Empresas Estrangeiras Usam Golpes para Pescar Ilegalmente

EQUIPA DA ADF

A embarcação industrial de pesca de arrasto, Lu Rong Yuan Yu 956, foi detida no Gana, em 2019, por utilizar redes com um tamanho da malha abaixo do mínimo permitido por lei e por capturar peixe com tamanho abaixo da média recomendada. O proprietário da embarcação teve uma multa de mais de 1 milhão de dólares, mas recusou-se a pagar.

Quando o processo voltou ao tribunal, a licença de pesca da embarcação foi renovada, e a mesma voltou para as águas de Gana e Costa do Marfim. Conforme comunicou a Fundação para a Justiça Ambiental (EJF), as autoridades apreenderam a embarcação mais uma vez com base nas mesmas acusações em Gana, em Maio de 2020.

A saga do Lu Rong Yuan Yu 956 destaca a forma como empresas-fantasma e consórcios fazem com que seja difícil investigar e processar judicialmente arrastões acusados de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).

As empresas-fantasma são criadas para manter fundos e gerir as transacções financeiras de outras empresas ou indivíduos. Elas aparentam ser empresas verdadeiras, mas apenas existem no papel. Um consórcio é um acordo entre duas ou mais empresas para abrirem uma nova empresa para o seu mútuo benefício.

Embora a lei do Gana proíba investimentos estrangeiros em consórcios no sector da pesca industrial, no Gana, muitos arrastões parecem pertencer a empresas-fantasma criadas para obter licenças de pesca do Gana, de acordo com a Trygg Mat Tracking, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos, especializada na pesca INN e crimes marítimos.

A Lu Rong Yuan Yu 956 é de bandeira ganense, e os registos demonstram que é de propriedade da Gyianam Fisheries & Sons Ltd., uma empresa constituída no Gana e gerida por ganenses. Mas a Trygg Mat Tracking descobriu, através de fontes do governo chinês, que o arrastão, na verdade, é de propriedade da empresa chinesa de pesca, Rongcheng Ocean Fisheries Co. Ltd.

No Gana, apenas aparece um nome de uma empresa-fantasma na lista de licenças de embarcações e na base de dados da IHS Sea-web, mas a EJF comunicou que 90% a 95% da frota de arrastões do Gana pode ter envolvimento chinês.

Não existem benefícios legítimos para os países africanos ao permitir que as embarcações de pesca detidas por empresas-fantasma operem, disse Duncan Copeland, director-executivo da Trygg Mat Tracking, à ADF, num e-mail.

“Os consórcios são altamente complexos e embora a intenção possa ser de ter benefícios locais, muitas vezes, estas estruturas de empresas são exploradas para o ganho dos proprietários estrangeiros,” disse Copeland.

Namíbia encorajou acordos de consórcios, mas uma reclamação de um denunciante, em 2019, detectou alegações de corrupção entre funcionários da liderança da Namíbia relacionadas com a distribuição de direitos de pesca e quotas para interesses estrangeiros e empresas de consórcios, comunicou a Trygg Mat Tracking.

A reclamação esteve baseada em documentos que foram divulgados por um antigo funcionário da empresa islandesa de pescas, Samherj. Apesar de parecer que a Samherj detinha a posse maioritária na sua subsidiária namibiana, Katla, na realidade, tinha um controlo maioritário da empresa através de pagamentos para o accionista namibiano detentor da maioria da Katla, conforme demonstram os documentos.

O Ministro das Pescas e o Ministro da Justiça da Namíbia renunciaram aos seus cargos por causa destas reclamações, agora conhecidas como o escândalo “Fishrot”, e as autoridades continuam a investigar.

Necessidade de Transparência

Steve Trent, director-executivo da EJF, disse que os países deviam colocar em vigor sistemas para identificar a propriedade efectiva das embarcações e assegurar que os proprietários possam ser responsabilizados por pesca ilegal ou outros crimes marítimos.

“Isto inclui solicitar a divulgação dos acordos de propriedade quando uma embarcação for registada para a bandeira de um determinado país ou submeter pedidos de licença ou autorização para pescar,” disse Trent à ADF, num e-mail. “Deve haver informação clara que identifica a entidade que, em última instância, se beneficia dos lucros ou gere as actividades das embarcações para que seja disponibilizada ao público e actualizada quando for necessário.”

Medidas de transparência, como solicitar números únicos para as embarcações de pesca, também podem ajudar os países a rastrearem o histórico e a propriedade de uma embarcação e detectarem a utilização de empresas-fantasma. Para identificar embarcações de pesca ilegal e insustentável, Trent recomendou que os países utilizem o Global Fishing Watch para publicarem as actividades das embarcações de pesca em tempo real e fazerem com que a informação esteja disponível — uma medida simples e de baixo custo.

“Não comunicar ou fornecer informação falsa sobre a posse deverá resultar em sanções dissuasivas,” disse Trent. “Quando uma embarcação for identificada ou suspeita de estar a operar através de uma empresa-fantasma, não deverá ser permitido o registo desta embarcação nem se deve conceder licença ou autorização.”

Trent apelou ao cumprimento rigoroso da lei em países como Senegal, onde as embarcações marítimas são obrigadas a ser pelo menos 51% detidas por nacionais ou empresas que são senegalesas ou que sejam membros da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.

“Onde se suspeitar que entidades estrangeiras estejam a criar empresas-fantasma para contornar as leis locais, como é o caso do Senegal, as autoridades de pescas podem envolver agências com um mandado investigativo para procurarem ver as estruturas empresariais e, nos locais de destino dos fluxos financeiros, determinarem os verdadeiros beneficiários efectivos que operam embarcações sob suas bandeiras ou em suas águas,” disse Trent.

Comentários estão fechados.