EQUIPA DA ADF
Para que o exército de um país seja ético e eficaz, ele deve aderir a certos padrões objectivos. O principal entre eles é a sua pré-disposição para se sujeitar ao governo civil.
Este nem sempre foi o caso dos países africanos desde que a era da independência começou, e alguns países ainda enfrentam dificuldades para satisfazer este padrão básico, mas vital.
Émile Ouédraogo, um coronel reformado do exército do Burquina Faso e professor-adjunto de práticas no Centro de Estudos Estratégicos de África, alista quatro dos principais obstáculos no seu estudo “Avançando o Profissionalismo Militar em África.”
Os obstáculos são os legados coloniais, preconceitos étnicos e tribais, um exército politizado e uma política militarizada e ainda uma falta de capacidade operacional ou de missão. Aqui encontra-se uma breve análise de cada um.
O LEGADO DO COLONIALISMO
Os poderes coloniais inevitavelmente estruturaram as suas colónias para beneficiar a sua administração de governo e garantir a segurança daquele regime bem como gerir as populações de uma forma que preserve a autoridade central.
Tudo, desde a localização das capitais nacionais até à demarcação dos limites fronteiriços, serviu os interesses coloniais.
Da mesma forma, os exércitos e as colónias tinham de garantir a segurança enquanto evitavam a possibilidade de rebelião. Os exércitos da África Ocidental “na sua maioria emergiram de exércitos coloniais que foram criados com os objectivos de conveniências políticas para reprimir resistência indígena e servir os interesses geoestratégicos dos poderes coloniais,” Naila Salihu, oficial de programas e pesquisa no Centro Internacional de Treinamento em Manutenção da Paz Kofi Annan, escreveu num relatório para o ACCORD.
Na África Ocidental, as minorias étnicas do norte de países como Gana, Nigéria e Togo foram utilizadas para compor os exércitos coloniais, escreveu Ouédraogo. Fazer isso ajudou os poderes coloniais a contrabalançarem etnias historicamente mais poderosas, concentradas nas regiões do sul.
Em termos mais simples, os poderes coloniais não tinham interesse na construção de instituições de segurança de longa duração que poderiam promover a justiça, relações civis militares saudáveis e boa governação fora dos objectivos coloniais. De facto, escreve Salihu, as autoridades coloniais britânicas e francesas fizeram exactamente o oposto, mesmo numa altura em que os seus governos estavam a fortalecer as suas instituições democráticas nos seus países.
Apesar disso, alguns países emergiram do governo colonial com a capacidade de estabelecer instituições de segurança saudáveis.
“É digno de observar que países como Senegal, que foram capazes de reorganizar o seu exército e institucionalizar as suas relações civis-militares, foram capazes de manter o governo civil,” escreveu Salihu. “Outros países, como Gana, foram incapazes de o fazer e ficaram emaranhados num ciclo de golpes e contragolpes nas primeiras três décadas da independência.”
PRECONCEITOS ÉTNICOS E TRIBAIS
Este obstáculo é aparente em regimes em que os presidentes formam um exército primariamente composto por membros da sua própria etnia ou tribo.
A prática é conhecida como “empilhamento étnico” e pode ter consequências graves para um país, mesmo pelo facto de que fortalece líderes autocráticos.
“Desde a descolonização, preocupados com a possibilidade de tentativas de golpes de Estado e insurgências étnicas, muitos líderes continuaram a depender do recrutamento e da promoção de co-etnias para controlar o exército e garantir a sua lealdade,” Kristen Harkness escreveu no estudo “A Base de Dados do Empilhamento Étnico em África: Quando os líderes utilizam identidade característica para criar lealdade militar.”
O empilhamento pode prevenir golpes e fortalecer regimes a curto prazo, mas excluir certos grupos também leva a instabilidades generalizadas que resultam em manifestações, insurgências e rebeliões étnicas, de acordo com Harkness. Os membros do exército que servem em sistemas como estes “comportam-se de forma diferente para com protestantes e rebeldes provenientes de grupos de fora, moldando práticas de direitos humanos, vigilância, repressão e outros repertórios de violência estatal,” escreveu Harkness.
Práticas de promoção injusta num exército empilhado etnicamente podem prejudicar a eficácia de combate. Quando o exército está diversificado e reflecte o país que serve, tende a ser mais eficaz.
“Um exército composto por tropas das comunidades distribuídas pelo país, por outro lado, pode criar uma fundação forte sobre o qual um Estado democrático pode ser construído,” escreveu Ouédraogo. “Uma força diversificada também cria condições favoráveis para a profissionalização das forças armadas, visto que é mais provável que as promoções sejam meritórias do que baseadas em etnias, a lealdade seria para com o país como um todo em vez de uma etnia em particular.”
EXÉRCITOS POLITIZADOS
Este fenómeno surge quando os líderes dependem das forças de segurança em vez da população civil para obter apoio. Às vezes, certos elementos do aparelho de segurança nacional podem tornar-se tão favorecidos pelos governantes ou partidos no poder e receberem mais financiamento, equipamento e formação do que outros subgrupos dentro das forças armadas.
A precariedade desta prática foi demonstrada na Costa do Marfim, com início em 1960, quando Félix Houphouët-Boigny, o primeiro presidente do país, começou os seus 33 anos no poder. Ele reduziu o tamanho do exército e formou uma milícia leal ao seu partido, composta maioritariamente por pessoal do seu próprio grupo étnico. A sua manipulação, escreveu Ouédraogo, resultou em que alguns oficiais recebessem salários mais elevados do que outros funcionários públicos, cargos no partido e outros privilégios, preparando o caminho para uma futura instabilidade que resultaria numa catástrofe.
Quando Houphouët-Boigny morreu, em 1993, Henri Konan Bédié, assumiu o poder “com a ajuda de alguns oficiais da gendarmaria que pertenciam à sua tribo,” um acto sem precedentes que posicionou o mesmo grupo para ajudar a colocar Laurent Gbagbo no poder, no ano de 2000.
Contudo, anos mais tarde, na Tunísia, sob o governo do Presidente Zine El Abidine Ben Ali, a mesma dinâmica parece ter produzido um resultado contrário. Durante a rebelião da Primavera Árabe, de 2011, as forças armadas daquele país, compostas por 40.000 homens fortes, ficaram desligadas do regime de Ben Ali, que, pelo contrário, favorecia a força da polícia nacional e os guardas presidenciais e nacionais.
Quando os protestantes civis saíram às ruas, os soldados e os seus comandantes recusaram-se a colocar-se entre os protestantes e Ben Ali. Ele fugiu do país, e um movimento longo, complicado e frágil em direcção à democracia começou.
FALTA DE MISSÃO E CAPACIDADE OPERACIONAL
Os exércitos profissionais são educados, bem treinados, suficientemente equipados e possuem orientações claras sobre a sua missão e objectivos. A prontidão para a missão depende amplamente de estruturas de comando e controlo e de relações civis-militares saudáveis.
Como exemplos, Ouédraogo indica para o rápido colapso das forças de segurança do Mali quando atacadas por extremistas islamitas, em 2012, e a facilidade com que as forças rebeldes Seleka assumiram a capital, Bangui, na República Centro-Africana, um ano depois. Potenciais explicações desses fracassos são lacunas na cadeia de comando que levam a uma falta de disciplina, falta de supervisão das aquisições, baixo moral e “uma missão desalinhada ou obsoleta.”
As lacunas na cadeia de comando podem levar a que recrutas das bases cometam crimes que ficam impunes, deixando a impressão de que os soldados estão acima da lei, escreveu Ouédraogo. Por exemplo, na Costa do Marfim de Gbagbo, no ano de 2000, militares leais a Gbagbo mataram civis que contestavam a sua eleição. Eles não foram responsabilizados.
Os exércitos africanos também são conhecidos por serem muito pesados na sua liderança. Ouédraogo indica que antes de 2012, o exército do Mali tinha um general para cada 400 soldados, enquanto uma brigada de infantaria típica da NATO compreende aproximadamente 3.200 a 5.500 tropas e é geralmente comandada por apenas um brigadeiro-general ou um coronel sénior. Esta “inflação de oficiais” pode pressionar os orçamentos e frustrar aqueles que percebem a falta de mérito na promoção, levando a uma falta de disciplina ou baixo moral.
Geralmente, os exércitos são formados para proteger contra ameaças estrangeiras, entretanto este não é o perfil da maior parte dos conflitos africanos. Os exércitos africanos são mais propensos a enfrentarem ameaças internas, como insurgências de extremistas no Mali, norte de Moçambique, norte da Nigéria e Somália, por exemplo.
“O ocidente possui este modelo de um exército disciplinado, neutro, que não interfere, independente da política doméstica,” Jakkie Cilliers, fundador e membro do conselho do Instituto de Estudos de Segurança, disse à revista Foreign Policy. “Mas o modelo africano é de um exército que é utilizado internamente e é parte e parcela de políticas domésticas e alocação de recursos.”
Estas insurgências domésticas chamam atenção para a desconexão entre o mandato do exército e as ameaças mais prevalecentes, escreveu Ouédraogo.
“As forças de segurança africanas, por conseguinte, devem tornar-se claramente mais competentes e profissionais de modo a prevalecer,” escreveu. “A menos que os líderes africanos identifiquem uma missão clara para as suas instituições de segurança e incorporem isso nos seus processos de planificação estratégica, serão incapazes de capacitar e treinar as suas tropas para os verdadeiros desafios de segurança que enfrentam.”