EQUIPA DA ADF
Dezenas de suspeitas vítimas de tráfico de seres humanos foram resgatadas de duas embarcações de pesca industrial, na Namíbia, no início de Setembro.
Das 60 pessoas resgatadas do
maior parte vem das Filipinas, embora várias delas sejam de Angola, Indonésia, Namíbia, Moçambique e Vietnam, de acordo com o jornal The Namibian. As suspeitas vítimas faziam uma variedade de trabalhos nas embarcações.
“A avaliação das vítimas foi feita por funcionários da acção social e isso ainda está a decorrer, assim como a inspecção da embarcação pelos funcionários do ministério das pescas e detectou-se que estas pessoas sofriam maus tratos, trabalhando por longas horas sem descanso,” porta-voz da Polícia Nacional e Adjunto Comissário, Kauna Shikwambi, disse ao The Namibian. “Até eram obrigadas a trabalhar enquanto doentes.”
As autoridades locais estavam a instruir casos de tráfico contra a Nata Fishing Enterprises, a proprietária das embarcações. Os gestores da empresa respondem a acusações de tráfico de seres humanos, violação da Lei do Trabalho da Namíbia, Lei de Controlo de Imigração, Lei dos Recursos Marinhos e possivelmente fraude, comunicou o jornal.
Os registos online demonstram que o MV Shang Fu e o Nata 2 foram licenciados para pescar na Namíbia, mas os arrastões de pesca chineses são conhecidos por praticarem o “flagging in” para países africanos, significando que usam e abusam das regras locais para atribuir bandeira a uma embarcação de pesca pertencente a e operada por estrangeiros em registos africanos para pescarem em águas locais.
A prática do “flagging in” geralmente é um sinal de que as embarcações se envolvem na pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
Existe pouca supervisão dos registos abertos online. Isso significa que uma empresa de pesca na China pode registar-se para pescar na Namíbia e pagar a taxa de registo de forma electrónica. A China, que tem como alvo a África Ocidental desde a década de 1980, é o pior infractor de pesca INN do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN.
A pesca INN lesa os países da África Ocidental em 2,3 bilhões de dólares anualmente, de acordo com as Nações Unidas. A pesca INN está também ligada a outros crimes cometidos no mar, tais como a pirataria, o tráfico de drogas e contrabando de armas.
Algumas vítimas resgatadas trabalharam na embarcação por vários anos. Immanuel Festus, coordenador regional do sindicato de trabalhadores dos sectores mineiro, metalúrgico, marítimo e de construção (MMMC), disse ao The Namibian que eles geralmente eram recrutados como mão-de-obra barata.
“O que normalmente acontece com algumas empresas do sector pesqueiro é que elas procuram por pessoas que estão dispostas a aceitar qualquer oferta, especialmente os exploradores,” disse Festus ao jornal. “As pessoas aceitam isso, porque podem colocar alguma coisa no bolso.”
Shikwambi disse que não havia pessoal médico em nenhuma das embarcações, nem mantas suficientes. Nenhum dos trabalhadores tinha autorização ou visto de trabalho.
Relatos de violações da lei de trabalho nas embarcações de pesca não são raros.
Essien, um observador das pescas ganense de 28 anos de idade, estava a trabalhar a bordo do arrastão chinês Meng Xin 15 quando desapareceu em Julho de 2019. Essien tinha gravado um vídeo da tripulação envolvida em saiko, uma prática em que uma captura é transferida de um arrastão para uma grande canoa. Ele nunca mais foi visto desde que desapareceu da sua cabine a bordo da embarcação.
Os trabalhadores ganenses disseram à Fundação para a Justiça Ambiental, de forma anónima, que geralmente têm sido vítimas de abusos físicos, falta de água potável, longas horas de trabalho que, às vezes, se prolongam até 24 horas e ainda falta de atendimento médico a bordo.
O pescadores do Quénia e trabalhadores indonésios na Somália alegaram publicamente que capitães chineses e membros da tripulação os agrediam fisicamente, forneciam alimentação e abrigo inadequados, obrigando-os a trabalhar depois de seus contratos terem expirado, sem receber qualquer pagamento adicional.
Dias depois de as alegadas vítimas terem sido resgatadas do MV Shang Fu e o Nata 2, Festus, o coordenador do sindicato namibiano dos trabalhadores, apelou o governo nacional para apertar o cerco a fim de acabar com a pesca ilegal e o tráfico de pessoas.
Daniel Imbili, presidente do sindicato de trabalhadores do sector das pescas industriais e do Sindicato de Pescadores e Trabalhadores Aliados, concordou, dizendo ao The Namibian que os sindicatos e os governos devem trabalhar em conjunto para proteger os pescadores.
“A classe trabalhadora namibiana é muito vulnerável a ser enganada e coagida devido a uma fraca implementação do acordo dos Estados do Porto e a relutância do ministério de trabalho de realizar emendas na Lei do Trabalho em linha com o trabalho da convenção de pescas, que foi adoptada pelo parlamento há alguns anos,” Imbili disse ao jornal.
Apesar das críticas, a Namíbia deu passos, nos últimos anos, para combater a pesca ilegal.
Em 2019, o país alocou 2,7 milhões de dólares para a luta contra a pesca ilegal e fez parceria com a Sea Shepherd Global para ajudar a proteger as águas daquele país. Este ano, a parceria, que opera com o Ministério de Pescas e Recursos Marinhos da Namíbia e a Polícia da Namíbia levou a cabo com sucesso actividades conjuntas de vigilância, de acordo com a Sea Shepherd.
Em Setembro, a Sea Shepherd ajudou as autoridades namibianas a apreender um arrastão que transportava uma quantidade ilegal de barbatanas de tubarão.