EQUIPA DA ADF
Estando a enfrentar a dupla crise da COVID-19 e da dívida crescente, a Zâmbia pediu recentemente a alguns dos seus credores para interromper os reembolsos até Abril. Isso faz com que este país seja o primeiro em África a possivelmente ter um incumprimento no pagamento de uma dívida, como resultado da pandemia.
Se a Zâmbia realmente fica sem pagar, ou não, depende do tipo de acordo que conseguir com os seus credores, segundo Irmgard Erasmus, economista financeiro sénior da NKC African Economics, uma instituição sediada na África do Sul.
“O não pagamento dentro do período de graça estipulado (tipicamente um mês) constitui incumprimento,” disse Erasmus à ADF, num email. “Um acordo com os credores antes desse tempo seria muito provavelmente interpretado como uma troca de dívida por dificuldades. Ambas acções iriam suscitar uma descida na classificação do crédito, de acordo com a estrutura metodológica das agências de classificação.”
O Presidente Edgar Lungu fez o pedido de prorrogação em Setembro porque o seu governo não estava em condições de realizar um pagamento de 120 milhões de dólares de uma dívida de Eurobonds de 3 bilhões de dólares. Especialistas do sector financeiro consideram o pedido como sendo, possivelmente, o primeiro passo para o incumprimento do pagamento de toda ou uma parte da dívida externa do país, de quase 12 bilhões de dólares, maior parte dela detida por credores chineses.
Desde o surgimento da pandemia da COVID-19, no início deste ano, países de toda a África tiveram dificuldades com o duplo encargo de cuidar dos seus cidadãos e continuar a pagar a dívida externa. Mas poucos países têm tantas dificuldades quanto a Zâmbia.
A dívida do país é sete vezes maior do que era, há uma década, estando maior parte dela ligada à Zesco, a empresa nacional de electricidade.
A Zâmbia declarou cerca de 14.700 infecções pela COVID-19 e 332 mortes, números superiores em relação a todos os seus vizinhos, com excepção da África do Sul. Os esforços no sentido de cuidar desses pacientes têm sido complicados por causa de uma queda na demanda pelo seu principal produto de exportação, o cobre.
A Zâmbia é o segundo maior produtor de cobre no continente. Esse metal é responsável por 70% do rendimento de exportação do país. Uma combinação de elevados impostos e fraca demanda causou um grande declínio na produção e no rendimento do cobre.
O Primeiro-Ministro da Zâmbia, Bwalya Ng’andu, no dia 25 de Setembro, informou que o orçamento de 2021 do país apresentaria uma redução na economia em 4,2% com a subida da sua dívida externa. A Zâmbia emitiu títulos de tesouro para ajudar a pagar pelas suas necessidades relacionadas com a COVID-19, mas depois usou parte desse dinheiro para pagar outras dívidas – uma abordagem que os analistas da NKC African Economics descreveram como sendo parte de “uma situação difícil, em que se ‘tira a Pedro para dar a Paulo’, que Zâmbia está actualmente a enfrentar.”
“Por sua vez, qualquer esperança de um roteiro para a reformulação da dívida da Zâmbia e os planos de consolidação foram frustrados,” afirmou a NKC, na sua análise do anúncio do orçamento de Ng’andu.
Os países doadores do Fundo Monetário Internacional (IMF) e os membros do fórum económico internacional do G-20 ofereceram, no início deste ano, suspensões generalizadas em dívidas de financiamento público, para o resto de 2020. O G-20 reúne em Outubro para também debater sobre a suspensão dos reembolsos de dívidas privadas.
A acção do G-20 em Abril ajudou a Zâmbia a ter uma suspensão de oito meses da sua dívida pública detida pelos membros do G-20. Como parte desse acordo, a Zâmbia tem de buscar termos semelhantes de credores privados, disse o Secretário do Ministério das Finanças, Mukuli Chikuba, à Bloomberg.
A China, o maior credor da Zâmbia, seguiu o mesmo curso inicial do G-20 e perdoou pequenos empréstimos públicos de países africanos. Mas o grosso dos empréstimos relacionados com a China concedidos à Zâmbia e outros países provém de bancos chineses e outras instituições que podem estar com receios de perder dinheiro.
Incumprimentos ou pagamentos em atraso podem, possivelmente, criar uma tensão no relacionamento da África com a China, disseElling Tjønneland, um pesquisador sénior do Instituto CHR Michelsen, à revista Africa Business Magazine.
“A crise que estamos a testemunhar representa muitos dos novos desafios do papel da China em África,” disse Tjønneland. “Muitos países africanos não se encontram em condições de fazer o pagamento do serviço das suas dívidas. Para a China, não será possível encontrar soluções para a crise da dívida para países como Zâmbia sem que as agências de empréstimos tradicionais e as instituições financeiras de desenvolvimento multilateral e países como a China encontrem um denominador comum.”
Angola, por exemplo, recentemente negociou 6,2 bilhões de dólares, em alívio da dívida para os próximos três anos, com os seus credores chineses, graças, em parte, à ajuda do FMI. A Zâmbia pode tentar algo semelhante, disse o economista sénior, Irmgard Erasmus à ADF.
“Acreditamos que a Zâmbia procurará emular o sucesso de Angola nas suas conversações com Pequim, embora (a capital zambiana) Lusaka não tenha o elemento-chave deste processo, que é ter o FMI do seu lado,” escreveu Erasmus, num email. “Esperamos uma abordagem agressiva por parte da Zâmbia para reestruturar as dívidas do projecto, que deve incluir solicitação de período de graça de múltiplos anos (deferimento de pagamentos do capital inicial).”