EQUIPA DA ADF
Os países africanos celebraram recentemente a erradicação do vírus selvagem da pólio no continente, uma vitória que oferece directrizes para se conseguir ter o controlo da actual pandemia da COVID-19.
“É uma lembrança viva de que as vacinas funcionam e que as medidas colectivas das comunidades, dos governos e dos parceiros podem resultar em tremendas mudanças,” disse a Dra. Matshidiso Moeti, directora regional da Organização Mundial de Saúde (OMS) para África, enquanto transmitia a notícia sobre a pólio, em Agosto.
O anúncio deste verão foi um evento que levou 32 anos a ser preparado. Em 1988, a Assembleia de Saúde Mundial traçou uma meta de erradicar a pólio no mundo inteiro. O projecto público-privado que se seguiu juntou os melhores especialistas do sector de saúde, agências do governo e organizações não-governamentais. Desde 1996, a África já recebeu mais de 9 bilhões de doses da vacina contra a pólio.
O presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, instou aos países africanos a usarem a sua experiência ao vencerem a pólio, para buscarem inspiração na sua luta contra a COVID-19.
“Esta realização fortalece a minha convicção de que com o requisito da vontade política, investimentos e estratégias, assim como com o compromisso dos cidadãos, iremos achatar a curva da pandemia,” disse Buhari, em resposta ao anúncio da OMS. “Posso afirmar o compromisso de todos os líderes africanos para com este curso de acções.”
A pólio e a COVID-19 têm muitas semelhanças: Ambas são causadas por vírus, ambas podem ser transmitidas por pessoas sem nenhum sintoma externo, ambas matam algumas vítimas e deixam outras com danos que duram para sempre.
A campanha contra a pólio deu à África um exército de especialistas da área da medicina, formados na identificação, rastreio e dominação do surto de um vírus potencialmente mortal. Quando a COVID-19 chegou a África, no início deste ano, a OMS redistribuiu metade dos seus 15 laboratórios africanos de luta contra a pólio para combaterem a propagação do vírus respiratório potencialmente fatal.
Alerta inicial
A luta contra a pólio produziu um sistema de alcance continental de laboratórios e especialistas de saúde pública, atentos para o surgimento de doenças nas comunidades. No caso da pólio, isso significa colher amostras retiradas de esgotos abertos e testar instalações de tratamento de águas negras em busca do vírus, um processo que pode também dar um alerta inicial da COVID-19, de acordo com uma análise publicada no jornal Science of the Total Environment. Isso porque a diarreia é um sintoma frequente de COVID-19.
Partilhar informação entre países, em especial aqueles que têm um número elevado de movimentos transfronteiriços, ajuda a criar uma rede que pode responder rapidamente a um surto, de acordo com a organização de luta contra a pobreza, Global Citizen.
Comunicação com a comunidade
A falta de informação tem sido um problema comum ao lidar com a COVID-19. O mesmo aconteceu com a pólio, especialmente nas zonas rurais ou regiões onde os extremistas interrompiam campanhas de vacinação. A OMS convidou, nessa altura, o presidente sul-africano, Nelson Mandela, para chamar a atenção para a vacinação. Da mesma forma, a campanha “Chute a Pólio para Fora de África” usou jogadores de futebol para transmitir a mensagem, disse o Dr. Pascal Mkanda, que liderou o projecto de erradicação da pólio da OMS, à SABC News, da África do Sul.
“Então, a partir daí, começamos a ver muitos investimentos,” disse Mkanda. “Começamos a fazer campanhas. Começamos a melhorar a vigilância e de repente estávamos a ver que o número de casos de pólio selvagem estava a decrescer.”
A campanha de erradicação da pólio também achou formas de conectar a sua mensagem com outros eventos, tais como distribuição de alimentos para famílias necessitadas, quebrando o seu jejum durante o Ramadão.
No norte da Nigéria, funcionários do sector da saúde convidaram líderes religiosos para ajudar a difundir a mensagem aos homens, para que, por sua vez, estes dissessem às suas esposas para levarem os seus filhos às vacinações, disse o Dr. Samuel Usman, da Catholic Relief Services, à plataforma de comunicação social, Devex.
Investimento na testagem
Assim como com a COVID-19, a pólio pode ser transmitida por portadores que não tenham nenhum sintoma exterior. Sendo assim, grandes investimentos na testagem das populações torna-se uma parte crucial da paralisação de surtos. A testagem dos contactos daqueles que estão infectados com a pólio, e agora com a COVID-19, é também fundamental em certos lugares, de acordo com a Global Citizen.
A testagem pode também ajudar a criar a confiança da comunidade nos estabelecimentos médicos, o que é crucial quando se trata de distribuir uma vacina, disse a Dra. Michelle Barry, directora do Centro para Inovação em Saúde Global, na Universidade de Stanford, à ADF, num email.
“Confiança na vacina precisa de confiança da aldeia,” disse Barry. “Esperamos que vacinas eficazes para a COVID-19 sejam criadas em breve. É crucial que o público-alvo tenha confiança na informação sobre os benefícios da vacina versus riscos da mesma.”
Dado o tempo que leva para desenvolver um vírus de COVID-19 eficaz, os países da África podem beneficiar-se de terem preparado os seus sistemas de saúde nos mais de 30 anos de luta contra a pólio, de acordo com Moeti.
A experiência ganha na erradicação da pólio irá continuar a ajudar a região africana na luta contra a COVID-19 e outros problemas de saúde que afectam o continente por tantos anos e, em última instância, movem o continente para uma cobertura universal de saúde,” disse Moeti numa declaração. “Este será o verdadeiro legado da erradicação da pólio em África.”