Aguerra entre a Rússia e a Ucrânia deve ser uma chamada de atenção para os 38 países costeiros de África para priorizarem a segurança marítima, de acordo com o chefe da marinha sul-africana.
O Vice-almirante Mosiwa Samuel Hlongwane, proferiu um discurso, em Abril de 2022, na quarta Conferência de Segurança Marítima, na África do Sul. Ele disse que o conflito na Europa obrigou “os nossos parceiros europeus e mundiais” a repensar e voltar a priorizar a segurança nacional e marítima, noticiou o site de notícias DefenseWeb.
Lutas, envio de navios e minas marítimas ameaçam as rotas de comércio do Mar Negro. Em Março de 2022, as autoridades russas disseram que 420 minas estavam à deriva no Mar Negro, depois de ficarem soltas numa tempestade.
Mesmo sem o conflito europeu, os países costeiros de África enfrentam uma variedade de ameaças, incluindo a pirataria, roubos, tráfico de drogas e de seres humanos, abastecimento de petróleo, poluição e pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.
Embora o Golfo da Guiné tenha sido um foco de criminalidade marítima, não é o único. O Golfo de Áden e o Canal de Moçambique, bem como o Mar Mediterrâneo e o Mar Negro, também enfrentam problemas de segurança. Muitos dos países costeiros do continente enfrentam dificuldades em lidar com ameaças marítimas e devem trabalhar com os seus vizinhos num esforço unificado.
Os países reconhecem a necessidade de trabalhar em conjunto e resolverem as suas diferenças, tais como quais são os seus limites em termos de segurança e que direitos de pesca os assistem. Mas muitos países enfrentam desafios para aprovar leis e regulamentos que sejam compatíveis com as leis e regulamentos dos seus vizinhos costeiros.
Mesmo a cooperação para trazer os criminosos à justiça é complicada por causa de leis incompatíveis nos diferentes países.
A União Africana e os grupos económicos regionais de África são as partes lógicas para ajudar a melhorar e a fiscalizar a segurança marítima, mas tiveram resultados mistos até agora. Num relatório para o Instituto de Estudos de Segurança (ISS), o investigador Timothy Walker indicou o quão raramente estes grupos cooperam.
“Muitos dos crimes marítimos nas águas africanas são, muitas vezes, transnacionais em termos de origem e impacto, desafiando soluções simples e unilaterais,” escreveu Walker. “Mesmo assim, a União Africana e as estruturas regionais para a mobilização de acções conjuntas entre os países africanos poucas vezes priorizam questões marítimas ou suas consequências para o continente.”
Walter disse que embora África esteja a “examinar cuidadosamente” os seus distintos problemas de segurança marítima, poucas vezes, toma medidas colectivas. Ele observou que, quando o Conselho de Paz e Segurança (CPS) da União Africana (UA) discutiu a segurança marítima, numa reunião de Julho de 2021, “tratou-se apenas da sua sétima reunião sobre segurança marítima entre as mais de 1.000 que o concelho já teve depois de ter aberto as suas portas em 2004.”
Esta falta de acção fez com que os países africanos levassem os seus problemas marítimos para o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), em vez do CPS. “Isso deixa a impressão de um CPS isolado e desligado das políticas e dos interesses de segurança marítima dos Estados africanos,” observou Walker. “Aos olhos do mundo, isso faz com que o CSNU, em vez do CPS, seja o principal fórum para determinar como combater melhor a criminalidade marítima em África.”
ESTRATÉGIA AIM 2050
Em Janeiro de 2014, a UA adoptou a Estratégia Marítima Integrada de África 2050, também conhecida como Estratégia AIM 2050, um plano marítimo integrado, a nível continental. O mesmo visa abordar a segurança a todos os níveis, não apenas a pirataria e os assaltos à mão armada no mar. Embora aborde as actividades ilícitas no mar, também se centra no desenvolvimento sustentável da economia azul de África.
Um relatório do Boletim do Corno de África, de 2018, observou que a estratégia tinha de ir para além da segurança e proteger interesses comerciais. “Tal abordagem bidimensional não iria lidar com outras ameaças e preocupações de segurança marítima que podem afectar adversamente o crescimento e o desenvolvimento da economia azul dos países africanos,” observou o relatório.
A investigadora Brigid Kerubo Gesami publicou um estudo, em 2021, intitulado “Segurança Marítima em África: Desafios da União Africana na Implementação da Estratégia AIM 2050.” Ela disse que colocar a estratégia em operação demonstrou ser difícil.
“A estratégia AIM 2050 da UA … é caracterizada por uma variedade de políticas, resoluções, regulamentos e actividades ligadas, mas separadas, desconectadas e não coordenadas que estão coordenadas umas com as outras,” escreveu Gesami. “Para além dos 11 programas estratégicos, o Plano de Acção define 21 objectivos, 61 metas de acção e 65 métricas de resultados para ajudar a quantificar e fazer a monitoria dos efeitos da estratégia AIM 2050 a níveis regional e nacional.”
GRUPOS REGIONAIS FORMADOS
Em 2004, as autoridades africanas e europeias começaram a discutir sobre uma parceria que levou à criação da Iniciativa de Defesa 5+5, uma colaboração entre cinco países africanos (Argélia, Líbia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia) e cinco países europeus (França, Itália, Malta, Portugal e Espanha). O objectivo do grupo, afirmam os seus organizadores, é de “contribuir significativamente para soluções que abordam preocupações comuns nos campos de segurança e defesa.”
Os membros europeus da cooperativa realizam regularmente três exercícios militares — Canale, Seaborder e Cercaete. Há poucos anos, o exercício Canale esteve aberto a todos os países-membros da iniciativa 5+5.
As áreas de cooperação da iniciativa são vigilância marítima, segurança aérea, educação e pesquisa e contribuição das forças armadas para a protecção civil.
“Associando os seus esforços através de uma estreita cooperação, os dez países da Iniciativa de Defesa 5+5 pretendem melhorar a sua eficácia para manter um Mar Mediterrâneo seguro e uma zona segura para as trocas,” relatou a iniciativa.
A instabilidade política do Norte de África, particularmente na Líbia, prejudicou a participação africana na iniciativa nos últimos anos.
LIDANDO COM A PIRATARIA
Em Janeiro de 2009, representantes de Djibouti, Etiópia, Quénia, Madagáscar, Maldivas, Seicheles, Somália, Tanzânia e Iémen assinaram aquilo que é geralmente conhecido como o Código de Conduta de Djibouti.
As Ilhas Comores, Egipto, Eritreia, Jordânia, Ilhas Maurícias, Moçambique, Oman, Arábia Saudita, África do Sul, Sudão e Emirados Árabes Unidos assinaram antes.
De acordo com o código, os países participantes declaram a sua intenção de cooperar sem restrições para combater a pirataria e os assaltos à mão armada contra navios. A Organização Marítima Internacional, uma agência especial das Nações Unidas, observa que os signatários concordaram em cooperar nos domínios de:
- Investigação, apreensão e julgamento de pessoas que estejam razoavelmente suspeitas de terem cometido actos de pirataria e assaltos à mão armada contra navios, incluindo aqueles que incitam ou intencionalmente facilitam tais actos.
- Interdição e apreensão de navios suspeitos e bens a bordo dos mesmos.
- Resgate de navios, pessoas e bens visados por pirataria e assaltos à mão armada.
- Cuidado, tratamento e repatriamento adequados de marinheiros, pescadores e outro pessoal a bordo de navios e passageiros visados por pirataria e assaltos à mão armada, principalmente os que tiverem sofrido algum tipo de violência.
- Realização de operações partilhadas, entre os países participantes e com marinhas de países de fora da região.
O código prevê a partilha de informação relacionada com a pirataria, através de uma rede criada em 2011. A rede possui três centros de partilha de informação: em Mombaça, Quénia; Dar-es-Salam, Tanzânia; e Saná, Iémen. A rede faz a troca de informação sobre pirataria em toda a região e outra informação relevante.
As Nações Unidas afirmam que a rede de partilha de informação desempenhou um papel significativo no combate à pirataria.
Em 2017, a iniciativa adoptou a Emenda de Jeddah para ampliar o âmbito do código. A emenda cobre medidas para a supressão de uma variedade de condutas ilícitas, incluindo a pirataria, tráfico de armas, tráfico de drogas, comércio ilegal de produtos da fauna bravia, abastecimento ilegal de petróleo, roubo de petróleo crude, tráfico de seres humanos, contrabando de seres humanos e descarte ilegal de lixo tóxico.
CÓDIGO REGIONAL DA ÁFRICA OCIDENTAL
Tomando como inspiração o Código de Djibouti, os Estados da região do Golfo da Guiné, do Senegal a Angola, formaram o Código de Conduta de Yaoundé, em 2013. A organização não-governamental, Stable Seas, observa que o objectivo do Código de Yaoundé é de permitir que os países membros cooperem para combater todas as formas de criminalidade marítima, desde a pirataria, tráfico, roubo de petróleo até a pesca ilegal — as mesmas medidas que a Emenda de Jeddah mais tarde incluiu no Código de Djibouti.
O Código de Yaoundé tirou a vantagem das zonas marítimas já criadas pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC). Estas instituições cobrem os Estados costeiros e os Estados do interland das duas regiões.
O código fez com que fossem desenvolvidos dois centros regionais de partilha de informação. O Centro Regional de Segurança Marítima da África Central encontra-se em Point Noir, República do Congo, para prestar assistência aos países da CEEAC. O Centro de Coordenação Regional da África Ocidental para a Segurança Marítima, sediado em Abidjan, Costa do Marfim, serve os países da CEDEAO. A coordenar ambos centros encontra-se o Centro de Coordenação Inter-Regional de Yaoundé, Camarões.
A CEEAC já teve alguns sucessos na cooperação de segurança marítima. A Zona D da CEEAC, composta dos Camarões, Guiné Equatorial, Gabão e São Tomé e Príncipe, realiza operações combinadas no mar, “virtualmente todos os dias do ano,” de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos de África.
O Obangame Express, um exercício militar anual organizado pelas Forças Navais dos EUA África, foi concebido para melhorar a cooperação regional, em apoio ao Código de Conduta de Yaoundé. O exercício centra-se na conscientização do domínio marítimo, partilha de informação e experiência de interdição táctica.
O Obangame Express 2022 terminou a sua 11ª edição em Março de 2022. O exercício foi realizado em cinco zonas do Oceano Atlântico e do Golfo da Guiné, cobrinfo desde o Senegal até Angola.
CENTRO MARÍTIMO DA CEDEAO
A CEDEAO esteve a desenvolver uma estratégia marítima integrada durante vários anos.
Kamal-Deen Ali, director-executivo do Centro de Leis Marítimas e Segurança de África, comunicou que 13 países trocam informação, lidam com desafios dos seus domínios marítimos e administram três zonas de operação partilhadas num esforço colaborativo.
O Centro Regional de Segurança Marítima da África Ocidental, em Abidjan, Costa do Marfim, foi aberto em Março de 2022, numa cerimónia organizada pela CEDEAO, em colaboração com o governo costa-marfinense.
Criado através de uma decisão da Autoridade de Chefes de Estado e de Governo, de 31 de Julho de 2018, o centro será uma ferramenta essencial para a implementação da Estratégia Marítima Integrada da CEDEAO, que foi adoptada em 2014.
O centro garante a gestão e partilha de informação, monitoria operacional, coordenação de crises e ainda formação e capacitação. Aquele centro e outros semelhantes irão compor a arquitectura de segurança marítima regional.
NECESSIDADE DE MAIS COMPROMETIMENTO
Combinados, o Código de Djibouti, o Código de Yaoundé e a Iniciativa de Defesa 5+5 incluem todos os Estados costeiros de África, excepto a Namíbia. Mas especialistas concordam que é necessário que se faça mais trabalho para fazer com que os Estados costeiros trabalhem juntos para garantir a segurança. Em particular, afirmam eles, é necessário que a UA esteja mais envolvida.
“A Estratégia AIM 2050 é um documento impressionante que enfatiza a multidimensionalidade da segurança marítima,” concluiu o estudo do Boletim do Corno de África, de 2018. “Contudo, para que saia do papel para a prática, deve ser implementado de uma forma coerente e consistente. Sendo assim, é crucial que exista uma coordenação administrativa eficiente através de um departamento criado, fluxo de informação adequado para os oficiais relevantes e para os actores relevantes e que o nexo entre os diferentes aspectos da estratégia seja destacado e adequadamente comunicado.”
No seu estudo para o ISS, de 2021, Walker observou que os países precisam de cooperar mais.
“A insegurança no mar dificulta que os Estados garantam rotas de comércio, protejam e explorem os benefícios da sua economia azul e assegurem o crescimento económico e o desenvolvimento social para as comunidades do litoral,” escreveu Walker.
“O CPS e os Estados-membros da UA devem começar a preparar e implementar planos que ultrapassem os níveis nacional, regional e continental.”