Conflitos à Espreita de Países sem Litoral

EQUIPA DA ADF

Os países sem litoral em África pagam preços mais elevados pelos bens e, muitas vezes, enfrentam dificuldades para satisfazer as necessidades dos cidadãos. Esta situação alimenta ressentimentos e pode conduzir a conflitos transfronteiriços.

Musalia Mudavadi, Secretária Permanente do Governo do Quénia e Secretária do Governo para os Assuntos Estrangeiros e da Diáspora, considera que é necessário fazer alguma coisa para dar resposta às preocupações dos 378 milhões de pessoas que vivem em 16 países sem litoral em África.

Num discurso recente proferido na Universidade Internacional dos Estados Unidos, em Nairobi, Mudavadi apelou à criação de um grupo de trabalho para abordar os desafios únicos que estas nações enfrentam.

“Os constrangimentos geoestratégicos que os países sem litoral enfrentam estão a tornar-se cada vez mais os principais motores de conflitos no continente,” disse Mudavadi.

A questão veio à tona depois de a Etiópia ter anunciado que tinha negociado um acordo para obter acesso ao porto no Estado separatista da Somalilândia, em troca do reconhecimento da independência da região. Este acordo irritou os responsáveis somalis que consideram a Somalilândia como parte integrante da Somália. O Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, também fez declarações ameaçadoras sobre a possibilidade de recuperar o acesso ao Mar Vermelho através da vizinha Eritreia.

Num discurso transmitido pela televisão, Abiy disse que a falta de acesso ao porto “impede a Etiópia de ocupar o lugar que deveria ter.” Avisou que se o país não obtivesse acesso ao mar, “é uma questão de tempo, vamos lutar.”

A África Oriental tem sentido de forma aguda a importância do comércio marítimo desde o final do ano passado, quando as companhias de navegação começaram a evitar o Mar Vermelho devido aos ataques dos rebeldes Houthi baseados no Iémen. O impacto em cascata dos desvios de navios perturbou as cadeias de abastecimento em muitos países. Mudavadi disse que é necessária uma acção a nível continental para que os países africanos não fiquem expostos aos caprichos da navegação internacional.

“Na sombra dos conflitos mundiais, não esqueçamos o sofrimento silencioso do nosso próprio povo em África,” afirmou Mudavadi. “Quando o custo do transporte marítimo, do seguro de mercadorias e dos bens aumenta devido à crise do Mar Vermelho, o impacto é possivelmente o dobro para os Estados sem litoral que dependem dos países costeiros.”

Os países sem litoral enfrentam uma série de desafios, incluindo a burocracia fronteiriça que atrasa o comércio, as deficientes infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias e a falta de ligação aos cabos submarinos de fibra óptica necessários para ligações rápidas à Internet.

Um estudo global realizado pelo Banco Mundial em 2014 concluiu que os países sem litoral gastam 3.204 dólares para exportar um contentor de carga, em comparação com 1.268 dólares para os países de trânsito, e 3.884 dólares para importar um contentor, em comparação com 1.434 dólares para os países de trânsito.

O impacto económico é evidente. Dos 16 países sem litoral em África, 13 são classificados pelas Nações Unidas como “menos desenvolvidos.” O nível de desenvolvimento dos países sem litoral é cerca de 20% inferior ao dos países costeiros, segundo a ONU.

Em 2014, a ONU lançou um Plano de Acção de Viena, com a duração de 10 anos, para promover o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento sem litoral. O plano apela ao investimento em infra-estruturas de transportes, à integração regional e à eliminação das barreiras ao comércio.

No entanto, dizem os especialistas, há ainda muito trabalho a fazer para colmatar o fosso entre a terra e o mar.

“Os problemas dos países sem litoral que emanam da logística, que afecta directamente as pessoas, também se relacionam com as dependências destes países em relação aos países vizinhos,” o economista sénior da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Mussie Delelegn, disse no podcast Weekly Tradecast. “Afecta não só os bens comercializáveis normais, mas também os bens que são vitais para a sobrevivência das pessoas … É necessário muito trabalho para colmatar essas lacunas.”

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