EQUIPA DA ADF
Um cerco sangrento que durou duas semanas em Palma, uma cidade portuária do norte do Canal de Moçambique, causou agitação na região e motivou apelos para a intervenção internacional. O grupo terrorista, Ansar al-Sunna (os defensores da tradição), reivindicou a responsabilidade dos ataques que fizeram cerca de 60 vítimas mortais, incluindo crianças.
Até ao dia 4 de Abril, Palma estava de volta sob controlo do governo, mas os prejuízos foram enormes.
“A população está a regressar, mas não tem nada para comer porque os terroristas saquearam quase tudo,” Agostinho Muthisse, um comandante militar moçambicano, disse à imprensa, em Palma.
O ataque ilustra a razão pela qual os especialistas em segurança se preocupam com o facto de o Canal de Moçambique — uma passagem de água, de 1.600 quilómetros de distância entre Madagáscar e África Oriental, a qual é responsável por 30% do tráfego mundial de petroleiros — estar a tornar-se num foco das atenção em matérias de segurança no Oceano Índico Ocidental.
A fraca segurança marítima ao longo do canal deixa cidades costeiras importantes de Moçambique e de outros países, incluindo o Djibouti, o Quénia, a Tanzânia e os Estados insulares como as Ilhas Maurícias e Seicheles, vulneráveis a ameaças marítimas. Ansar al-Sunna, conhecido como al-Shabaab pelos residentes locais, embora não tenha nenhuma afiliação com o grupo sediado na Somália, também atacou duas vezes a cidade portuária estratégica de Mocímboa da Praia, cerca de 80 km a sul de Palma, em 2017 e 2020.
A fraca segurança também abre oportunidades para que os grupos terroristas se expandam e financiem as suas operações, interrompendo enormes projectos de gás. No início do ataque de Palma, a empresa de produção de energia Total parou com a construção de um local de exploração de gás natural líquido.
“A insurgência em Moçambique tem o potencial de destabilizar a África Austral e fortalecer os islamitas em toda a região,” escreveu o Dr. David Brewer para a Indo-Pacific Strategy Series. “… A impossibilidade de conter o conflito deixará uma lacuna para os outros actores preencherem.”
A pirataria, a pesca ilegal e as operações de contrabando prosperam no canal há décadas.
Nos últimos anos, aquela rota de comércio tem sido utilizada para contrabandear heroína proveniente do Afeganistão com destino a Moçambique, através da costa de África, um dos principais mecanismos de financiamento dos insurgentes. A heroína geralmente é depois enviada para a Europa e outras regiões, de acordo com um relatório publicado no The Interpreter, um sítio da internet sob a gestão do Instituto Lowy. A metanfetamina cristal produzida no Afeganistão também é cada vez mais contrabandeada através do canal.
Grupos oriundos de comunidades muçulmanas da costa leste de África começaram a insurgência em 2017. Desde esse momento, os observadores afirmam que os insurgentes de Cabo Delgado demonstraram maior proficiência ao levar a cabo ataques marítimos.
As preocupações relacionadas com os piratas fizeram com que Moçambique aceitasse a ajuda de segurança de outros países, incluindo a Marinha da África do Sul, que tem combatido ameaças à segurança marítima no canal desde 2011.
Dias antes do ataque de Palma, a Marinha Sul-africana anunciou planos para aumentar as patrulhas no canal até Março de 2023, de acordo com o jornal sul-africano Sunday Times. O governo dos EUA também destacou forças de operações especiais para Moçambique para treinar os seus fuzileiros navais em técnicas de combate ao terrorismo.
Moçambique está a negociar com a França, com outros países europeus e com a Índia sobre um possível apoio militar, incluindo patrulhas marítimas.
“Podemos chegar a tantas soluções e obter tantas recomendações quanto quisermos,” analista de segurança, Jasmine Opperman, disse no ano transacto, durante um webinário sobre segurança marítima, organizado pelo Instituto de Estudos de Segurança de África. “É um risco regional, não há como recusar, mas este é um problema de Moçambique e que precisa de soluções moçambicanas.”
Desde 2017, os grupos terroristas do norte de Moçambique lançaram mais de 800 ataques, que resultaram em pelo menos 2.600 vítimas mortais e deslocamento de mais de 600.000 pessoas.
Opperman argumentou que já passou o tempo de enfrentar este problema, falando para o Eyewitness News, da África do Sul, que toda a região “devia estar preocupada” com a insurgência em Moçambique “há muito tempo, para ser franco.”
“O que aconteceu em Moçambique é meramente outra indicação sobre o quanto os insurgentes ficaram sofisticados e sobre o quanto se tornaram descarados para se movimentarem tão próximo do local de extracção de [gás natural]”, próximo de Palma, disse Opperman. “É uma insurgência que não pode ser vista e não pode ser considerada ou menosprezada, como um risco não apenas para Moçambique, mas também para a região.”