Novas Drogas Potentes Constituem Preocupação Crescente em África
EQUIPA DA ADF
Ernest Fornah, de 32 anos de idade, está entre o número crescente de viciados de kush na Serra Leoa. Fuma a droga quatro vezes por dia e pode ser encontrado frequentemente sentado com outros consumidores nas ruas e becos de Freetown, a capital.
“Estas drogas estão a matar-nos,” disse ao jornal Financial Times.
O licenciado desempregado e pai de um filho é um emblema da crise da droga no seu país. A kush é barata e abundante, mas para Fornah o efeito é sedutor e os sintomas de abstinência são dolorosos.
De acordo com uma análise apoiada pelo governo da Serra Leoa, a kush é uma droga sintética que contém nitazenos, opiáceos sintéticos que podem ser até 100 vezes mais potentes do que a heroína e até 10 vezes mais potentes do que o fentanil. Os utilizadores podem ficar drogados com uma pequena quantidade, o que os coloca em maior risco de overdose e morte.
Este ano, começaram a aparecer vestígios de nitazenos nas drogas consumidas pelos africanos, marcando um ponto de viragem perigoso num continente que anteriormente era conhecido mais como um ponto de trânsito de drogas.
“O nosso país enfrenta actualmente uma ameaça existencial devido ao impacto devastador das drogas e do abuso de substâncias, em especial da devastadora droga sintética kush,” o Presidente da Serra Leoa, Julius Maada Bio, disse num discurso transmitido pela televisão em Abril, no qual declarou uma emergência nacional.
“A deterioração e a mortalidade alarmante dos nossos jovens devido ao consumo viciante de kush já não é aceitável.”
A kush está presente na Serra Leoa há vários anos e, segundo consta, está a instalar-se nos países vizinhos de Guiné, Guiné-Bissau e Libéria. O governo da Serra Leoa culpa a kush por centenas de mortes e afirmou que, entre 2020 e 2023, os internamentos psiquiátricos ligados à kush aumentaram quase 4.000%.
As Nações Unidas lançaram recentemente um alerta sobre várias misturas de drogas que representam riscos para a saúde em toda a África devido aos seus ingredientes variados e, muitas vezes, desconhecidos.
Foram encontradas misturas perigosas de fármacos, álcool e solventes nestas novas drogas, afirmou o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) no seu Relatório Mundial sobre Drogas, produzido anualmente, publicado no dia 26 de Junho.
O relatório refere que África continua a ser um ponto de trânsito fundamental para a cocaína a oeste, a heroína a leste e a resina de cannabis a norte. Embora o continente seja responsável por metade das quantidades globais de opiáceos farmacêuticos apreendidos entre 2017 e 2021, o UNODC afirmou que esses opiáceos são consumidos principalmente na região.
“Há muito que a África é considerada simplesmente como uma zona de trânsito, o que contribui para a invisibilidade dos consumidores de droga e para o aparecimento de mercados locais,” o Dr. Amado Philip de Andrés, Representante Regional do UNODC para a África Ocidental e Central, disse num comunicado. “Os Estados da região devem continuar a investir na produção de dados, nomeadamente sobre o consumo, para uma melhor assistência.”
- Costa do Marfim: O consumo de Khadafi, uma mistura de tramadol e bebidas alcoólicas energizantes, tornou-se tão generalizado em 2023 que o governo proibiu a importação e exportação dessas bebidas.
- Nigéria: Uma bebida popular chamada Monkey Tail é uma mistura de gin caseiro e sementes, folhas, caules e raízes de cannabis. O abuso de Tramadol também é comum na Nigéria e em partes da África do Norte. Mais de 90% das apreensões globais de tramadol ocorreram em África nos últimos cinco anos.
- África do Sul: O Nyaope é uma mistura de heroína de baixa qualidade cortada com marijuana, produtos químicos de limpeza, veneno para ratos e outras substâncias nocivas. Tornou-se popular em muitos municípios.
- Malawi: Um perigoso cocktail caseiro — conhecido localmente como “Deus me leve” — tornou-se predominante.
“Os mercados locais de droga em África estão a diversificar-se rapidamente, passando de uma predominância de cannabis de origem nacional para uma multiplicidade de drogas em trânsito,” afirmou o UNODC. “Esta diversificação está a exacerbar os desafios de saúde existentes, particularmente porque a disponibilidade de serviços de tratamento de drogas é limitada na África Ocidental.”
Ansu Konneh, director de saúde mental, no Ministério da Segurança Social da Serra Leoa, dirige o primeiro centro público de reabilitação de toxicodependentes do país, inaugurado em Freetown em Fevereiro. Ele disse que a kush devastou a Serra Leoa como nunca tinha visto.
“Está a fazer com que os jovens abandonem a faculdade e está a ter um efeito físico na sua saúde. Vê-se que têm os pés inchados, que têm falência múltipla de órgãos, que estão envolvidos em crimes,” disse à The Associated Press. “É uma situação muito grave. Está a criar desintegração familiar, problemas nas comunidades e estão a morrer todos os dias.”
Austin Demby, Ministro da Saúde da Serra Leoa, disse ao Financial Times que um aumento notável de “cadáveres não reclamados [de consumidores de droga] a aparecer nos mercados e nas morgues dos hospitais fez-nos perceber que se passava algo a que tínhamos de prestar muita atenção.”
Demby, que trabalhou na resposta ao surto de Ébola na África Ocidental em 2014, afirmou que a nova crise dos medicamentos exige a aplicação das lições aprendidas em situações de emergência sanitária anteriores, como a pandemia da COVID-19.
“Se todo o governo e toda a sociedade se empenharem em [encontrar] uma solução … é possível gerir até as piores situações,” afirmou. “Com a kush, tudo o que precisávamos era de um grito de guerra.”
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