigos que são gravados em cada telefone. Se alguém que utiliza Debo contrai a COVID-19, a equipa de rastreamento de contactos utilizará o seu telemóvel e poderá facilmente ter acesso aos nomes das pessoas que estavam num espaço de 2 metros, a frequência de contacto, o sexo, a idade e o endereço.

O usuário também pode registar os seus contactos imediatos, como membros da família com quem vive, assim como amigos próximos e colegas. 

Todas as funções funcionam offline, e isso evita custos de ligação de dados para os usuários. A Debo funciona em cinco línguas: Amárico, Afan Oromo, Tigrinha, Somali e Inglês.

ADF: Como é que vocês desenvolveram a Debo? Como é o vosso processo de desenvolvimento?

EWENET: O desenvolvimento da Debo começou por entrar em contacto com a equipa de rastreamento de contactos da COVID-19 do Instituto de Saúde Pública da Etiópia. A nossa equipa e a equipa de rastreamento tentaram identificar todos os desafios encontrados ao fazer o rastreamento de contactos utilizando o famoso método detective.

Escolhemos o protocolo de Bluetooth e o sistema operacional Android para a primeira fase do aplicativo. De acordo com um comunicado de 2018, 92,41% de smartphones utilizados na Etiópia eram dispositivos Android.

Em todos os estágios do desenvolvimento, procuramos envolver todos os oficiais superiores do Instituto de Saúde Pública da Etiópia e do Ministério de Saúde, para melhores resultados. Também testamos o desempenho dos aplicativos em telefones de voluntários do instituto. Finalmente, depois de uma verificação de segurança feita pela Agência de Segurança de Rede de Informação da Etiópia, o aplicativo foi lançado para o consumo público. Também fornecemos formação para mais de 250 rastreadores de contacto. 

ADF: O que se espera da empresa no futuro?

EWENET: Hoje em dia, a África começou a abraçar a inovação e a ciência, mas ainda tem uma longa jornada pela frente. Alguns países africanos começaram a apoiar a inovação através de startups, mas isso precisa de uma estrutura de políticas bem desenvolvidas com colaboração integrada de todos os sectores da economia. A Etiópia está prestes a desenvolver uma política que irá ajudar as startups via isenção de impostos até cinco anos, e isso é muito importante.

A Ewenet está a procurar digitalizar a campanha das eleições da Etiópia e os partidos políticos foram encorajados a juntarem-se ao esforço. 

 Agora é o tempo para África, e devemos abraçar os talentos e as inovações africanos. A coisa importante, que todas as startups devem aprender de nós, é que os vossos primeiros produtos devem ser feitos para o público de forma voluntária. A nossa agenda primária deve ser a preocupação social, mas os governos africanos também devem preparar o caminho para a digitalização de África via desenvolvimento da juventude. Conforme disse o antigo Presidente dos EUA, Franklin D. Rosevelt, “Não podemos sempre construir o futuro para a nossa juventude, mas podemos construir a nossa juventude para o futuro.”

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