EQUIPA DA ADF
Depois da morte de mais de uma dezena de pessoas, em Fevereiro, numa mesquita, em Bambari, na República Centro-Africana, as forças governamentais voltaram para eliminar os suspeitos rebeldes Séléka.
Quando um rapaz de 15 anos de idade saiu da sua casa para ver o que tinha acontecido, um franco-atirador disparou a partir de um helicóptero que sobrevoava a comunidade e atingiu-o mortalmente. O pai do rapaz também foi morto quando correu para fora para tentar ajudar o seu filho.
A mãe, que perdeu o seu filho e o seu marido, disse que não havia dúvidas sobre quem era o culpado.
“Foram os russos que mataram o meu marido,” disse à CNN, “deixando-me com filhos e com dor.”
Mercenários russos e outros, possivelmente sírios, que trabalham para o Grupo Wagner, que tem o apoio de Kremlin, passaram a ser actores fundamentais na luta entre o presidente Faustin-Archange Touadéra e os rebeldes afiliados ao seu oponente político, François Bozizé.
Os combatentes do Grupo Wagner, trazidos oficialmente para a RCA como conselheiros e formadores militares, servem como membros da equipa de segurança do presidente. Valery Zakharov, um antigo oficial da inteligência russa, ocupa o cargo de conselheiro nacional de segurança de Touadéra. Os soldados das Forças Armadas da República Centro-Africana (FACA) disseram que as forças do Grupo Wagner desistiram de treiná-los e preferiram enviá-los para se juntarem directamente à luta. As forças do Grupo Wagner foram acusadas de plantar minas terrestres ao longo das estradas e próximo de escolas.
MINUSCA, a missão de manutenção de paz das Nações Unidas na RCA comunicou, no dia 2 de Novembro, através do Twitter, que aproximadamente uma dezena de soldados de manutenção da paz egípcios desarmados foram alvejados por membros da guarda presidencial de Touadéra, que viajavam do Aeroporto Internacional de M’Poko para a sua base. Dois ficaram gravemente feridos. Não existe clareza se as forças do Grupo Wagner estiveram directamente envolvidas.
A presença do Grupo Wagner na RCA, em vez de ajudar a aliviar as tensões, está a piorar as coisas, segundo os observadores. Tácticas rígidas, violência indiscriminada e uma falta de sensibilidade linguística e cultural contribuíram de forma conjunta para o aumento da oposição ao governo e aos mercenários em vez de reduzi-la.
“Pensamos que tinham vindo para cá para restaurar a paz ao nosso país. Agora gostaria que nunca tivessem vindo,” uma mulher chamada Fátima disse ao Financial Times. Fátima disse que a sua aldeia celebrou quando as forças russas reprimiram os rebeldes. Mas depois disso levaram o seu irmão e violaram ela repetidamente numa base militar.
“O que estamos a ver é um padrão de comportamento,” Sorcha MacLeod, do Grupo de Trabalho das Nações Unidas Sobre o Uso de Mercenários, disse ao Vice News. “Logo que se traz contratados privados, levanta-se todo o tipo de preocupações quanto à prestação de contas.”
Os civis que estiveram envolvidos na luta não são capazes de identificar quem é o responsável pelas mortes. Os grupos, muitas vezes, parecem não ter uma cadeia de comando, disse MacLeod.
No início deste ano, o grupo de MacLeod divulgou um catálogo de delitos cometidos pelo Grupo Wagner na RCA, uma lista que inclui desaparecimentos, violações e execuções sumárias. Deu seguimento, no dia 27 de Outubro, com uma exigência para que Touadéra corte as suas ligações nacionais com o Grupo Wagner.
“Apelamos as autoridades para cumprirem com as suas obrigações nos termos da lei internacional para responsabilizar todos os perpetradores de violações graves e abusos dos direitos humanos e das leis humanitárias internacionais cometidas no seu território,” disse o grupo.
Touadéra, contudo, não demonstra sinais de cumprimento. Há poucos anos, o seu governo tomou posse de armamento militar russo, incluindo veículos armados que foram exibidos pelas ruas da capital, Bangui.
A presença do Grupo Wagner na RCA aumentou de menos de 200, em 2017, para possivelmente até 3.000 nos dias de hoje, espalhados por 30 bases. Os afilhados do Grupo Wagner estão envolvidos na exploração de recursos minerais da RCA.
A Rússia confirmou o envio de apenas 1.100 tropas para a RCA como parte de um acordo de 2018 com o governo.
Em Setembro, o governo de Touadéra emitiu o seu primeiro relatório, acusando os conselheiros russos de violação de direitos humanos.
A Ministra da Defesa, Marie-Noëlle Koyara, que recrutou o Grupo Wagner, disse que os grupos de defesa de direitos humanos devem vir directamente ao governo denunciar as violações.
“Eles fazem relatórios sem o nosso conhecimento,” disse Koyara ao Vice News. “Eles enviam esses relatórios aos parceiros. Mas se não nos aproximamos a um governo que se preocupa, como podemos encontrar soluções? Como podemos investigar?”
Numa entrevista ao Vice News, Bashir, cuja identidade foi protegida, explicou por que razão as vítimas podem não denunciar as violações. O irmão de Bashir foi capturado pelos mercenários que suspeitaram que ele estava com os rebeldes Séléka.
“Eles cortaram o seu dedo médio durante a tortura,” disse Bashir. Depois de três dias como prisioneiro e três semanas a recuperar-se numa base militar, o irmão de Bashir foi ilibado de suspeitas e liberto. Ele contou o que tinha acontecido ao governo e aos investigadores de direitos humanos.
Dias depois, foi alvejado mortalmente, na estrada. Bashir acredita que os russos pagaram outras pessoas para matar o seu irmão, porque ele tinha informações sobre o seu envolvimento nas mortes de Bambari.
“Por isso, ele tinha de morrer,” disse Bashir. “E como eles (os russos) não podiam fazê-lo, pagaram os rebeldes para o fazer.”