EQUIPA DA ADF
A solidariedade vive em ambos os lados da fronteira entre a Nigéria e o Níger, onde a maioria das pessoas pertence ao grupo étnico Hausa e aprecia os seus laços históricos e económicos.
O espectro de um conflito regional tem vindo a pairar desde que uma junta militar deteve e depôs o Presidente do Níger, Mohamed Bazoum, no final de Julho.
Alguns membros da comunidade Hausa, um grupo étnico que constitui mais de metade da população do Níger e que é também o grupo étnico dominante no norte da Nigéria, estão a procurar formas de utilizar estes laços para evitar conflitos.
“Nós falamos Hausa! Somos da mesma origem,” disse o cidadão nigerino Mallam Bukar ao Nigerian Tribune. “Praticamos a mesma religião e comemos a mesma comida.”
Desde o golpe de Estado, os líderes religiosos, governamentais e da sociedade civil Hausa têm-se manifestado contra uma confrontação militar entre vizinhos que, segundo eles, desestabilizaria ainda mais os dois países, cujas forças armadas já estão muito dispersas na luta contra grupos militantes extremistas.
Em Kano, na Nigéria, o influente clérigo islâmico Sheikh Muhammad bin Uthman quer ver o governo do Níger de novo nas mãos dos civis, mas ele e muitos outros estão a pressionar para uma intervenção diplomática.
“Nós, os muçulmanos da parte norte da Nigéria, abominamos uma intervenção militar no Níger porque estamos cultural e religiosamente unidos,” disse à revista The Africa Report.
Os Hausa são também os mais afectados pelas sanções impostas pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
O comércio ao longo dos 1.600 quilómetros de fronteira foi em grande parte interrompido desde que a fronteira foi encerrada por ordem da CEDEAO no início de Agosto. Mais de mil camiões que transportavam produtos agrícolas ficaram retidos nos postos fronteiriços, com a carga a apodrecer.
Os comerciantes que atravessam regularmente a fronteira ficaram retidos, alguns sem poderem regressar às suas famílias.
De acordo com um estudo do Banco Central da Nigéria, 75% das exportações do comércio informal transfronteiriço da Nigéria destinam-se ao Níger. O último relatório do banco, em 2016, avaliou esses bens em 934 milhões de dólares por ano.
O Presidente da Nigéria, Bola Ahmed Tinubu, foi considerado a força motriz por detrás do ultimato da CEDEAO à junta do Níger para que restabeleça Bazoum e o governo democraticamente eleito ou enfrente a possibilidade de uma acção militar.
Tinubu, que também é presidente do bloco regional da África Ocidental, tem enfrentado a resistência da maioria dos deputados nigerianos oriundos do norte.
No dia 5 de Agosto, o Senado da Nigéria instou o governo a considerar “opções políticas e diplomáticas” em vez de uma solução militar.
Os líderes da junta no Níger rejeitaram a maior parte das ofertas para se reunirem com os enviados diplomáticos, mas alguns líderes Hausa conseguiram entrar em contacto.
Um grupo de académicos islâmicos, na sua maioria do norte da Nigéria, visitou a capital do Níger, Niamey, e falou com o líder do golpe, Abdourahmane Tchiani, no dia 12 de Agosto.
“Ambas as partes concordaram em intensificar a opção do diálogo para resolver a crise política,” afirmou o grupo num comunicado.
“Ao traçar os laços históricos entre as duas nações, ele [Tchiani] disse que a República do Níger e a Nigéria não eram apenas vizinhos, mas irmãos e irmãs que deveriam resolver os problemas de forma amigável.”
Também a 12 de Agosto, centenas de pessoas encheram as ruas de Kano, a maior cidade do norte da Nigéria, para protestar pacificamente contra a ideia de uma guerra com o Níger. Eles cantavam: “Os nigerinos são nossos irmãos; os nigerianos são também nossa família; o Níger é nosso; não queremos guerra.”
A raiva manifestada em Kano pode alastrar-se a outras partes do norte, onde sete dos 36 Estados da Nigéria fazem fronteira com o Níger. Tinubu e o seu novo governo já estão a lidar com uma frustração crescente à medida que o custo de vida aumenta.
Nnamdi Obasi, conselheiro sénior para a Nigéria, do grupo de reflexão, Crisis Group, afirmou que há ainda muito trabalho a fazer para persuadir a junta nigerina a negociar um regresso aceitável à democracia.
“As sanções e os cortes na ajuda vão criar uma situação difícil no Níger e isso é uma receita para a instabilidade,” disse ao jornal The Financial Times. “A junta precisa de ser persuadida a mostrar alguma flexibilidade para voltar a envolver-se com o resto do mundo, em vez de seguir o caminho isolacionista que parece estar a seguir.”
Entretanto, os Hausa, de ambos os lados da fronteira, estão a sofrer as consequências económicas do golpe.
Muawiya Ibrahim, um residente de Katsina, na Nigéria, relatou que o preço de um saco de 100 quilogramas de milho subiu 24% numa semana e custa agora cerca de 56 dólares.
Mas preocupa-o mais o facto de o encerramento da fronteira ter amplificado as divisões entre as pessoas de ambos os lados.
“Partilhámos tanta coisa; até casámos entre nós,” disse à The Associated Press.
“Dizer que a Nigéria e o Níger são um só é verdade.”