Combatentes Estrangeiros Complicam os Planos de Reconciliação da Líbia
EQUIPA DA ADF
O cessar-fogo que pôs fim a mais de uma década de conflitos na Líbia incluía a exigência de que todos os combatentes estrangeiros deixassem o país. Uma série de deliberações internacionais depois do cessar-fogo fizeram eco ao apelo.
Mesmo assim, mais de 10 meses depois do entendimento de Outubro de 2020, aproximadamente 20.000 combatentes de Chade, Rússia, Sudão e Síria continuam na Líbia. Os observadores internacionais afirmam que a sua presença continua a desestabilizar o país, numa altura em que os seus líderes políticos procuram trazer de volta a união.
“Se as eleições devem decorrer em Dezembro de 2021, conforme foi programado, os líbios devem ser capazes de levar a cabo este processo num ambiente seguro, e a presença destes actores impede isso,” Jelena Aparac, presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a Utilização de Mercenários, disse num relatório, em finais de Julho.
Entretanto, a Líbia tornou-se uma fonte de instabilidade para além das suas fronteiras, uma vez que alguns destes combatentes estrangeiros — principalmente originários do Sudão e do Chade — regressam a casa com dinheiro, armas e treinamento para batalhas. Os combatentes que assassinaram o presidente chadiano, Idriss Déby, em Abril, receberam o seu treinamento nos campos de batalha da Líbia.
Antes do cessar-fogo, ambos os lados do conflito líbio empregavam combatentes estrangeiros.
Forças rivais, com a sua base no leste da Líbia, atacaram o Governo do Acordo Nacional (GAN), em Trípoli, com uma mistura diversificada de mercenários, incluindo do famoso grupo russo, Grupo Wagner, reforçando as tropas da Líbia ao comando do Marechal Khalifa Haftar. Os combatentes estrangeiros de Haftar receberam armas e apoio financeiro da Rússia, do Egipto e dos Emirados Árabes Unidos.
Em resposta, o GAN recebeu ajuda da Turquia, que enviou as suas próprias forças e combatentes sírios. O então-Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, também enviou as suas próprias tropas para apoiar o governo de Trípoli. Qatar forneceu apoio.
Embora o conflito tenha terminado, os combatentes continuam no terreno, muitos a seguirem a sua própria agenda ou a agenda dos seus patrocinadores estrangeiros. Quem são eles e quem são os que os apoiam?
Grupo Wagner: Com o apoio do presidente russo, Vladimir Putin, um número estimado de 2.000 mercenários russos permanecem activos em toda a parte central e leste da Líbia, onde estão literalmente entrincheirados. No início deste ano, as forças do Grupo Wagner escavaram uma trincheira de 70 quilómetros pelo centro do país e assumiram as operações na principal refinaria de petróleo da Líbia. Embora tenham entregado a refinaria ao novo governo da Líbia, as tropas do Grupo Wagner continuam a operar a partir de uma base aérea de Jufra. As forças do Grupo Wagner apelaram as tribos do sul da Líbia a apoiarem Haftar. Suspeita-se que tenham deixado centenas de minas armadilhas feitas na Rússia e outros explosivos em zonas civis quando as forças de Haftar foram expulsas dos arredores de Trípoli no ano passado com a ajuda de tropas turcas.
Sudão e Chade: A ONU estima que mais de 11.000 combatentes estrangeiros são veteranos de conflitos interétnicos de décadas de duração entre os vizinhos da Líbia na parte sul e sudoeste. Eles podem ser encontrados em ambos os lados do conflito. Os combatentes sudaneses que apoiam o governo de Trípoli tinham o apoio do antigo presidente sudanês, Omar al-Bashir. A ONU estima que cerca de 1.000 combatentes das forças paramilitares sudanesas, Forças de Apoio Rápido, estejam a lutar a favor de Haftar, com o apoio dos Emirados Árabes Unidos. Os membros do grupo da oposição, Conseil du Commandement Militaire pour le Salut de la République, estiveram activos no sul e eram o alvo das tropas leiais a Haftar.
Sírios: Os combatentes sírios também podem ser encontrados em ambos os lados do conflito. A Turquia recrutou vários milhares de homens para servirem junto com as suas próprias tropas apoiando o GAN. O Grupo Wagner recrutou os seus próprios combatentes sírios como parte do seu trabalho a favor de Haftar. A Turquia afirma que o Grupo Wagner levou a cabo 137 voos da Síria para a zona leste da Líbia, entre Outubro de 2020 e Abril de 2021.
A presença de tantos combatentes estrangeiros, muitas vezes, com agendas diferentes, complica o processo de reunificação do país.
Apesar de apelos repetitivos para tirar todos os combatentes estrangeiros da Líbia, poucos são os que aparentam estar a sair. A Turquia, por exemplo, recusa-se a retirar o seu exército, que foi convidado pelo então GAN para ajudar a manter o governo internacionalmente reconhecido a proteger-se dos ataques de mercenários e outras forças leiais a Haftar — forças que, entretanto, continuam no país.
Durante a Segunda Conferência de Berlim, em Junho, quando os delegados faziam os planos para as eleições e exigiam que os combatentes estrangeiros abandonassem o país, os delegados turcos acrescentaram uma isenção que permite que as suas tropas permaneçam na Líbia.
Alguns combatentes do Sudão e do Chade tinham começado a regressar para casa, uma vez que o cenário político naqueles países tinha mudado, com a morte de Déby e a queda de al-Bashir do poder.
A influência de combatentes estrangeiros e seus benfeitores continua a complicar as tentativas de alcançar um acordo sobre o futuro da Líbia.
A mais recente reunião do Fórum do Diálogo Político da Líbia, em Genebra, Suíça, havida em Julho, terminou sem uma conclusão sobre o âmbito das eleições planificadas para Dezembro. O motivo, de acordo com observadores, foi a interferência de forças externas que procuram moldar o resultado a favor do seu lado de preferência. A presença de combatentes estrangeiros também está a fazer com que a implementação do cessar-fogo seja lenta.
“O próximo grande passo no processo de implementação do cessar-fogo é de começar a retirada de todos os mercenários, combatentes estrangeiros e forças da Líbia sem demora,” disse Ján Kubiš, enviado especial para Líbia e director da Missão de Apoio da ONU para Líbia. Ele acrescentou que a referida retirada iria ajudar no fluxo de produtos comerciais e apoio humanitário, que são uma grande necessidade na Líbia.
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