Poderão os Líderes Tradicionais Ajudar a Trazer Justiça à Etiópia?

EQUIPA DA ADF

Sahle-Work Zewde pode desempenhar um papel essencialmente cerimonial como Presidente da Etiópia, mas foi muito sucinta ao descrever a situação do segundo país mais populoso de África quando se dirigiu recentemente ao Parlamento.

“Não conseguimos criar uma narrativa nacional que nos una,” afirmou na sessão de abertura, a 9 de Outubro. “Permanecemos divididos e não conseguimos acomodar as nossas diferenças, o que resultou em conflitos e guerras com custos insubstituíveis.”

A violência política e as disputas étnicas e territoriais dilaceram a Etiópia durante anos. Mas depois de uma guerra civil sangrenta de dois anos, o país está a procurar o diálogo, a reconciliação e a justiça.

Os especialistas dizem que o sistema de justiça formal da Etiópia deve ser reforçado pelos sistemas tradicionais, que normalmente tratam dos litígios locais.

“A Etiópia dispõe de uma grande variedade de mecanismos tradicionais de resolução de litígios que ajudam a alcançar a reconciliação, a reparar as relações fracturadas e a preservar a harmonia comunitária,” escreveu o investigador Tadesse Simie Metekia, de Adis Abeba, para o Instituto de Estudos de Segurança.

“Os mecanismos tradicionais podem ajudar a fazer justiça em maior escala e em locais onde o sistema formal tem dificuldades. Uma vez que a Etiópia pretende lidar com múltiplos casos e períodos de violência, o grande volume de casos poderia sobrecarregar o sistema de justiça formal.”

Com mais de 120 milhões de habitantes e mais de 80 comunidades etnolinguísticas, a Etiópia está mergulhada na violência desde Novembro de 2020, quando o exército federal e as milícias regionais lutavam contra a Frente de Libertação do Povo de Tigré, um grupo político e militar da região mais setentrional do país, Tigré.

Os observadores internacionais acusaram todas as partes de cometerem crimes de guerra e violações de direitos humanos. Os combates cessaram com um tratado, em Novembro de 2022, mas novos actos de violência na região vizinha de Amhara ameaçam o frágil processo de paz.

Em Janeiro de 2023, o Ministério da Justiça da Etiópia publicou um documento destinado a iniciar um debate público sobre as opções para a justiça transicional. O relatório expôs os desafios de encontrar um papel para os sistemas de justiça tradicionais:

“Existe experiência de sistemas tradicionais que complementam os processos formais na procura da verdade, amnistia e reconciliação. No entanto … no contexto único da Etiópia, a composição étnica e religiosa extremamente diversificada das suas comunidades implica que será extremamente difícil encontrar um sistema de justiça tradicional que possa ser implementado a nível nacional. Por conseguinte, embora o seu envolvimento seja crucial e isso deva ser reconhecido, o seu envolvimento deve basear-se numa avaliação e identificação adequadas dos papéis em contextos localizados. Isso é conseguido através do reconhecimento do seu estatuto e da definição de assuntos pertinentes e áreas geográficas que requerem a sua participação.”

Estudos demonstram que os etíopes preferem que os litígios sejam resolvidos através dos organismos tradicionais. Um inquérito da Universidade de Harvard, publicado em 2023, revelou que 80% dos etíopes, com pequenas variações consoante as regiões, consideram que devem ser utilizados meios tradicionais para combater a violência.

“A maioria da população pensava que os actores e as instituições tradicionais eram mais do seu interesse e mais pertinentes para a construção da paz do que o sistema de justiça formal,” escreveu Metekia.

Um inquérito realizado em 2021 pelo Instituto de Haia para Inovação no Direito revelou que o sistema de justiça formal da Etiópia resolve normalmente cerca de 18% dos litígios legais por ano, enquanto 43% passam por estruturas tradicionais que envolvem anciãos locais, que tratam de cerca de 3 milhões de litígios por ano.

O Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas mandatou e criou a Comissão Internacional de Peritos em Direitos Humanos sobre a Etiópia (ICHREE), composta por três peritos independentes, em 2021.

Em Setembro de 2023, informou que os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra eram “graves e continuados,” incluindo a violência em Amhara e os ataques das forças da Eritreia contra civis no Tigré.

Ao opor-se à comissão, a Etiópia negou ter cometido abusos sistemáticos, obrigou os investigadores da ONU a trabalharem à distância a partir do Uganda e organizou apoios para acabar com a ICHREE. Em vez disso, o governo tem defendido as suas políticas nacionais de justiça como a melhor via de investigação, que a comissão da ONU descreveu como “profundamente defeituosa.”

O presidente da ICHREE, Mohamed Chande Othman, avisou o Conselho de Direitos Humanos da ONU, a 21 de Setembro, que o fim da investigação seria “uma mensagem devastadora para as vítimas e sobreviventes deste conflito.” Mas o seu mandato caducou a 4 de Outubro, quando um site da ONU mostrou que nenhum país-membro tinha apresentado uma moção para o renovar.

“Não há necessidade de falar de um beco sem saída,” o porta-voz do governo, Legesse Tulu, disse à Reuters.

Com a justiça transitória provavelmente nas mãos das autoridades etíopes, Metekia acredita que os anciãos poderiam liderar ou facilitar as conversações se fosse criada uma comissão de verdade e reconciliação.

“A Etiópia precisa de um conceito de base de paz e justiça que transcenda as comunidades,” escreveu. “Isso ajudaria a mobilizar o apoio público para curar as feridas da nação, compensar e ajudar as vítimas a recuperar, dizer a verdade, recordar o passado e perdoar ou processar os infractores.”

Zewde disse que espera ansiosamente pelo início do diálogo nacional este ano.

“Isso abrirá uma oportunidade significativa para construir um Estado pacífico e inclusivo,” afirmou.

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