O Segundo Campo De Batalha

Enquanto A Insurgência Continua No Norte De Moçambique, Os Soldados Ganham Terreno Através De Operações Civis-Militares

EQUIPA DA ADF

Àprimeira vista, um torneio de futebol, uma campanha de alfabetização, a distribuição de alimentos e uma clínica médica podem não parecer parte da luta contra o extremismo violento. Mas vários contingentes da força multinacional na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, estão a considerar estas operações úteis numa região tipicamente desprovida de tais serviços.

A Missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM) está “a envolver as comunidades locais e a liderança, através de vários programas de construção comunitária, com o objectivo de ajudar as comunidades locais e a liderança a recuperar a normalidade e a confiança perdidas, através de actividades terroristas que marcaram a província de Cabo Delgado durante anos,” escreveu o Major Mosala K. Letshwiti, chefe de informação pública no quartel-general da força da SAMIM, na página do Facebook da missão, em Maio de 2023.

Para acabar com uma insurgência, é preciso mais do que apenas vencer no campo da batalha. Os soldados têm de lutar pelos corações e mentes dos civis afectados para que estes se tornem aliados na luta contra os extremistas violentos. Este trabalho é conhecido como operações civis-militares (CMO).

“Em termos de operações civis-militares e do valor que têm, são essenciais para qualquer tipo de esforço de contra-insurgência,” disse o Dr. Daniel Eizenga, investigador e especialista em CMO, no Centro de Estudos Estratégicos de África.

A província de Cabo Delgado tem estado sob o cerco de um grupo chamado Ansar al-Sunna desde 2017. Os insurgentes, conhecidos coloquialmente como al-Shabaab, embora não estejam ligados ao grupo somali, mataram mais de 4.700 pessoas até 9 de Julho de 2023, segundo o Cabo Ligado, uma página da internet que monitoriza a violência na região. O conflito provocou a deslocação de cerca de um milhão de pessoas.

As queixas políticas contra o Estado, exacerbadas por queixas comunitárias locais, são os principais elementos de uma insurgência, disse Eizenga à ADF. As CMO atenuam esta situação, através de vários programas e ajudas, que restabelecem a ligação das comunidades com o Estado de uma forma positiva através de “injecções de curto prazo na economia para ajudar a pôr o motor do desenvolvimento a funcionar novamente.”

As forças militares estão bem equipadas para esse tipo de trabalho, porque têm as cadeias organizacionais e logísticas necessárias em áreas que, de outra forma, poderiam não ter uma forte ligação aos serviços governamentais, disse Eizenga. Uma força como a SAMIM serve para “suavizar o terreno para o governo voltar a intervir” e estabelecer e manter serviços essenciais.

A ajuda aos civis em Cabo Delgado revela-se especialmente importante, visto que os insurgentes estão alegadamente a utilizar dinheiro e alimentos para tentar obter o apoio da população. As tropas da Força de Defesa do Lesoto (LDF) alertaram os residentes da aldeia de Nkonga para esta táctica. Nkonga serviu de base aos insurgentes até que uma ofensiva da SAMIM, em Novembro de 2022, expulsou os militantes e permitiu o regresso dos residentes.

Os membros da Equipa de Combate Alfa da África do Sul doaram dinheiro para comprar calçado para as pessoas que vivem num campo de deslocados internos em Moçambique.

As forças da SAMIM efectuaram operações humanitárias como contingentes individuais e em combinação entre si. Um fornecedor proeminente das CMO foi a Equipa de Coordenação Civil-Militar Alfa, da Força Nacional de Defesa da África do Sul (SANDF), que chegou à província de Cabo Delgado em Julho de 2022.

A Equipa de Combate Alfa montou um acampamento de 500 metros quadrados, conhecido como Base de Mihluri, na zona de Macomia, pouco depois de chegar. Em poucos meses, estava a ser construída uma pista de aterragem em Xinavane, a sul de Macomia.

A equipa trabalhou principalmente nos distritos de Macomia, Mueda e Nangade, prestando ajuda em campos para pessoas deslocadas internamente (PDI), até à sua retirada, em Abril de 2023.

Os soldados sul-africanos visitaram várias vezes o campo de deslocados internos de Xinavane, onde vivem 350 pessoas, na sua maioria em tendas. Em Julho de 2022, a equipa distribuiu pacotes de alimentos a escolas primárias que serviam mais de 3.500 alunos, de acordo com a SANDF. Os membros da equipa voltaram a distribuir alimentos em Novembro de 2022, angariando entre si dinheiro suficiente para comprar panelas e pacotes de papas para acrescentar os produtos alimentares que tinham fornecido. Um mês depois, a equipa doou produtos de higiene feminina a mulheres e raparigas do campo de deslocados internos.

 “A equipa de coordenação civil-militar da Equipa de Combate Alfa da África do Sul depende, sobretudo, da generosidade dos membros destacados, que até agora têm feito donativos ou contribuições do seu próprio bolso,” escreveu o comandante tenente N. Mhlongo, na página do Facebook da SANDF.

Para além de alimentos e outras ajudas, o pessoal sul-africano tencionava criar uma biblioteca para incentivar a alfabetização na região. O esforço começou com uma caixa de livros doada pelo Clube de Leitura Ponelopele em Polokwane, uma cidade da África do Sul.

O pessoal da LDF, em conjunto com os seus homólogos da Força de Defesa Popular da Tanzânia (TPDF), também conduziu uma série de acções civis-militares. Em Maio de 2022, os dois contingentes contribuíram com pacotes de alimentos para as pessoas que vivem no campo de refugiados de Nangade. Algumas das 200 pessoas que se encontravam no campo vivem lá há dois anos. Nangade é o sector atribuído às tropas da LDF e da TPDF no âmbito da SAMIM.

“Estou a ficar sem palavras, porque, mesmo num único dia, nunca pensámos que soldados de países estrangeiros pudessem estender as suas mãos ao povo desamparado de Nangade,” disse o líder do campo, Selehe Saide, em nome dos refugiados.

As forças da LDF e da TPDF juntaram-se aos membros do pessoal do Centro de Saúde de Nangade para realizar um evento de serviços médicos no dia 12 de Maio de 2023. O evento médico, que assinalou o Dia Internacional dos Enfermeiros, prestou serviços gratuitos a 153 pessoas na vila de Nangade e nas aldeias vizinhas, incluindo cuidados primários, rastreio e tratamento da malária. As forças da SAMIM também doaram medicamentos ao centro.

Membros da Equipa de Combate Alfa separam roupas doadas

Alguns dias depois, as tropas da LDF juntaram-se a outras equipas de futebol locais num torneio organizado pela polícia de Nangade para assinalar o Dia da Polícia. O pessoal médico prestou cuidados de saúde, exames e tratamentos a mais de 107 pessoas na aldeia de Alamba.

“Estamos a fazer o nosso melhor para cumprir a nossa missão, daí que nos vejam sempre a patrulhar as vossas áreas e até a visitar as vossas aldeias para estabelecermos uma relação convosco,” o Tenente-Coronel Malefetsane Makhoahle, Comandante do Contingente da LDF, disse às equipas participantes e ao público presente no torneio.

Em Julho de 2023, o pessoal da LDF e da TPDF prestou serviços médicos aos residentes da aldeia do Quinto Congresso, no distrito de Nangade. O Tenente-Coronel Boiketsiso Fonane, vice-comandante do contingente da LDF, disse aos civis que deviam sentir-se à vontade para fazer as suas rotinas normais. “Somos os vossos protectores e os vossos amigos,” disse. “Pedimos-vos que depositem toda a confiança em nós. Estamos prontos para caçar os insurgentes onde quer que se escondam neste distrito. Nunca vos decepcionaremos e saibam que fazemos parte de vocês.”

A COORDENAÇÃO É ESSENCIAL

Pouco mais de um ano após o seu destacamento, em Julho de 2021, a SAMIM começou a mudar o seu foco de operações principalmente militares para uma combinação de operações militares, civis, policiais e correccionais, de acordo com a SADC.

 O Major-General sul-africano, Xolani Mankayi, comandante da força da SAMIM, disse que a transição iria ver as componentes a trabalhar em conjunto para restaurar a paz e a estabilidade em Cabo Delgado. Apelou às partes interessadas para que apoiassem o Plano de Reconstrução de Cabo Delgado, que visa restaurar os serviços públicos, reconstruir as infra-estruturas e promover a recuperação socioeconómica.

Em Julho de 2022, a SAMIM acolheu novas tropas na missão. Nessa altura, o Brigadeiro Simon M. Barwabatsile, do Botswana, vice-comandante da força da missão, explicou a importância da assistência humanitária aos recém-chegados. “Na nossa realização como colectivo, precisamos do envolvimento civil para desempenhar vários papéis, como a realização de programas de construção de confiança, a fim de eliminar a desconfiança na nossa sociedade na província de Cabo Delgado,” disse, de acordo com um vídeo do SA Defence News. “A coesão continua a ser a nossa pedra angular para promover a paz e a segurança, bem como para sustentar o desenvolvimento socioeconómico na província de Cabo Delgado.”

Enquanto as forças da SAMIM procuram alargar a sua acção de proximidade com os civis, seria essencial conhecer os parceiros humanitários e os seus diferentes mandatos e responsabilidades. Para o efeito, a SAMIM e o Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas realizaram uma formação de integração sobre assuntos humanitários para os novos membros da Força de Defesa do Botswana estacionados em Pemba durante o mês de Abril de 2023.

A formação incluiu o quadro jurídico internacional aplicado aos deslocados internos, os princípios da acção humanitária, a legislação internacional em matéria de direitos humanos e os vários intervenientes humanitários na região.

Em meados de 2023, a SAMIM continuava a fazer progressos na sua luta contra os insurgentes. O Governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, disse à rádio Zumbo FM, em Junho de 2023, que mais de 400.000 deslocados internos tinham regressado a casa.

Enquanto a SAMIM continuar em Cabo Delgado, será importante que a missão entregue gradualmente o trabalho de prestação de serviços essenciais ao governo moçambicano. Será um desafio, disse Eizenga. Será necessário um envolvimento político mediado entre as autoridades locais e os funcionários nacionais fora da capital, Maputo, para ajudar a concretizar este objectivo.

“O que se torna crucial é que eles possam passar o testemunho em algum momento.”  


Perfil Da Missão: Missão Da Comunidade Para O Desenvolvimento Da África Austral Em Moçambique (Samim)

A missão da SADC foi enviada para Moçambique a 15 de Julho de 2021, como resposta regional para ajudar o país a combater o terrorismo e os actos de extremismo violento contra civis em alguns distritos da província de Cabo Delgado.

O mandato da SAMIM inclui a neutralização das ameaças terroristas e o restabelecimento da segurança para criar um ambiente seguro, reforçar e manter a paz e a segurança e restabelecer a lei e a ordem nas zonas afectadas da província. Apoia igualmente Moçambique, em colaboração com as agências humanitárias, a continuar a prestar ajuda às populações afectadas pelo terrorismo, incluindo as pessoas deslocadas internamente.

Desde o seu destacamento, a SAMIM recapturou aldeias, desalojou terroristas das suas bases e apreendeu armas e material de guerra, o que ajudou a garantir uma passagem mais segura para o apoio humanitário.

Oito países da SADC enviaram tropas no âmbito da SAMIM. São eles Angola, Botswana, República Democrática do Congo, Lesoto, Malawi, África do Sul, Tanzânia e Zâmbia. As tropas da SAMIM trabalham com as forças moçambicanas e outras tropas, como as destacadas pelo Ruanda, para combater actos de terrorismo e extremismo violento.

Em meados de Julho de 2023, a SADC prorrogou o mandato da SAMIM por mais um ano.

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