EQUIPA DA ADF
Mosa Sila, de 57 anos de idade, trabalhou no mar por aproximadamente quatro décadas, mas nunca na sua carreira havido sido tratado de forma tão cruel quanto a altura em que passou vários meses numa embarcação chinesa, no Oceano Índico.
Durante um encontro com as autoridades marítimas quenianas, actores do sector pesqueiro e políticos,
Sila disse que foi obrigado a comer cobras e a envolver-se em crimes. Sila e outros pescadores quenianos contaram que os seus supervisores chineses disseram que não deviam reclamar e ameaçaram atirá-los para o mar caso não cooperassem.
O Quénia aprovou licenças para sete arrastões de pesca chineses que operam na sua zona económica exclusiva, de acordo com o jornal queniano, Daily Nation.
“Fiquei no alto mar por cinco meses, mas decidi voltar para casa depois do meu colega ter morrido repentinamente,” disse Sila numa reportagem do Daily Nation. “Eles dizem que foi por causa de um ataque cardíaco, mas sabem o que o matou. Não havia comida, éramos obrigados a comer carne de porco e não podíamos comunicar com os nossos familiares quando estávamos na Indonésia.”
Embora tenha sido recrutado para trabalhar na embarcação como pescador, Sila disse que a embarcação, muitas vezes, ficava longos períodos sem pescar.
“À noite, as embarcações trocavam de mercadorias suspeitas com outras embarcações,” disse Sila numa reportagem. “Ficávamos sem saber por que razão sempre que estávamos nos locais de pesca, tudo estava pronto, mas as embarcações não pescavam por cerca de um mês no mesmo ponto. Mas à noite podíamos ver embarcações estrangeiras a fazerem troca de mercadorias embrulhadas em caixas e sacos cujo conteúdo era suspeito.”
Sila e outros pescadores também reclamaram de salários não pagos, despedimentos injustos e longas horas de trabalho. Também disseram que foram obrigados a trabalhar depois de os seus contratos de três meses terminarem. Pescadores ganeses descreveram circunstâncias semelhantes a bordo de embarcações de pesca chinesas.
Johnson Sakaja, que presidiu a reunião, disse que a Direcção de Investigações Criminais do Quénia devia investigar as alegações dos pescadores.
“Queremos abordar os desafios que afectam os trabalhadores quenianos,” disse Sakaja ao Daily Nation. “Queremos que as agências relevantes investiguem este assunto a fundo. A economia azul é um sector importante que estimula o crescimento de muitos países. Queremos que a região costeira se beneficie destes recursos. Não podemos permitir que estrangeiros se beneficiem dos nossos recursos.”
As afirmações dos pescadores vieram à superfície numa altura em que os recursos marinhos quenianos estão em declínio, depois de décadas de pesca excessiva.
Um relatório de 2021, compilado pela Global Fishing Watch, revelou que 230 arrastões de pesca foram operados ao largo da costa do Quénia, entre Maio e Agosto. Muitas delas eram de propriedade de empresas da China e da Itália, comunicou o Africanews.
A China é o pior infractor da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN.
Os arrastões chineses têm o costume de mudar os seus nomes, não se registarem nos portos e subnotificarem as suas capturas, pescarem em zonas proibidas e utilizarem equipamento de pesca destrutivo, práticas estas que contribuem para a sobrepesca, a destruição dos ecossistemas, a insegurança alimentar e a perda de rendimento pelos pescadores artesanais locais. No Quénia, o arrasto de fundo devastou os recifes de coral que são importantes para a sustentação da vida marinha.
Como resultado da pesca excessiva, Quénia, Moçambique e Tanzânia estão a ficar sem peixe, de acordo com um documento de 2020, publicado pela Marine Ecology Progress, em 2020. Tim McClanahan, zoologista sénior da Wildlife Conservation Society passou décadas a explorar este assunto.
As unidades populacionais de peixe estão especialmente ameaçadas nas zonas costeiras onde ocorre a pesca industrial, McClanahan, o autor do estudo, disse ao Science Daily.
“Descobrimos que as capturas de peixe têm estado a reduzir em África nestes últimos anos em milhões de toneladas por ano, e este estudo mostra que a maior parte deste declínio, na África Oriental, deve-se ao declínio da quantidade das unidades populacionais de peixe,” disse McClanahan.
O estudo demonstra que 70% dos corais da região possuem unidades populacionais de peixe tão baixas para produzirem o máximo de rendimento pesqueiro.