EQUIPA DA ADF | FOTOS DA REUTERS
Se há um país que sabe lidar com o desarmamento, desmobilização e reintegração de combatentes inimigos, este seria o Uganda, com a sua experiência com o Exército de Resistência do Senhor.
O Exército de Resistência do Senhor, ou LRA, de Joseph Kony, está praticamente inactivo hoje em dia, mas durante os seus anos violentos, que datam de 1987, causou estragos no Uganda. O grupo matou 100.000 pessoas e deslocou 1,7 milhões. Kony e seus combatentes sequestraram dezenas de milhares de crianças, transformando-as em combatentes endurecidos e “esposas” rebeldes. As suas crianças combatentes foram ensinadas a violar, torturar e massacrar.
Os combatentes que escaparam do LRA e regressaram às suas aldeias de origem enfrentam recepções diferentes. Muitos são recebidos com alegria e de braços abertos. Alguns enfrentam a indiferença, tendo sido capturados há tanto tempo que ninguém se lembra deles. Outros são tratados como criminosos e enviados para a prisão.
Por necessidade, o Uganda tem estado a formular programas ad-hoc de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) há anos. Em muitos casos de repatriamento de membros do LRA, não há DDR porque as deserções nunca são relatadas.
O relatório da jornalista Anna Borzello, “O desafio de DDR no norte do Uganda: O Exército de Resistência do Senhor”, observa que os centros de recepção criados para combatentes desertores, em 2007, sofreram graves deficiências, incluindo falhas na padronização do aconselhamento, nos subsídios de reintegração, nos períodos de permanência e na abordagem geral. Os antigos combatentes eram frequentemente colocados em campos de refugiados “onde a situação é de miséria e insegurança.”
“Embora a comunidade em geral receba os regressados, a estigmatização é comum”, escreveu Borzello. “Dar subsídios de reintegração ou formação aos regressados pode causar ressentimento entre os civis.”
A idade destes combatentes que regressaram era, e continua a ser, um problema. Muitos destes combatentes eram crianças quando foram raptados, e muitos deles tornaram-se assassinos. Então, eles são tratados como vítimas de sequestro ou antigos combatentes?
“A ênfase nos regressados como crianças e vítimas pode distorcer a eficácia da reintegração”, disse Borzello. “Enquanto muitos regressados são profundamente perturbados pela sua experiência, outros adaptaram-se à vida selvagem e até mesmo acabaram por gostar dela.”
Um estudo do Stimson Center, um grupo de pesquisa de políticas, focou nos desafios específicos de DDR do Uganda, observando que as iniciativas tomadas “carecem de uma estratégia coerente.” O centro apontou três questões específicas:
As comunidades locais ficaram ressentidas com os incentivos de reintegração dados pelo governo aos combatentes desertores do LRA, porque eram percebidos como uma recompensa pela violência. Os incentivos, parte da Lei de Amnistia de 2000 de Uganda, apresentavam um “conjunto significativo de recursos” para os desertores do LRA que os membros da comunidade civil e empobrecida não dispunham.
Os cidadãos locais também viam como organizações internacionais apoiavam os programas para os antigos combatentes. A comunidade em geral não tinha tais programas, “embora pudesse haver uma maior necessidade entre os jovens da comunidade em geral.”
Os antigos combatentes ficaram ressentidos com os diferentes níveis de ajuda que recebiam. Um combatente sequestrado, que passou apenas semanas com o LRA antes de escapar, podia receber muito mais ajuda do que um membro do LRA que tinha sido sequestrado e que tinha lutado por mais de uma década.
ESTUDANDO O UGANDA
Os funcionários do governo, as Nações Unidas e organizações não-governamentais (ONG) estão a estudar os programas de DDR em Uganda, Somália e outras partes da África Oriental, com vista a melhorar os programas de DDR em todo o mundo.
Depois de estudar os fracassos e sucessos do programa DDR do Uganda, a Universidade das Nações Unidas apresentou um relatório, em 2015, descrevendo os problemas que qualquer plano DDR pode ter. Alguns deles são:
Onde existe um conflito em curso, a adesão política necessária para programas voluntários de DDR pode estar em falta, levantando questões sobre se os esforços de DDR funcionarão em tais ambientes.
Conflitos contínuos impedem a recuperação económica necessária para absorver os antigos combatentes que entram no mercado de trabalho. Isso levanta questões sobre como conceber programas de DDR eficazes que previnam recaídas ou criminalização quando o conflito finalmente terminar.
Pouco se sabe sobre a interacção entre o DDR e as operações militares inimigas em curso. A existência de operações militares inimigas contínuas prejudica ou incentiva os programas de DDR?
O papel crescente dos governos locais, regionais e internacionais, juntamente com as ONGs e contratados, nos programas de DDR, levanta uma variedade de desafios legais, operacionais e estratégicos. E se os grupos envolvidos tiverem princípios e padrões de direitos humanos inconsistentes?
Quais são os desafios legais e operacionais para lidar com combatentes desertores que são conhecidos por terem sido membros de grupos terroristas violentos?
A pesquisa de Borzello levantou outras questões semelhantes. Ela observou que, quando um conflito finalmente termina, será necessário dinheiro para desmantelar acampamentos de pessoas deslocadas internamente, reinstalar a população e reconstruir a região. “O processo será caro e exigirá comprometimento do governo ugandês e de doadores internacionais”, afirmou. Ela também observou que as forças policiais e os tribunais precisariam de ser reforçados para que a justiça possa ser feita e o passado seja enterrado. A questão dos crimes de guerra tem de ser resolvida.
TRÊS TIPOS DE COMBATENTES
Prosper Nzekani Zena, escrevendo para o Centro Africano de Estudos Estratégicos, disse que os candidatos ao DDR, em ambientes do pós-guerra, podem ser divididos em três grupos: actores armados que se vão auto-desmobilizar de forma voluntária quando um quadro de paz viável parecer estar em vigor; combatentes que continuam a ter interesses investidos na militância; e combatentes que hesitam em desarmar-se por temer as consequências. Zena disse que é o terceiro grupo que oferece o maior potencial para DDR bem-sucedido.
“Eles hesitam em desarmar, temendo que ficarão expostos e vulneráveis num ambiente inseguro, incerto e volátil”, escreveu Zena. “Eles não têm alternativas adequadas de renda, pelo que podem pensar que o desarmamento resultaria no enfraquecimento do seu bem-estar. No entanto, eles têm poucos motivos ou interesses em continuar como combatentes. São pessoas indecisas que precisam de incentivos e caminhos viáveis e graduais para deixar a militância.”
Zena descobriu que o ingrediente-chave para o sucesso é demonstrar a esses combatentes que eles têm um caminho para se desarmar e voltar à vida civil.
“Ao fornecer oportunidades adequadas para se desarmar com segurança, apoio financeiro e psicológico para a transição para a vida civil e treinamento e oportunidades suficientes para se sustentarem, o DDR pode afastar esses combatentes da militância”, escreveu Zena. “Isso também enfraquece indirectamente os combatentes mais ferrenhos remanescentes, ao diminuir o número dos seus apoiantes.”
Zena e outros pesquisadores disseram que os dois primeiros componentes do DDR — desmobilização e desarmamento — geralmente não são problema no que diz respeito ao alcance de combatentes “indecisos”. A desmobilização pode ser politicamente sensível, mas esses problemas, muitas vezes, são de curta duração. Os desarmamentos são principalmente uma questão de organizar locais de colecta seguros onde os combatentes que chegam não se sentem vulneráveis. A terceira componente, a reintegração dos antigos combatentes na vida civil, é a mais difícil.
A reintegração envolve tarefas como formações para o emprego, empréstimos, colocação profissional, ajudar antigos inimigos a se integrarem em ambientes pacíficos e ajudá-los a encontrar casas permanentes. A reintegração é o estágio em que muita coisa pode dar errado. Os antigos combatentes que se desarmam e enfrentam longos atrasos na reintegração podem ficar frustrados e amargurados com o processo de DDR. A reintegração incompleta e ineficaz representa o maior risco de regresso à violência armada.
“A reintegração é a faceta mais complexa e crítica, mas menos priorizada do DDR”, concluiu Zena.