Legado Venenoso do Governo de al-Bashir Cria Violência no Sudão

EQUIPA DA ADF

Quando o governante sudanês de longa data, Omar Al-Bashir, se demitiu perante uma revolta popular, havia esperança de que uma nova era estivesse a começar.

No entanto, três anos depois, quando o país está a mergulhar no caos, muitos acreditam que as décadas de má governação de al-Bashir e a má gestão do exército prepararam o caminho para o colapso da nação.
Mesmo nos dias felizes que se seguiram à revolta civil, houve quem alertasse para o facto de o líder cessante ter deixado o país numa posição perigosa.

“Os 30 anos [do regime de al-Bashir] foram realmente horríveis porque a ditadura militar foi muito dura com o povo — prenderam muitas pessoas, puseram-nas na prisão, trataram-nas mal na prisão, até as mataram,” Mahjoub Mohammed Salih, editor reformado do jornal El Ayam, disse numa entrevista à Radio France Internationale.

Salih, que tinha 94 anos quando al-Bashir deixou o poder e que viveu três golpes militares, disse que o Sudão estava numa situação tão má como o que ele se conseguia lembrar.

“Os partidos políticos estão em mau estado, a sociedade civil está em mau estado e o país e a situação económica estão em frangalhos,” afirmou.

Talvez o mais perigoso tenha sido a criação de duas forças armadas rivais por al-Bashir. Uma delas, as Forças de Apoio Rápido (RSF), é dirigida pelo General Mohamed Hamdan Dagalo, vulgarmente conhecido por Hemedti. Começou por ser o líder da milícia Janjaweed no início da década de 2000, lançando ataques de terra queimada contra a população de Darfur. A campanha matou 300.000 pessoas e levou o Tribunal Penal Internacional a acusar al-Bashir de crimes contra a humanidade.

Em 2013, al-Bashir elevou Hemedti a comandante das RSF, uma força paramilitar. As RSF cresceram e passaram a incluir cerca de 100.000 soldados e começaram a desafiar as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, pela primazia.

“É esse o legado da era al-Bashir. O Sudão tem dois exércitos de facto,” Suliman Baldo, director do Sudan Transparency and Policy Tracker, disse ao jornal Le Monde. “Cada um deles tem uma força de ataque a nível nacional, recruta em todo o país, tem as suas próprias fontes de financiamento e a sua rede de alianças internacionais.”

As duas forças armadas que estão agora a lutar nas ruas de Cartum têm incentivos para defender o seu território: há milhões de dólares em jogo. Sob o regime de al-Bashir, as SAF e as RSF expandiram-se para controlar empresas que vão desde bancos a minas de ouro e conglomerados agrícolas. Um relatório do Centro de Estudos Avançados de Defesa identificou 408 entidades empresariais controladas por membros do sector da segurança.

Para al-Bashir, permitir que as elites militares e civis saqueassem a economia era uma forma de se proteger.
“Al-Bashir conseguiu manter-se no poder durante trinta anos, fragmentando os serviços de segurança e jogando-os habilmente uns contra os outros para evitar que qualquer um deles se tornasse suficientemente poderoso para lançar um golpe bem-sucedido,” escreveu E. J. Hogendoorn, antigo director-adjunto do Programa de África, do Grupo Internacional de Crise, num artigo para o Atlantic Council. “Em troca da sua obediência, os chefes militares e políticos foram autorizados a controlar grande parte da economia e a acumular grandes riquezas.”

Durante o governo de transição liderado por civis que durou de 2019 a 2021, os líderes anticorrupção começaram a desmantelar o sistema de patrocínio de al-Bashir, afastando funcionários corruptos, investigando empresas militares e tributando-as. O primeiro-ministro civil, Abdalla Hamdok, considerou “inaceitável” que os militares se tenham envolvido na economia da forma como o fizeram. Meses depois, foi deposto num golpe de Estado de 2021 liderado por al-Burhan.

Os analistas dizem que este golpe foi a velha guarda a proteger os seus interesses.

“Bashir pode ter caído em 2019, mas os seus sucessores militares preservaram grande parte das infra-estruturas do seu regime,” escreveu Willow Berridge, professora da Universidade de Newcastle, para o The Conversation. “Os resquícios desta situação continuam a minar a transição democrática no Sudão, com consequências desastrosas.”

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