Minas Terrestres Assombram o Zimbabwe 40 Anos Depois Da Guerra

Aquele País da África Austral Espera Estar Livre de Minas Até 2025

POR CYRIL ZENDA

Talakufa Mudzikiti pensou que o cessar-fogo de 1979, que dava um fim à guerra de 15 anos do Zimbabwe, faria com que fosse seguro procurar pelo gado perdido da sua família. Acabaria por ser uma aventura dispendiosa da qual ele agora se arrepende.

Enquanto vagueava pela floresta, próximo da aldeia de Dumisa, na região sudeste do Zimbabwe, pisou numa mina antipessoal que explodiu a sua perna esquerda. “A minha vida ficou destruída naquele dia … todos os meus sonhos ficaram desfeitos,” disse. Mudzikiti, agora com 70 anos de idade, não é o único em sofrimento devido ao legado das minas terrestres utilizadas num conflito armado.

Mudzikiti e os seus colegas aldeões encontram-se entre os mais de 2.000 zimbabweanos que estão mutilados, mas vivos. Aproximadamente outras 1.700 pessoas foram mortas por minas terrestres nas últimas quatro décadas.

Faixas Espessas de Contaminação por Minas Terrestres

Zimbabwe, anteriormente conhecido como Rodésia, ganhou a independência em 1980, colocando um fim a 90 anos de colonialismo e dominação da minoria branca. A década de 1970 foi marcada por uma guerra brutal no mato que ceifou mais de 50.000 vidas.

Para deter os combatentes da libertação, impedindo-os de entrar no país, vindos de países vizinhos, como Moçambique e Zâmbia, o exército rodesiano implantou aproximadamente 3 milhões de minas antipessoais, entre 1974 e 1979, em cinco principais campos minados em 850 km da fronteira leste e norte do país. 

Faixas espessas de minas terrestres — algumas com cerca de 5.500 por quilómetro quadrado — na fronteira do Zimbabwe com Moçambique, impediram o desenvolvimento em comunidades marginalizadas. 

Até Setembro de 2018, considerava-se que as minas abrangessem mais de 66 quilómetros quadrados de terra. Um inquérito da região nordeste do Zimbabwe identificou 87 comunidades que contém mais de 75.000 pessoas directamente afectadas por minas.

Um especialista em desminagem líbio mostra uma mina enterrada que se acredita que tenha sido implantada pelo exército do antigo líder Muammar Kadhafi, próximo do Aeroporto Internacional de Mitiga, nos arredores de Tripoli.
AFP/GETTY IMAGES

O inquérito também concluiu que 78 campos minados se encontravam a menos de 500 metros de zonas residenciais.

As minas terrestres bloqueiam o acesso a terras residenciais, inibem o comércio transfronteiriço, impedem que os agricultores de pequena escala tenham acesso às terras de cultivo, separam comunidades de fontes primárias de água e afectam adversamente o saneamento e a produção do gado. Como resultado, as zonas mais afectadas possuem níveis desproporcionais de pobreza e elevadas taxas de insegurança alimentar.

Estratégia Nacional de Acção Contra Minas

Como signatário da Convenção de Proibição de Minas Antipessoais, o governo do Zimbabwe está comprometido em trabalhar para alcançar a meta de 2025, de tornar o país livre de minas terrestres, colocando em operação a Autoridade Nacional de Acção Contra Minas do Zimbabwe, um órgão de política e regulamentário para a acção contra minas naquele país. Subordinado à autoridade encontra-se o Centro de Acção Contra Minas do Zimbabwe (ZIMAC), que coordena a actividade de desminagem daquele país. Em 2018, o Zimbabwe lançou a sua Estratégia Nacional de Acção Contra Minas 2018-2025.

O país possui cinco missões de desminagem: a Unidade Nacional de Remoção de Minas, do Exército Nacional do Zimbabwe, a HALO Trust, o Mines Advisory Group, a Ajuda Popular da Noruega (APN) e a APOPO, registada na Bélgica, ou Desenvolvimento de Produto de Remoção de Minas Terrestres Antipessoais.

Sten-Trygve Brand, consultor da Acção Contra Minas e Desarmamento da APN, disse que o trabalho de remoção de minas da organização beneficiou directamente mais de 70.000 pessoas no Zimbabwe.

“Fazemos parte dos esforços de desminagem humanitária no Zimbabwe desde 2012… e actualmente operamos com cinco equipas de desminagem e uma equipa MDD [detenção de minas por caninos],” disse Brand por e-mail.

A APN tem estado a trabalhar em três campos minados com uma extensão total de 16,7 km quadrados na fronteira leste com Moçambique, nomeadamente de Leacon Hill à Floresta de Sheba, de Burma Valley e Rusitu a Muzite. Destes, a remoção no campo minado de Burma Valley foi concluída e o mesmo foi entregue em 2015, protegendo 253 agregados familiares. No fim de 2020, a APN tinha destruído 26.982 minas antipessoais e tinha ficado com uma zona de contaminação estimada em 7,2 quilómetros quadrados, que pretende concluir até 2024.

“A remoção de minas e a entrega das terras ao longo da fronteira possibilitou que as comunidades e as autoridades se envolvessem em actividades como controlo da fronteira, agricultura, acesso à água potável, aulas em escolas próximas das suas aldeias, pastagem do gado, assim como interacção transfronteiriça sem a ameaça de acidentes, que podem resultar em perda de um membro ou da vida,” disse a APN.

O trabalho de remoção de minas terrestres da HALO centra-se na região nordeste do país, onde esteve a trabalhar desde 2013 e destruiu mais de 100.000 minas terrestres. 

“Surpreendentemente, este número representa aproximadamente quatro minas terrestres por cada pessoa daquela parte do país,” disse a organização. “Somente no ano passado, a equipa da HALO no Zimbabwe removeu aproximadamente 10% de todas as minas terrestres destruídas em todo o mundo.” 

Animais em Vias de Extinção Também são Mortos

Para além do número de mortes e ferimentos causados em seres humanos, as minas antipessoais mataram mais de 120.000 cabeças de gado. As minas também mataram números incontáveis de animais selvagens como elefantes, rinocerontes, leões e girafas. Alguns dos campos minados estendem-se até ao Parque Nacional de Gonarezhou, que faz parte do Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo, que abrange três países. O maior parque inclui partes de Moçambique, África do Sul e Zimbabwe e permite a livre circulação da vida selvagem.

Vítimas de minas esperam para começar a fisioterapia numa enfermaria do centro ortopédico Agostinho Neto, em Huambo, Angola. AFP/GETTY IMAGES

A APOPO começou o trabalho de desminagem em Dezembro de 2020 ao longo do campo minado de Cordon Sanitaire, que afecta o Corredor da Vida Selvagem de Sengwe, na parte sudoeste do país. Pretende encontrar e destruir cerca de 15.300 minas terrestres e remover minas em 7,23 km quadrados.

“A APOPO acredita que será capaz de concluir a tarefa até 2025 ou antes com um apoio de um doador consistente,” disse a organização. 

“Removendo as minas terrestres, a APOPO pode estabelecer fundações fortes para que as comunidades possam reconstruir as suas vidas e para a agricultura e o ecoturismo voltarem a desenvolver, trazendo muitos benefícios para o país como um todo.”

Dificuldades Financeiras Atrasaram a Desminagem

O Exército Nacional do Zimbabwe recusou-se a comentar. Sabe-se, contudo, que dificuldades financeiras impediram os esforços de desminagem. De acordo com a revisão do plano de trabalho de acção contra minas do ZIMAC para 2020-2025, submetido para Revisão da Acção Contra Minas, o programa de acção contra minas precisa de 65,6 milhões de dólares para cumprir o seu prazo prorrogado de 2025. 

O ZIMAC informou à Revisão da Acção Contra Minas que as dificuldades económicas em 2018 limitariam o potencial do governo para aumentar qualquer financiamento para a acção contra minas, embora esperasse que o nível de financiamento anual de 500.000 dólares fosse mantido. 

Os desafios financeiros que o exército zimbabweano enfrenta foram, no passado, confirmados pela Ministra da Defesa, Oppah Muchinguri-Kashiri, que disse que o exército tem tido falta de financiamento mesmo para operações básicas.

Aldeões Estão Gratos e Esperançosos

“Estamos felizes com o processo de desminagem que está a decorrer, mas o governo devia encontrar uma forma de compensar,” Mudzikiti disse numa entrevista. Os seus sentimentos são partilhados por outras vítimas e familiares daqueles que foram mortos.

Lisimati Makoti, que é Líder Sengwe, na região de Chikombedzi, elogiou o exercício de remoção de minas terrestres e disse que é uma iniciativa nobre, porque o seu povo tinha continuado a sofrer muito depois de a guerra ter terminado.

“Estamos gratos por este exercício de desminagem,” disse. “Já estava há muito tempo atrasado, porque o meu povo vivia em risco de perder a vida por causa de minas terrestres. … Muitos também perderam o seu gado para as minas terrestres.”  

SOBRE O AUTOR

Cyril Zenda é um jornalista residente em Harare, Zimbabwe. Os seus artigos foram publicados no Fair Planet, na TRT World Magazine, The New Internationalist, Toward Freedom e SciDev.Net.

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