O Que Há por Trás dos Golpes de Estado Precipitados da África Ocidental?

EQUIPA DA ADF

A notícia de que uma junta tinha deposto o presidente burquinabê, Roch Marc Christian Kaboré, o único chefe de Estado democraticamente eleito na história daquele país, pareceu familiar.

Era o quarto golpe de Estado militar bem-sucedido na África Ocidental nos últimos 18 meses, depois de Mali, em Agosto de 2020 e Maio de 2021, e Guiné, em Setembro de 2021.

Num continente que já teve 11 golpes de Estado na década passada e pelo menos 20 tentativas de golpe de Estado, a África Ocidental destaca-se pela sua recente agitação.

A pergunta é porquê?

Cada golpe de Estado possui diferenças distintas e ao mesmo tempo possui uma ligação, disse Paul Melly, que estuda o Sahel como um consultor do programa de África, da Chatham House.

“Enquanto um golpe de Estado sucedia o outro, isso gerou um sentimento mais amplo de destabilização,” disse à revista Quartz África. “Os soldados que contemplavam as tentativas de golpe de Estado podem sentir-se cada vez mais capacitados pra o fazerem.”

Desde que se tornou um país independente, a sucessão no Mali veio essencialmente através de golpes de Estado. Protestos prologados sobre a insegurança no Mali causaram a deposição do seu mais recente presidente eleito, Ibrahim Boubacar Keïta. Houve o anúncio de 11 mortes e 124 ferimentos durante os protestos.

As reclamações do público incluíam a corrupção no governo, a não protecção de cidadãos da violência contínua dos insurgentes islamitas violentos e a pandemia da COVID-19, que colocou uma economia que já enfrentava dificuldades numa profunda queda em espiral.

O presidente da Guiné, Alpha Condé, o primeiro presidente democraticamente eleito daquele país, venceu a reeleição em Outubro de 2020, mas houve protestos quando ele fez alterações na constituição para possibilitar que ele concorresse para um terceiro mandato aos 83 anos de idade.

O Burquina Faso experimentou uma onda de protestos depois de uma série de ataques mortais perpetrados por terroristas ter chegado ao país vindo do norte.

Gilles Yabi, presidente do grupo de reflexão sediado no Senegal, WATHI, disse que, em termos gerais, a mensagem é que as pessoas estão fartas e querem os seus governos produzam resultados.

“Existe certamente uma tendência de regressão democrática na região,” disse ao canal de televisão Deutsche Welle. “O que os países da região precisam não é apenas eleições, não apenas democracia, mas também Estados que trabalham para os interesses do povo.

Cada golpe de Estado da África Ocidental destaca a miríade de razões para a instabilidade regional.

As populações perdem a fé nos governos quando manipulam os processos democráticos e são incapazes de lidar com a pobreza ou defender os seus cidadãos da violência.

A falta de sucesso na luta contra os grupos terroristas pelas forças sahelianas e internacionais levou a muitos protestos na região.

Devia-se esperar que se revidasse a França e a Europa, disse Andrew Lebovich, um especialista em política e matérias ligadas ao Sahel, no Conselho Europeu de Relações Exteriores.

“Enquanto as pessoas ficavam preocupadas e frustradas com a situação de insegurança, a culpa recaía injustamente ou não sobre os parceiros tradicionais e sobre os parceiros actuais,” disse à Voz da América, em Janeiro.

Outros especialistas ligaram a série de golpes de Estado à falta de eleições livres e justas.

O antigo presidente somaliano, Hassan Sheikh Mohamud, que perdeu em 2017 para Mohamed Abdullahi Mohamed, conhecido como Farmaajo, liga os golpes de Estado aos países que diz terem falta de “integridade nas eleições.”

“Os golpes militares em três países da África Ocidental são um indicador [de] incapacidade da liderança de resolver alguns problemas de más práticas eleitorais,” escreveu recentemente no Twitter como um alerta para o seu país, que enfrenta dificuldades de concluir o processo de eleições desde o ano passado.

Na África Ocidental, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Africana repartiram algumas das culpas apesar de se terem mantido firmes contra os golpes de Estado.

Benkole Adeoye, comissário da UA para assuntos políticos, paz e segurança, recentemente defendeu uma abordagem de “tolerância zero.”

“Os golpes militares são totalmente inaceitáveis,” disse. “A União Africana não pode tolerar poderes obtidos pelo cano das armas.”

Os críticos disseram que embora estes órgãos estejam rapidamente a suspender os seus membros quando ocorrem golpes de Estado, eles pouco fazem para lidar com o líder que tenha permanecido por mais tempo do que o aceitável no seu mandato ou que tenha organizado eleições fraudulentas.

Numa reunião de Setembro de 2021 dos chefes de Estado e de governo da CEDEAO para debater sobre a Guiné, o presidente da Libéria, George Weah, apresentou uma ligação entre os golpes de Estado e a não consideração dos limites constitucionais dos mandatos.

“É possível que exista uma correlação entre estes eventos e as situações políticas onde as constituições são emendadas pelos líderes no poder para remover os limites dos mandatos através de referendos? Ou esta pode apenas ser uma mera coincidência?,” questionou.

“Se a retirada dos limites dos prazos dos mandatos estiver a servir como um gatilho para a deposição de governos constitucionalmente eleitos, então, se calhar nós, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, devíamos fazer os nossos melhores esforços para garantir que os limites dos mandatos das constituições de todos os Estados-membros sejam respeitados.”

Em Janeiro de 2022, a CEDEAO impôs sanções pesadas contra o Mali por causa do adiamento perpétuo dos planos para a realização de eleições, mas as sanções não impediram que o exército assumisse o poder no Burkina Faso.

Pelo contrário, afirmam os observadores, o golpe de Burquina Faso deve ser uma chamada de atenção para o bloco regional, que precisa de agir com maior ímpeto para defender a democracia na África Ocidental.

“Enquanto não oferecerem respostas adequadas para os défices da governação, os golpes de Estado irão multiplicar-se,” Abdoulaye Barry, investigador burquinabê da Universidade das Nações Unidas pra a Paz, disse ao serviço de notícias, Reuters.

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