Um Enigma Mortal
A Ideologia que Impulsiona as Forças Democráticas Aliadas na Essência Continua um Mistério
EQUIPA DA ADF
Aproliferação de grupos armados no segundo maior país da África desestabilizou a nação durante décadas, mas um incidente, em Dezembro de 2017, chamou novamente a atenção para os perigos presentes na República Democrática do Congo (RDC).
As Forças Democráticas Aliadas atacaram o pessoal das Nações Unidas na província do Kivu do Norte, no leste da RDC, matando 15 membros das forças de manutenção da paz e pelo menos cinco militares nacionais e ferindo outros 53.
O tiroteio de três horas destruiu pelo menos um blindado para transporte de pessoal, informaram as autoridades da ONU ao The Washington Post. “Este é o pior ataque contra as forças de manutenção da paz da ONU na história recente da organização”, disse o secretário-geral António Guterres na altura.
As Forças Democráticas Aliadas, estimadas em 1.500 militantes armados, foram responsáveis por outros ataques às forças de manutenção da paz na RDC: um em Julho de 2013 e outro em Março de 2014, de acordo com uma ficha informativa da ONU. O grupo é apenas um dos cerca de 70 grupos militantes armados e milícias que fomentam a violência nos 2,3 milhões de quilómetros quadrados da RDC.
A GÉNESE DO GRUPO
Embora agora mais activo na RDC, as Forças Democráticas Aliadas foram formadas no vizinho Uganda, em 1995. Elementos radicais da seita muçulmana Tabliq do Uganda juntaram-se aos militantes de Bakonjo que tinham participado do movimento Rwenzuru, de acordo com um artigo de 2019 da Dra. Eleanor Beevor, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. O movimento secessionista Rwenzuru foi assim nomeado em homenagem ao reino das Montanhas Rwenzori, no Oeste do Uganda.
A composição social e étnica do grupo ajudou a operar ao longo das fronteiras do Uganda e da RDC. Os Bakonjo do Uganda estão ligados, por cultura e língua, ao povo Banande da RDC. Apenas o artifício de uma fronteira colonial separou-os no século XX.
Beevor escreveu que as Forças Democráticas Aliadas fugiram para a província do Kivu do Norte, na RDC, quando o país ainda era conhecido como Zaire. O então ditador do país, Mobutu Sese Seko, e seu sucessor, Laurent Kabila, permitiram que o grupo armado percorresse a região fronteiriça para impedir incursões ruandesas e ugandesas.
Isso deixou o grupo “livre para se envolver em parcerias vantajosas e de curto prazo com outros grupos rebeldes, com vista a beneficiar-se do comércio ilícito nas fronteiras e para procurar o apoio de actores internacionais”, escreveu Beevor. “O Sudão, por exemplo, enviava regularmente armas e fundos ao grupo.”
Paul Nantulya, um associado de pesquisa do Centro Africano de Estudos Estratégicos, escreveu em Fevereiro de 2019 que as Forças Democráticas Aliadas “assumiram muitas facetas que vão desde Salafi-Jihadi a nacionalistas seculares, etnonacionalistas e secessionistas, com cada uma voltada para diferentes públicos e empregada para diferentes propósitos.”
Numa região famosa por dezenas de grupos armados, cada um com interesses peculiares e por vezes concorrentes, as Forças Democráticas Aliadas demonstraram uma vontade crescente de recorrer à violência feroz. De 2017 a 2018, os incidentes violentos atribuídos ao grupo cresceram de 38 para 132, escreveu Nantulya. É um aumento de 247 por cento. No mesmo período, as mortes duplicaram para 415. O grupo assassinou centenas de civis desde 2014.
LIGAÇÕES COM O ESTADO ISLÂMICO?
Se calhar o mais estranho a observar são os recentes namoros do grupo com o Estado Islâmico. Um relatório de 2018, publicado no The Defense Post, indica que o grupo tem ligações com influências islâmicas em Uganda.
Não se sabe até que ponto o grupo pode estar alinhado com o Estado Islâmico. Entretanto, o Grupo de Pesquisa do Congo (CRG), que se centra no conflito da RDC analisou 35 vídeos em canais das redes sociais entre 2016 e 2017. O relatório do grupo de pesquisa mostrou uma “mudança na retórica empregada pelo movimento, de uma guerra contra o governo ugandês para uma luta mais ampla a favor do Islamismo.”
De acordo com o CRG, as Forças Democráticas Aliadas têm chamado a si mesmas de “Madina em Tauheed Wau Mujahedeen” desde 2010. O nome significa “a cidade do monoteísmo e daqueles que afirmam o mesmo.” Alguns dos vídeos do grupo incluem uma bandeira semelhante às usadas pelo Estado Islâmico, al-Shabaab, al-Qaida e Boko Haram. Eles também enfatizam a importância das interpretações radicais e violentas do Alcorão. De acordo com o CRG, o islamismo radical não é novo para o grupo, mas a ênfase nele tem variado ao longo do tempo.
Nantulya escreveu que vídeos e documentos apreendidos pela missão de manutenção da paz das Nações Unidas na RDC parecem indicar que as Forças Democráticas Aliadas estão focadas em estabelecer um califado regional. Ele argumenta que a proliferação de “narrativas inspiradas no Estado Islâmico”, em propaganda, é paralela ao “retorno do grupo às suas raízes salafitas para que pudesse explorar as redes Jihad-Salafi, na África Oriental.”
Esses esforços, afirma Nantulya, aumentaram depois que o grupo perdeu território considerável em confrontos militares com forças congolesas, ugandesas e da ONU. Grandes ofensivas em 2011, 2013 e 2015-2016 reduziram as fileiras do grupo para apenas algumas centenas de militantes. A captura do líder Jamil Mukulu, na Tanzânia, em 2015, também representou um golpe para o grupo militante. Ele continua sob custódia no Uganda.
A VIOLÊNCIA INTENSIFICA-SE
A resposta do grupo para estas perdas diante das forças militares foi um ataque contra civis em Beni, Bunia, Butembo e Eringeti para castigá-los por considerada conspiração com o governo. O aumento nos ataques correspondia com a propaganda étnica e jihadista, escreveu Nantulya.
A violência continua. De acordo com um relatório da rede árabe de televisão Al-Jazeera, de Dezembro de 2019, pelo menos 17 pessoas foram golpeadas até à morte em dois ataques atribuídos às Forças Democráticas Aliadas. O porta-voz militar da RDC, General Leon Richard Kasonga, disse ao serviço de notícias que o Exército também encontrou “uma fábrica para produção em grande escala de bombas caseiras” no acampamento do grupo que foi capturado pelos soldados.
Os ataques de Dezembro faziam parte de uma série de assassinatos em massa em resposta às operações do Exército contra o grupo, as quais começaram nos finais de Outubro de 2019. Os militantes tinham assassinado pelo menos 100 pessoas entre 5 de Novembro e 5 de Dezembro de 2019, para desencorajar os civis de ajudar as forças de segurança, informou Al-Jazeera.
Apesar da sua hostilidade às populações locais, o grupo militante continuou a espalhar propaganda jihadista e trouxe recrutas de todo o Burundi, Ruanda, Tanzânia e Uganda, escreveu Nantulya. Na verdade, o grupo também tem células de recrutamento na África do Sul e na Tanzânia.
O ressentimento público pelo grupo é alto, mas a fusão de grupos armados na RDC, juntamente com a incapacidade do governo de providenciar serviços, tem impedido oportunidades de isolar os militantes. Informações sobre as finanças do grupo são escassas, mas um relatório da ONU indica que se beneficia de financiamento externo.
CONTRA-ATACAR OS MILITANTES
As Forças Democráticas Aliadas provaram ser engenhosas e resistentes ao sobreviver entre dezenas de grupos armados diferentes, apesar da pressão implacável das forças armadas nacionais e das forças internacionais de manutenção da paz. Adaptaram-se à mudança dos contextos sociais, ajustando-se constantemente às queixas locais para avançar a sua narrativa. Elas têm estado dispostas a usar qualquer mensagem que funcione para continuar o recrutamento.
Desalojar o grupo do interior da RDC continuará a ser uma tarefa difícil. Aqueles que lutam contra as Forças Democráticas Aliadas terão de estabelecer e manter redes de informação eficazes e uma forte cooperação regional. Para esse fim, argumenta Nantulya, a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos pode desempenhar um papel importante.
Em 2017, a organização inaugurou um centro nevrálgico de inteligência em Kasese, Uganda, perto da fronteira com a RDC. O centro é composto por oito especialistas em segurança da RDC, Quênia, Tanzânia e Uganda, com funcionários que os auxiliam, de acordo com a Agência France-Presse. Começou com um investimento de 600.000 dólares e é financiado pelos quatro principais Estados-Membros.
“Logo que a informação de inteligência for recebida no centro, será analisada pelos especialistas, investigada e divulgada aos países membros para tomada de medidas”, disse o porta-voz do Exército do Uganda, Brigadeiro Richard Karemire, à Agência France-Presse.
Nantulya disse que a Força-Tarefa Regional liderada pela União Africana para a Eliminação do Exército de Resistência do Senhor (LRA) também pode servir como um modelo útil. “Os esforços combinados das forças de Uganda, Sudão do Sul e República Centro-Africana, apoiados por agentes e conselheiros da inteligência técnica dos EUA, desempenharam um papel importante para quebrar a espinha dorsal da rebelião do LRA”, escreveu Nantulya.
A Força-Tarefa Regional do LRA utilizou mais de 3.000 soldados, que incluíram 2.000 de Uganda, 500 da RDC, 500 do Sudão do Sul e 85 da República Centro-Africana. A operação começou em Agosto de 2013 e foi designada Operação Monção. Agora, o LRA é uma ameaça muito menor na região.
Por último, uma estratégia bem-sucedida deve abordar a falta de autoridade governamental central e local e de prestação de serviços no Leste da RDC. O Uganda tem sido mais bem-sucedido nisso e, como resultado, a capacidade do grupo militante de manter território naquele país foi impedida.
A “capacidade dos militantes de mobilizar e explorar os sentimentos locais em vários cenários sociais, culturais, religiosos e políticos ressalta a necessidade de estratégias de envolvimento público robustas”, escreveu Nantulya. “Enquanto [o grupo] puder continuar a explorar múltiplas queixas religiosas e seculares, uma solução duradoura continuará a ser uma miragem.”
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