As recentes vitórias deram às Forças Armadas do Sudão (SAF) o controlo de várias regiões importantes do Sudão, incluindo os Estados de al-Jazira e Cordofão do Norte, bem como partes de Cartum. Apesar destas vitórias sobre as Forças de Apoio Rápido (RSF), os civis receiam que os combatentes das SAF lancem ataques de represália contra eles.
“Vimos no passado como as SAF e as milícias suas aliadas mataram ou prenderam qualquer pessoa rotulada como colaboradora das RSF, incluindo pequenos empresários ou voluntários das Salas de Resposta de Emergência humanitária e outros activistas e civis,” disse Tigere Chagutah, director regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral. “Estas represálias mortais não podem voltar a acontecer à medida que as SAF avançam no Estado de Cartum.”
A batalha pelo controlo do país entre as SAF e as RSF começou no dia 15 de Abril de 2023 e tem sido marcada por intensos combates, vítimas civis e uma crise humanitária cada vez maior.
As acções dos combatentes das SAF depois de expulsarem as RSF rivais de Wad Madani, a capital do Estado de al-Gezira, em Janeiro, pouco contribuíram para incutir confiança, segundo os especialistas.
De acordo com testemunhas, depois de tomarem Wad Madani, os combatentes das SAF atacaram os trabalhadores que viviam em campos agrícolas na região de Kanabi. Muitos desses trabalhadores são oriundos do Sul do Sudão e de zonas do Oeste e do Sul do Sudão controladas pelas RSF.
Segundo testemunhas, os combatentes das SAF mataram centenas de pessoas na região de Kanabi com base na sua etnia. As RSF também mataram residentes de Kanabi quando invadiram a região. Os líderes de Kanabi apelaram a uma investigação internacional dos crimes de guerra cometidos.
Em Cartum do Norte, os combatentes das SAF executaram 18 pessoas acusadas de serem colaboradoras das RSF com base na sua etnia, de acordo com as Nações Unidas. Os chefes militares atribuíram a responsabilidade dos assassinatos a soldados individuais e negam que tenham qualquer política que permita tais acções.
“As Forças Armadas do Sudão estão completamente empenhadas em defender as leis do Sudão, as leis da guerra e as resoluções internacionais,” o porta-voz das SAF, Nabil Abdullah, disse à Al Jazeera.
Durante o seu conflito de quase dois anos, tanto as SAF como as RSF têm sido acusadas de forma credível e repetida de violações de direitos humanos e de potenciais crimes de guerra contra os civis que lutam para sobreviver no meio dos combates. Em 2024, uma missão de apuramento de factos das Nações Unidas condenou ambas as partes pelo bombardeamento indiscriminado de escolas, hospitais, redes de comunicação e de abastecimento de água e electricidade. Afirmou que tanto as SAF como as RSF visavam civis em ataques, bem como através de violações e outras formas de violência sexual, detenções arbitrárias, tortura e maus tratos.
De acordo com o Sudan War Monitor, os combatentes das RSF mataram recentemente um grande número de civis no Estado do Nilo Branco, disparando indiscriminadamente contra as aldeias em redor da comunidade de al-Gitaina. O número de mortos não está claro.
As RSF têm um historial de décadas de violência contra grupos não árabes, como os Masalit na região de Darfur. O actual conflito não tem sido diferente, com os combatentes das RSF a atacarem os Masalit e outros grupos étnicos em todo o Darfur.
“A gravidade destas constatações sublinha a necessidade de uma acção urgente e imediata para proteger os civis,” declarou Mohamed Chande Othman, presidente da missão de inquérito.
Em Janeiro, as RSF lançaram mais um ataque contra o Hospital Maternal Saudita de El-Fasher, o último hospital em funcionamento no Darfur do Norte controlado pelas SAF. O ataque matou 70 pessoas. O hospital saudita foi atacado pelo menos seis vezes pelas forças das RSF nos seus esforços para arrancar o Darfur do Norte ao controlo das SAF.
“Na altura do ataque, o hospital estava cheio de doentes a receber cuidados,” o Director-Geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, escreveu num comunicado em que condena o ataque. “Continuamos a apelar à cessação de todos os ataques aos sistemas de saúde no Sudão e a permitir o acesso total para a rápida recuperação das instalações que foram danificadas.”
Em todo o Sudão, os combates danificaram ou encerraram 80% das instalações médicas do país. Por seu lado, as SAF lançaram ataques de artilharia contra mercados públicos movimentados e bairros frequentados por combatentes das RSF. Nestes casos, a maioria das vítimas eram civis inocentes.
O Sudan War Monitor informou que o controlo das SAF sobre uma comunidade no Estado do Cordofão do Norte incluía abusos contra civis, entre os quais a morte de um civil e o tiroteio e espancamento de outros.
“Dado que as partes beligerantes não pouparam os civis, é imperativo que seja enviada sem demora uma força independente e imparcial com um mandato para proteger os civis,” Othman disse no relatório de investigação da ONU. “A protecção da população civil é primordial e todas as partes devem cumprir as suas obrigações ao abrigo do direito internacional e cessar imediata e incondicionalmente todos os ataques à população civil.”