A desconfiança de longa data entre os dois principais líderes políticos do Sudão do Sul ameaça reacender a guerra civil no país, sete anos depois de um acordo de paz ter posto fim à anterior.
No centro das crescentes tensões está a relação entre o Presidente Salva Kiir e o seu rival, o Primeiro Vice-Presidente Riek Machar. Os dois homens controlam forças armadas. Kiir controla a Forças de Defesa Popular do Sudão do Sul (SSPDF) e Machar controla a sua própria milícia, conhecida como Movimento de Libertação do Povo do Sudão em Oposição (SPLM-IO).
Ambos os homens têm também outros grupos armados dispostos a lutar ao seu lado, num país repleto de milícias e armas.
A guerra civil pós-independência do Sudão do Sul, entre 2013 e 2018, matou 400.000 pessoas. Esse conflito foi, essencialmente, uma luta entre Kiir e Machar para decidir quem controlaria o novo país. O Sudão do Sul separou-se do Sudão em 2011, após décadas de luta pela independência do domínio de Cartum.
Um acordo de partilha de poder obrigou Kiir e Machar a trabalhar em conjunto, mas as tensões entre os rivais nunca diminuíram.
“A tendência de défice de confiança começa em meados de Dezembro de 2013 até hoje,” Edmund Yakani, director-executivo da Community Empowerment for Progress Organization (CEPO)-Sudão do Sul, disse à Agência Anadolu da Turquia. “Os dois líderes, desde 2018, estão totalmente empenhados em acusar um ao outro em questões de ausência de vontade política e compromisso.”
Machar protesta contra o facto de o Sudão do Sul não ter realizado eleições presidenciais desde a sua independência. As eleições previstas para Dezembro de 2024 foram adiadas.
A relação tensa entre Kiir e Machar atingiu o fundo do poço em Março, quando Kiir colocou Machar em prisão domiciliária sob a acusação de apoiar uma rebelião contra o governo. Vários aliados de Machar e a sua mulher, a Ministra do Interior Angelina Teny, também terão sido detidos. O adido de imprensa de Kiir, David Majur, negou que Machar e a sua mulher estivessem em prisão domiciliária.
A acusação surgiu na sequência de um incidente ocorrido no início de Março, quando o governo anunciou planos para reconfigurar as forças das SSPDF em Nasir, uma cidade estrategicamente importante perto da fronteira com a Etiópia. Os leais de Machar, conhecidos como Exército Branco, invadiram a base militar do governo em Nasir. Um soldado da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul morreu enquanto evacuava as forças governamentais da cidade.
Mais tarde, o governo fez ataques aéreos contra a região e avisou os civis para abandonarem a cidade.
A ONU exortou Kiir e Machar a colocarem os interesses do país à frente dos seus próprios interesses.
O Representante Especial da ONU para o Sudão do Sul, Nicholas Haysom, disse à DW que as redes sociais estão a contribuir para uma retórica cada vez mais hostil. Grande parte dessa retórica divide-se em linhas étnicas entre os Dinka, o maior grupo étnico do Sudão do Sul, e os Nuer, o segundo maior. Kiir é da etnia Dinka. Machar é da etnia Nuer.
“O que começa como um conflito político transformou-se muito rapidamente num conflito étnico,” Haysom disse à DW.
A complicar ainda mais a situação está a presença das Forças de Defesa Popular do Uganda, que enviaram membros das suas Forças Especiais para apoiar Kiir pouco depois do incidente com Nasir. No dia 20 de Março, o governo do Uganda concordou em enviar mais tropas para o Sudão do Sul. O Ministro da Defesa, Jacob Oboth, disse que a acção era necessária para evitar o que descreveu como “uma potencial catástrofe de segurança.”
Durante a guerra civil de 2013 a 2018, as forças ugandesas estiveram do lado de Kiir. Machar denunciou as actuais acções do Uganda como uma violação do embargo de armas da ONU ao Sudão do Sul.
Os líderes de ambos os lados parecem estar a tentar acalmar os rumores de guerra.
No final de Março, o porta-voz do Serviço Nacional de Segurança do Sudão do Sul, David John Kumuri, informou que mais de 460 membros do SPLM-IO de Machar tinham desertado para a SSPDF ou aderido a outras operações de segurança do governo.
Kumuri assegurou aos desertores e a todos os que seguiram o seu caminho que a sua segurança e protecção estão “garantidas sem reservas.”
Os apoiantes de Machar apelaram à sua libertação da prisão domiciliária e reiteraram a sua dedicação ao diálogo para resolver as diferenças políticas do Sudão do Sul.
O Ministro Nacional da Consolidação da Paz, Stephen Par Kuol, apelou à União Africana e a outros grupos para que ajudem a facilitar esse diálogo.
“A paz só pode ser encontrada no diálogo,” Kuol disse numa conferência de imprensa. “Seja dentro ou fora do país, pedimos a todos os sul-sudaneses que continuem empenhados na paz.”