EQUIPA DA ADF
Na região oriental da República Democrática do Congo (RDC), a palavra “Wazalendo” tornou-se quase tão omnipresente como a visão de homens armados em uniforme.
Trata-se de milicianos locais que se juntaram ao exército congolês (FARDC), principalmente para combater os rebeldes do M23 que aterrorizam a província de Kivu do Norte há quase dois anos.
Os combates intensificaram-se desde Outubro de 2023 e o número crescente de combatentes anuncia uma nova e perigosa fase.
“Antes, também nós éramos chamados rebeldes. Hoje, chamam-nos Wazalendo e já não nos escondemos,” um membro do grupo de autodefesa Mazembe Mayi-Mayi disse ao jornal francês Le Monde.
A região tem sido atormentada por um conflito multifacetado que se arrasta há quase três décadas, tendo ceifado cerca de 6 milhões de vidas e forçado quase 7 milhões de congoleses a fugir das suas residências — uma das maiores crises de deslocação interna do mundo.
O leste da RDC alberga mais de 120 grupos armados, mas muitas milícias locais uniram forças com o exército, de acordo com o Grupo de Peritos das Nações Unidas sobre a RDC.
“No contexto da luta para ‘libertar’ territórios das garras de grupos armados ‘estrangeiros’, como o M23, os grupos armados congoleses adoptaram a bandeira Wazalendo ou ‘verdadeiros patriotas’ para ganhar legitimidade e melhor posicionarem-se para uma possível integração futura nas FARDC,” escreveram os peritos num relatório intercalar de Dezembro de 2023.
Em Novembro de 2022, o Presidente do Congo, Félix Tshisekedi, lançou um apelo aos jovens para que organizem “grupos de vigilância” e apoiem as FARDC contra o M23. O exército afirma ter formado 40.000 recrutas Wazalendo desde o grito de guerra de Tshisekedi.
“Passou a ser uma expressão que toda a gente adopta,” Christian Badose, um candidato político do Kivu do Norte, disse ao Le Monde. “As autoridades pegaram na doutrina Wazalendo e transformaram-na num discurso populista.”
No dia 3 de Setembro de 2023, um decreto governamental da RDC legalizou a presença de milícias no seio das FARDC, reunindo uma coligação para combater o M23 que incluía também a Força de Defesa Nacional do Burundi e as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR), um grupo rebelde maioritariamente Hutu ligado ao genocídio ruandês de 1994.
As FARDC negam trabalhar com as FDLR, mas o relatório dos peritos da ONU descreveu em pormenor as linhas de batalha em meados de Dezembro: “Os combates intensos recomeçaram entre o M23, apoiado pelas Forças de Defesa do Ruanda, e as FARDC, apoiadas pelo [Wazalendo], as FDLR, empresas militares privadas e tropas do Burundi.
“Os civis pertencentes a todas as comunidades viram-se na mira das diferentes partes em conflito, expostos a retaliações e obrigados a fugir. Ambos os lados cometeram bombardeamentos indiscriminados, raptos e assassinatos direccionados.”
O relatório dos peritos também confirmou a colaboração entre o M23 e o Twirwaneho, um grupo armado baseado no Kivu do Sul, formado para defender os Tutsis congoleses.
Os combates cada vez mais complexos no leste da RDC incluem vários outros grupos armados activos: CODECO e Zaire, que se opõem na província de Ituri; Nyatura, que está alinhado com as FDLR do Kivu do Norte; e as Forças Democráticas Aliadas, apoiadas pelo grupo do Estado Islâmico, que recentemente intensificaram os seus ataques no Uganda.
O foco principal das FARDC é o M23. Um artigo do New York Times, de Dezembro, citou fontes das FARDC que confirmaram a presença de 1.000 mercenários romenos que têm estado a proteger a capital do Kivu do Norte, Goma, desde que esta foi cercada pelos combatentes do M23.
As fontes também afirmaram que as FARDC lançaram um ataque por drone que atingiu soldados ruandeses perto de Goma em meados de Dezembro.
Os peritos dizem que o governo da RDC está a correr um risco ao utilizar as milícias como parte da sua abordagem exclusivamente militar para resolver o problema do M23.
“Quanto mais a [RDC] lança o seu exército e o Wazalendo, maior é a resistência e os custos suportados pelos civis e pelas pessoas comuns,” Richard Moncrieff, do Crisis Group, disse à Al-Jazeera. “Kinshasa precisa de encontrar uma estratégia mais realista.”
David Egesa, um analista de segurança baseado na capital do Uganda, Kampala, avisou que armar o grupo Wazalendo pode ter benefícios a curto prazo, mas também pode fortalecer os grupos de milícias.
“A República Democrática do Congo pode discretamente permitir que as milícias trabalhem em conjunto contra o M23, mas um jogo tão distorcido pode, a longo prazo, encorajar as milícias,” disse à Agência Anadolu. “É uma situação perigosa.”