Um Modelo Para a Resolução de Conflitos

O Sucesso das Mediações Locais na Nigéria Pode Indicar o Caminho para uma Aplicação Generalizada no Continente

EQUIPA DA ADF

No vasto Cinturão Médio agrícola da Nigéria central, Emmanuel Ogbudu testemunhou o poder das intervenções locais.

Ogbudu, gestor de monitorização e avaliação do grupo humanitário Mercy Corps, passou mais de 10 anos como pacificador. Ele gosta de contar a história de um agricultor de Bokkos, no Estado de Plateau, que chamou a polícia para prender um pastor cujo gado destruiu algumas das suas culturas.

Implorando ao agricultor que retirasse o caso para poderem resolvê-lo em casa, o pastor contactou o seu líder local que tinha sido treinado pelo Mercy Corps em técnicas de negociação. O líder encontrou-se com o agricultor e persuadiu-o a não apresentar queixa.

Depois, a mediação começou a sério, disse Ogbudu. O resultado foi que o pastor pagou ao agricultor uma pequena quantia de dinheiro pelo fertilizante.

“A disputa foi completamente resolvida com ambas as partes satisfeitas,” disse Ogbudu à ADF. “Este é um exemplo para mostrar que as pessoas da comunidade estão realmente confortáveis e confiantes nas capacidades de negociação e mediação dos seus líderes formados e preferem-nos para resolver disputas em vez de as agravar.

“Há muitas histórias deste género.”

Na Nigéria, onde a insegurança paira diariamente como uma nuvem de tempestade sobre algumas partes do país, as pessoas estão a olhar para o poder de abordagens alternativas para a pacificação. Os peritos dizem que o desenvolvimento de ferramentas e técnicas que se adaptem à cultura e tradições locais é fundamental para o sucesso das mediações.

O líder comunitário, Yusuf Dayyabu Garga, consola Yahaya Musa, um sobrevivente de ataques de bandidos em Jos, no centro-norte da Nigéria. Há muito que a região é afectada por conflitos sobre terras e recursos. AFP/GETTY IMAGES

Com base em alguns resultados altamente encorajadores de um estudo recente, os investigadores estão a exortar os líderes a agirem localmente. As implicações, dizem eles, poderiam beneficiar todo o continente.

‘Uma Intervenção de Baixo Custo’

Em 2022, o Índice Global da Paz classificou a Nigéria em 143.º lugar entre 163 países e territórios avaliados.

Para além da insurgência de organizações extremistas violentas e do banditismo e raptos desenfreados, o país sofre de uma procissão aparentemente interminável de disputas comunais ao longo de linhas étnicas, religiosas, culturais e económicas.

Lar de mais de 250 grupos étnicos, a Nigéria tem uma população maioritariamente dividida entre muçulmanos no norte e cristãos no sul. 

As tensões entre aldeias, tribos, vizinhos, agricultores, pastores, bandos, vigilantes e outros podem explodir a qualquer momento. As disputas por ideologia, território e outros recursos transformam-se facilmente em conflitos e derramamento de sangue.

“As pessoas estão à procura de justiça,” disse Kaltumi Abdulazeez durante um painel de discussão de 2021 sobre religião, identidade e conflito na Nigéria.

Como oficial de programa do Centro de Mediação Inter-religiosa de Kaduna, Abdulazeez supervisiona programas de construção da paz em seis Estados do norte da Nigéria e do Cinturão Médio.

”Há um ditado que diz que a paz mais cara é mais barata do que a guerra mais barata,” disse. “Por isso, penso que é mais do que tempo de voltarmos à prancheta de desenho para reformular a estratégia, analisar o contexto deste conflito e também fornecer contexto e soluções locais.”

Uma das chaves para a resolução de conflitos é a confiança.

De acordo com Rebecca Jayne Wolfe, autora principal do relatório de 2022 do Mercy Corps, a confiança forma-se naturalmente entre os líderes locais, tradicionais, espirituais e informais e as suas comunidades.

Solomon Acharga, um agricultor de inhame em Benue, na Nigéria, contempla o armazém vazio da sua quinta. Ameaçados pela insegurança, os agricultores do cinturão agrícola da Nigéria estão a abandonar cada vez mais as suas terras. AFP/GETTY IMAGES

“A presença do Estado [no Cinturão Médio] é extremamente fraca,” disse à ADF. “Se aparece, muitas vezes, não é de confiança.

“E, muitas vezes, quando se vêem pessoas de fora a entrar, isso inflama em vez de reduzir. Pode talvez tornar as coisas estáveis durante algum tempo, mas assim que as pessoas se vão embora, o conflito regressa.”

Financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, o estudo começou com treinamentos de habilidades de mediação em 2019 e foi publicado em 2022.

Os pesquisadores seleccionaram 340 líderes locais de 44 comunidades nos Estados de Benue, Kogi e Plateau para serem formados em mediação.

Nos inquéritos de acompanhamento que compararam essas 44 comunidades com outras 44 onde os líderes locais nos mesmos três Estados não receberam formação, os dados mostraram que as competências de mediação melhoraram a segurança e a confiança.

Seis meses de acompanhamento mostraram uma diminuição acentuada da violência nas comunidades onde os líderes receberam formação em mediação.

Cerca de 30% dos participantes do inquérito nessas comunidades afirmaram ter sofrido um incidente violento durante esse período, em comparação com 55% dos participantes em comunidades onde os líderes não receberam formação.

“O facto de vermos esta diferença, 30% de diferença, é enorme,” disse Wolfe.

Os líderes que receberam a formação sentiram que tinham mais capacidades de resolução de conflitos. Eles e os participantes do inquérito nas suas comunidades sentiram-se mais seguros.

Também classificaram as suas interacções em mediações com líderes de grupos em conflito de forma mais positiva do que aqueles que não receberam a formação.

“Isso é realmente impressionante,” disse Wolfe, “e é uma intervenção de baixo custo.”

Aldeões observam enquanto outros se preparam para evacuar Ganaropp, onde pastores Fulani mataram 35 pessoas na área de Barikin Ladi, perto de Jos, em 2018. Os confrontos sobre a utilização das terras e dos recursos no Estado de Plateau estão a intensificar-se ao longo de linhas religiosas e étnicas. AFP/GETTY IMAGES

Resolver o Conflito a Partir da Raiz

Evitar a escalada de disputas e confrontos locais seria benéfico para qualquer país.

Em África, onde alguns dos extremistas mais violentos estão a aterrorizar civis em várias regiões, melhorar a resolução de conflitos locais pode ser transformador.

Wolfe considera a mediação local uma ferramenta “subutilizada.”

Ao desenvolver uma caixa de ferramentas maior e melhor na Nigéria, a resolução de conflitos a nível local com mediação tem benefícios comprovados para a construção e manutenção da paz.

Ao travar a onda de insegurança em menor escala, as autoridades podem também transferir recursos para zonas com problemas mais complexos.

Estes efeitos em cadeia poderiam ajudar a Nigéria a enfrentar melhor o terrorismo que devasta o nordeste há 14 anos.

“São claramente necessárias abordagens alternativas,” disse Wolfe. “O que está a acontecer não está a funcionar.”

Outro estudo de investigação do Mercy Corps que ela liderou no nordeste da Nigéria trabalhou com líderes religiosos locais que tentavam reconciliar e reintegrar antigos membros do Boko Haram.

“Os dois estudos juntos falam realmente sobre isso — a abordagem mais local,” disse. “Essas figuras de confiança têm muita influência na dinâmica dos conflitos.”

Líderes locais participam num workshop de formação em mediação no centro da Nigéria. MERCY CORPS

A guerra da Nigéria contra o terrorismo e os seus conflitos intercomunitários têm muito em comum e algumas diferenças surpreendentes.

Wolfe registou as vidas perdidas e os prejuízos para a economia do país.

O Mercy Corps gastou 60.000 dólares para formar 340 líderes locais, enquanto o orçamento de segurança da Nigéria aumentou recentemente em 500 milhões de dólares para 4,8 mil milhões de dólares.

A violência intercomunitária no Cinturão Médio custou à economia cerca de 13 mil milhões de dólares e custou mais vidas em 2021 do que o Boko Haram no nordeste, disse Wolfe.

“Esses conflitos que não recebem muita atenção da imprensa podem ter efeitos maiores na vida cotidiana das pessoas,” disse.

Wolfe sabe que a formação de líderes locais em mediação não resolverá toda a violência de um país, mas a resolução de conflitos locais pode complementar outras estratégias de segurança.

É um sentimento que Abdulazeez partilha e quer fazer avançar.

Ela gostaria de ver mais membros da comunidade, especialmente vítimas de violência, envolvidos na construção da paz e na mediação.

“Também é importante que lhes demos a oportunidade de serem donos do processo,” disse. “Devem fazer parte do planeamento e da execução.

“Se começarmos a envolvê-los em todo o processo, não estamos apenas a reforçar as suas capacidades, estamos a dar-lhes um papel de liderança para poderem gerir e mitigar conflitos e facilitar o diálogo comunitário e os processos de mediação.”  

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