EQUIPA DA ADF
Os soldados do exército tunisino estavam na aldeia de Kesra, em Julho de 2021, a desempenhar tarefas que antes pareciam inimagináveis. No centro de saúde da aldeia, soldados armados com espingardas montaram guarda do lado de fora, enquanto os médicos militares administravam a vacina da COVID-19 dentro da unidade sanitária.
A Tunísia estava a enfrentar o seu pior aumento significativo da COVID-19 desde que a pandemia começou há mais de um ano, e o governo ordenou que o exército ajudasse a liderar a resposta.
Os profissionais de saúde militares vacinaram milhares de pessoas em Kesra e outras aldeias no centro do país. O presidente tunisino, Kais Saied, disse que enviaria helicópteros militares para as regiões montanhosas para fazerem a entrega de vacinas nas zonas remotas.
Uma residente de Kesra, Rafika Achour, disse que tinha sido convidada duas vezes para ser vacinada, mas recusou-se. Entretanto, a reputação dos soldados da Tunísia fez com que ela mudasse de ideia.
“Quando ouvi falar da chegada do exército, decidi vir receber a vacina… para mim, [o exército] é mais honesto do que os outros,” disse Achour ao The Associated Press.
A Tunísia fez mais do que enviar soldados para ajudarem com as vacinações. O presidente, frustrado com a falta de progresso da luta do seu país contra o vírus, anunciou, em Julho de 2021, que estava a entregar a gestão da crise de saúde da COVID-19 ao departamento de saúde do seu exército.
Outros países africanos também chamaram o pessoal médico do seu exército para ajudar na luta contra a pandemia. A África do Sul destacou mais de 70.000 tropas no início do surto, em 2020, para fazer cumprir o seu confinamento obrigatório. Desde essa altura, o país enviou pessoal militar médico para os hospitais da província de Gauteng, o coração comercial do país, para ajudá-los a lidar com os números de casos de COVID-19 que cada vez mais aumentavam.
Agora, mais de um anos depois dos encerramentos iniciais causados pela COVID-19, os líderes africanos estão a olhar para como as coisas decorreram, esperando aprender desta experiência única.
CONFINAMENTOS OBRIGATÓRIOS NECESSÁRIOS
Quando a COVID-19 atingiu a África, no início de 2020, os líderes de muitos países impuseram confinamentos obrigatórios, tentando manter as pessoas em casa para não interagirem com os outros e propagarem a doença. Quando os cidadãos resistissem aos confinamentos, os soldados eram enviados para o terreno para assumirem o controlo. Em alguns casos, isso não funcionou conforme o planificado, com as tropas de países como Quénia, Nigéria e África do Sul a serem acusadas de terem reagido excessivamente aos protestos.
Não há dúvidas de que os confinamentos obrigatórios que o exército exigia que se cumprissem eram necessários. No caso da África do Sul, o Presidente Cyril Ramaphosa teve a escolha de reduzir a propagação do vírus com um confinamento obrigatório ou arriscar punir um sistema de saúde já enfraquecido a ponto de chegar a um colapso.
“Diante desta escolha,” comunicou o periódico Journal of the Law and Biosciences, em Julho de 2020, a decisão de Ramaphosa “de encerrar o país não pode ser criticada e pode ser que tenha sido decisiva para conter e reduzir a propagação do vírus.”
África do Sul teve algum tempo para preparar a sua resposta à pandemia. Passaram-se semanas antes que a doença chegasse às suas fronteiras. O país, com base naquilo que tinha aprendido de crises semelhantes pelo mundo, sabia da importância de preparar uma resposta. Mas a sua reacção chegou tarde.
Na reportagem de Julho de 2020 da revista “Between a rock and a hard place: COVID-19 and South Africa’s response (Entre a espada e a parede: COVID-19 e a resposta da África do Sul),” os pesquisadores disseram: “Tendo em consideração o tempo que foi necessário para chegar às suas fronteiras, a África do Sul tinha tempo para preparar uma resposta à COVID-19 e buscar da importância da sua resposta de comunidade informada para com outras epidemias. Contudo, apesar do impacto que estes regulamentos iriam ter sobre a sociedade civil, a falta de deliberação pública e de envolvimento comunitário no desenvolvimento destes regulamentos é preocupante.”
Houve uma adesão inadequada por parte do público, o que levou a protestos e violência. Uma grande lição que qualquer país pode aprender da pandemia da COVID-19 é de que nunca é cedo demais para envolver o público.
África do Sul, como outros países, sabia que tinha de fazer cumprir as restrições de movimento e outras actividades e sabia que as pessoas iriam resistir a estas normas. Mas os especialistas acreditam que não foi feito o suficiente para educar o público sobre aquilo que estava por vir e solicitar contribuições do público sobre o que era necessário para garantir a sobrevivência económica durante os confinamentos obrigatórios. A resposta “militarizada” da África do Sul resultou em oito mortes nas mãos da polícia durante a primeira semana dos confinamentos obrigatórios e cenários infelizes como a prisão de todos os participantes de uma festa de casamento.
“A resposta do governo da África do Sul é caracterizada por uma confiança exagerada e fé depositada no poder da lei criminal,” comunicaram os pesquisadores. “Esta resposta militarizada era muito evidente, com o presidente Ramaphosa a aparecer de uniforme militar na noite em que o confinamento obrigatório total iniciou. O não cumprimento de algumas das restrições do confinamento obrigatório pode resultar em prisão de até 6 messes, multa ou ambas.”
A FORMAÇÃO MILITAR PÁRA
Com a pandemia, os treinos não obrigatórios do exército foram paralisados e ainda não tinham sido reiniciados na totalidade até meados de 2021. Por exemplo, o programa de Ensino e Formação Militar Internacional do Departamento do Estado dos EUA forma milhares de pessoas, militares e civis, numa variedade de tópicos, desde o ensino superior para oficiais militares seniores até as técnicas de primeiros socorros e de salvamento para pessoal alistado. Em 2019, o programa formou 5.181 estudantes estrangeiros de 153 países, com maior parte deles sendo formados nos seus países de origem. Muito poucos viajaram para os Estados Unidos.
A COVID-19 não encerrou o programa, mas impediu que o pessoal dos EUA pudesse viajar para o exterior para ensinar no local. Sem instalações de ensino online disponíveis, como videoconferências, a formação de desenvolvimento da carreira nos exércitos de África fica impraticável. Os líderes militares aprenderam da forma mais difícil que, no futuro, devem confiar mais em videoconferências para formação nas salas de aula.
Esta formação requer acesso a uma ligação à internet estável, uma fonte de energia confiável, computadores e conhecimento de como operar os sistemas.
Tendo dito isto, em quase todos os tipos de ensino, as videoconferências nunca irão substituir completamente as aulas presenciais.
“Tradicionalmente, o mercado africano favorece a aprendizagem baseada na sala de aulas e isto dá espaço para debates e resolução de problemas como um grupo — a aprendizagem com base num cenário é sempre destacada como um benefício fundamental,” comunicou o International Security Journal. “Ser capaz de resolver trefas definidas traz a teoria para vida e possibilita que o tutor estimule a mente dos alunos para saírem do modo de pensar obsoleto dos seres da segurança de ‘portões, guardas e armas.’”
RESPONDER A RECLAMAÇÕES
Muitas organizações militares possuem meios de solicitar o feedback, incluindo as reclamações do público. Em 2012, a Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF) criou o Gabinete do Provedor do Exército Sul-africano, para lidar com queixas de membros actuais e antigos das forças de defesa. O gabinete também investiga as reclamações do público, relacionadas com o exército.
Quase que desde o início do confinamento obrigatório da COVID-19, noticiou a Agência Africana de Notícias, os cidadãos começaram a apresentar queixas ao gabinete do provedor sobre o uso excessivo de força e a agressão física pelos soldados da SANDF. O Daily Maverick, da África do Sul, comunicou, em Junho de 2020, que o gabinete do provedor tinha recebido 32 queixas sobre a conduta dos soldados durante o confinamento obrigatório, incluindo a morte de um homem de 40 anos de idade proveniente de Alexandra a quem os soldados tinham acusado de ingerir bebidas alcoólicas em público.
Antes do confinamento obrigatório, o gabinete do provedor tinha, na essência, trabalhado com as queixas dos seus próprios soldados. Provou desde então ser uma válvula de segurança valiosa, dando ao público os meios necessários para apresentarem as suas queixas.
PROTEGENDO AS SUAS FRONTEIRAS
Dos sete continentes, África possui o maior número de países, 54 ao todo. Historicamente, a cooperação das fronteiras entre os países não tem sido forte. A pandemia obrigou cada país a repensar a segurança das suas fronteiras para reduzir a propagação do vírus. Os países africanos tiveram de adoptar um acto de equilíbrio, manter o vírus fora enquanto permitem os movimentos fronteiriços e o comércio.
Um resultado típico da mudança de política de encerramento e abertura foi visto em Julho de 2021, quando o presidente senegalês, Macky Sall, ameaçou encerrar as fronteiras do seu país e reimpor um estado de emergência depois de o Senegal ter registado um recorde no número diário de casos de COVID-19 pela terceira vez numa semana.
“Gostaria de dizer com toda a clareza que, se os números continuarem a subir, tomarei todas as medidas necessárias, incluindo se isso significar regressarmos a um estado de emergência ou encerrar as fronteiras ou proibir as movimentações,” disse Sall, num discurso transmitido pela televisão.
Uma falta de políticas de segurança das fronteiras coordenadas não é algo novo para os países africanos. No seu estudo de Dezembro de 2020, “Garantindo a segurança e estabilizando as fronteiras na África do Norte e Ocidental,” o autor Matt Herbert disse que os países precisavam de “enfatizar a coordenação, remover os conflitos em termos de papéis e mandatos e desenvolver uma compreensão holística da missão de segurança da fronteira, os seus desafios e o papel do envolvimento positivo com as comunidades fronteiriças.”
Herbert, escrevendo para o Instituto de Estudos de Segurança, fez várias recomendações. Uma em particular: Minimizar o papel do exército na segurança das fronteiras a favor de unidades policiais.
Outras recomendações incluíam:
Ter em conta o impacto das abordagens de segurança dos países vizinhos nas fronteiras um do outro.
Ter em consideração a capacidade e a habilidade das forças dos Estados vizinhos para moldar positivamente as tendências transfronteiriças.
Desenvolver iniciativas que não estão apenas focadas para a segurança, mas também para o desenvolvimento sustentável.
Enfatizar a reforma regional, quer como parte de iniciativas concebidas a nível central ou por meio de programas.
Enfatizar a coordenação, remover os conflitos nos papéis e mandatos e desenvolver uma compreensão holística da missão de segurança da fronteira, os seus desafios e o papel do envolvimento positivo das comunidades fronteiriças.
“As unidades militares podem desempenhar um papel benéfico no combate à violência transfronteiriça e ao terrorismo transnacional, mas a sua utilidade contra o contrabando e a criminalidade é mais duvidosa,” concluiu Herbert. “O risco de uma confusão a longo prazo dos papéis dos civis e do exército provavelmente supera os benefícios a curto prazo para a eficácia operacional dos sistemas de segurança das fronteiras.”