EQUIPA DA ADF
Embarcações envolvidas em pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), em África, estão a ser usadas mais do que apenas para remover toneladas de peixe das já esgotadas populações de peixe e mais do que apenas privar centenas de milhares de pessoas dos seus meios de subsistência.
Existe uma tendência de os grupos de criminosos utilizarem a pesca INN como disfarce para o contrabando de drogas e de armas, de acordo com a Ecotrust Canada, uma instituição não governamental sem fins lucrativos com enfoque para a gestão de locais de pesca, e outras organizações.
Um estudo de 2020, sobre Peixe e Locais de Pesca, descobriu que o uso de pequenas embarcações de pesca em contrabando de drogas triplicou no mundo inteiro, nos últimos oito anos, e representa 15% do total global de valor de retalho de drogas ilícitas.
“O sector das pescas está cada vez mais a tornar-se um vector para o transporte de drogas,”Dyhia Belhabib, investigador principal da Ecotrust Canada e autor principal do estudo, disse à Smithsonian Magazine.
Distinguir embarcações de pesca legítimas daquelas que estejam envolvidas no crime organizado pode ser quase impossível, Ian Ralby, um especialista internacional em segurança marítima e PCA da I.R. Consilium, disse à ADF.
“A pesca legítima proporciona bons rendimentos,” disse Ralby. “Depois terá um local legítimo à mesa em várias reuniões para abordar políticas [em vários países]. Se estiver no sector legítimo de pescas e também for um traficante, ninguém sabe que você é um traficante, e você está envolvido em conversações sobre como os espaços marítimos são cobertos” pelas autoridades.
Estar nas águas todos os dias permite a tais operadores saberem onde e como as autoridades fazem cumprir as leis, possibilitando que os criminosos escapem. Muitos países africanos são alvo de esquemas de contrabando marítimo devido à segurança marítima limitada.
Ralby afirma ter-se apercebido de tendências de embarcações de pesca contrabandearem heroína da Ásia e do Médio Oriente para a África Oriental e cocaína da América do Sul para a África Ocidental.
Em 2020, a Marinha da Costa do Marfim apreendeu 411 quilogramas de cocaína escondidos em pequenos pacotes plásticos num navio de bandeira espanhola. A embarcação descarregou as drogas num barco menor que foi interceptado pela Marinha, noticiou a Reuters.
Cerca de 40 toneladas de cocaína passam pela África Ocidental anualmente, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico.
O negócio de contrabando de armas em África mudou substancialmente nestes últimos anos. Há cinco anos, muitas armas que vinham da África Oriental eram armas soviéticas antigas; agora um fluxo de entrada de armamento chinês está a ser contrabandeado através da Somália e do Djibouti para o Yemen via embarcações de pesca iranianas, disse Ralby.
“Existem muitas ilhas, rochas e bancos ao longo da costa do Mar Vermelho usados por traficantes,” disse Ralby. “As grandes embarcações vêm e depositam armas nesses lugares. Os pescadores locais e pequenas canoas trazem-nas.”
Na Somália, a pesca INN é uma fonte de renda para o grupo terrorista al-Shabaab, conhecido por garantir segurança a embarcações de pesca ilegal estrangeiras e, muitas vezes, virar as suas armas contra pescadores somalis não protegidos, de acordo com a Verité, uma organização não governamental que promove condições de trabalho justas para pessoas de todo o mundo.
O uso de embarcações de pesca INN no tráfico de seres humanos não é prevalecente porque esconder pessoas das autoridades é muito mais difícil. Mas o comércio ilícito, muitas vezes, tem resultados desastrosos para as mulheres nigerianas que procuram por melhores condições de vida, muitas das quais acabam por terminar na Itália ou nas Caraíbas, de acordo com Ralby.
Algumas mulheres estão a “ser contrabandeadas, depois traficadas, outras apenas são traficadas,” disse ele. “Algumas são vendidas em mercados de escravos. Algumas são cortadas pedaço a pedaço, por isso, existem pessoas que caminham sem membros por causa dos mercados de órgãos humanos. A Líbia também se tornou num grande polo de seres humanos traficados ou escravizados.”
A fraca vigilância marítima em muitas áreas faz com que seja difícil determinar a magnitude do envolvimento da pesca INN em tais actividades ilícitas, de acordo com um documento de 2020 do Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano.
“Uma coisa clara é que para que as redes se beneficiem da prática destes crimes, existem agentes da lei que são cúmplices, que aceitam subornos em troca de fazerem vista grossa,” Kamal Deen-Ali, um dos autores do documento, disse ao Mongabay.com.
Acabar com os crimes marítimos “exige mais do que instituir leis e realizar cooperações entre países e agências,” disse Deen-Ali. “Requer que se reúna uma inteligência activa e, em especial, se melhore o bem-estar das comunidades costeiras, muitas das quais já estão vulneráveis ao impacto dos locais de pesca esgotados.”