EQUIPA DA ADF
Em Janeiro, os residentes de Dofinega, uma aldeia no centro do Burquina Faso, ouviram o barulho de motorizadas que se aproximavam. As motorizadas transportavam 40 homens armados, vestidos com fardas e turbantes.
Uma mulher local contou anonimamente à Human Rights Watch (HRW) que seis homens armados reuniram os seus irmãos e algumas crianças num campo próximo. Os seus irmãos foram obrigados a deitarem-se de barriga para baixo.
“As pessoas imploraram, pedindo para não serem mortas, mas os terroristas recusaram-se,” disse a mulher. “Executaram-nas à nossa frente. Deram-lhes tiros na cabeça.”
As crianças foram poupadas, mas três dos irmãos da mulher estavam entre os 17 homens mortos naquele dia. Os homens armados disseram repetidamente aos residentes para se irem embora.
“‘Vocês já não têm o direito de ficar aqui!’, disseram eles,” contou a mulher à HRW, acrescentando que ouviu dizer que 1.500 pessoas abandonaram a aldeia.
A deslocação é uma estratégia comum utilizada por grupos como o Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimi (JNIM) e o Estado Islâmico no Grande Sahara (ISGS) para afirmar o seu poder e punir os residentes locais por colaborarem com as autoridades governamentais e as forças de segurança.
Em Fevereiro, cerca de 100 homens armados reuniram um grupo de cerca de 60 residentes na aldeia de Noaka e mandaram-nos sair.
“Logo no primeiro dia, algumas pessoas foram-se embora, no segundo e terceiro dias também,” disse uma mulher de 41 anos à HRW. “Não acho que tenha [ficado] alguém por lá.”
O massacre de Dofinega foi um dos muitos cometidos pela JNIM, ISGS e outras organizações extremistas violentas no Burquina Faso desde finais de 2022.
De acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos, mais de 4.200 pessoas no Burquina Faso foram mortas por violência armada em 2022. Nos primeiros 3 meses e meio de 2023, a violência armada no país custou cerca de mais de 3.000 vidas.
O governo de transição liderado pelo capitão Ibrahim Traoré controla apenas cerca de 40% do território do país.
No âmbito dos seus esforços para mobilizar todos os burquinabês na luta contra o terrorismo, Traoré lançou uma campanha para recrutar 50.000 civis para os Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP) pouco depois de ter tomado o poder em Setembro de 2022. Em Novembro, o governo afirmou ter recrutado 90.000. Os civis seleccionados foram submetidos a duas semanas de treino militar.
Em resposta à formação dos VDP, os grupos armados atacaram aldeias, acusando-as de apoiar as milícias.
Um ataque a 15 de Abril pôs em evidência o perigo de enviar civis pouco treinados para os campos de batalha da linha da frente do Burquina Faso. Terroristas atacaram um grupo de soldados e voluntários civis perto da aldeia de Aorema, matando 34 membros dos VDP, seis soldados e ferindo outros 33, de acordo com um comunicado das autoridades locais.
O ataque mais mortífero ocorreu no final de Abril, quando assaltantes vestidos com trajes militares burquinabês mataram pelo menos 156 pessoas, incluindo recém-nascidos, na aldeia de Karma, no norte do país. Os sobreviventes culparam as forças dos VDP pelo ataque.
O movimento da sociedade civil burquinabê, Le Balai Citoyen (A Vassoura do Cidadão), acusou o governo de Traoré de praticamente ignorar o massacre.
“O governo sugere que não tem a certeza de que estas mortes tenham ocorrido. Por conseguinte, as suas próprias fontes não têm a certeza do que aconteceu em Karma,” afirma o movimento num comunicado, que sublinha a importância de “fazer justiça às vítimas burquinabês deste massacre.”
O massacre de Karma ocorreu cinco dias depois de um ataque a uma base dos VDP que matou oito soldados e 32 membros dos VDP.
Ambos os ataques ocorreram dias depois de Traoré ter declarado uma “mobilização geral” de civis para “dar ao Estado todos os meios necessários” para combater os terroristas. Esta medida foi tomada dois meses depois de Traoré ter ordenado a retirada das tropas francesas do país.
Num comunicado de finais de Abril, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos condenou os “ataques terroristas contra as Forças de Defesa e Segurança e a população civil” em Burquina Faso.
A comissão sublinhou que “um Estado também pode ser responsabilizado por assassinatos perpetrados por actores não estatais se aprovar, apoiar ou consentir tais actos ou se não exercer a devida diligência para evitar tais assassinatos ou para garantir que haja uma investigação adequada.”