EQUIPA DA ADF
A China está a promover os produtos da sua medicina tradicional para os consumidores africanos, uma situação que os críticos afirmam que está a aumentar a pressão sobre a vida selvagem já ameaçada pela alta demanda da Ásia.
O crescimento da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) em África corre em paralelo com o crescimento da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) da China. O Plano de Desenvolvimento do Cinturão e Rota MTC apela para a construção de centros da MTC em todo o mundo.
Recentemente, os produtores da MTC começaram a organizar operações de fabrico em África para contornar as restrições de exportação de algumas partes de animais, de acordo com um relatório da Agência de Investigação Ambiental (EIA), com sede em Londres.
A expansão da MTC em África aumenta a pressão sobre as plantas e os animais africanos, porque muitos desses mesmos animais e plantas também são utilizados na medicina tradicional africana.
É essa semelhança que os produtores da MTC esperam que os ajude a atrair consumidores, especialmente numa altura em que os africanos procuram por tratamentos para a pandemia da COVID-19. Não há provas científicas de que quaisquer remédios da MTC tenham curado de forma eficaz a COVID-19.
Apesar de a MTC representar uma ameaça para a vida selvagem africana, ela também representa um real risco à saúde, de acordo com o Dr. Sultan Matendechere, director do Instituto Nacional de Saúde Pública do Quénia.
“A nossa principal preocupação é que o uso da medicina herbácea não está tão regulamentada como gostaríamos que estivesse,” Matendechere disse à Voz da América.
A falta de regulamentos pode fazer com que os projectos da MTC sejam contaminados por outros produtos químicos, potencialmente mortais, incluindo medicamentos comerciais que não são revelados para os utilizadores, de acordo com um estudo realizado em Hong Kong e publicado na Revista Britânica de Farmacologia Clínica.
Uma grande variedade de produtos da MTC encontra-se facilmente disponível em todo o continente. A MTC foi aprovada para o uso em Quénia, Namíbia, África do Sul, entre outros países.
A EIA afirma que 2.000 praticantes da MTC operam em 45 países africanos, graças ao apoio do governo chinês.
“O crescimento desenfreado da MTC, contudo, representa uma ameaça grave para a biodiversidade de África, tudo em nome de lucros a curto prazo,” os autores da EIA escreveram no seu relatório, “Lethal Remedy,” (Remédio Letal, numa tradução livre).
A pressão agressiva pela MTC em África representa uma ameaça directa para o futuro de algumas das espécies em vias de extinção, afirmam os autores.
“Embora apenas uma pequena porção de fórmulas da MTC utilize ingredientes provenientes de animais, a grande dimensão da base do consumidor faz com que o consumo da MTC seja uma causa fundamental para o declínio de espécies como tigres, leopardos, pangolins e rinocerontes,” comunicou a EIA.
A demanda pelos componentes da MTC continua a impulsionar a caça furtiva em toda a África. Os caçadores furtivos, muitas vezes, trabalham para grupos de crime organizado liderados por chineses, que posteriormente traficam materiais para mercados asiáticos.
As autoridades malawianas puseram um fim a uma das gangues criminosas em 2020 que acreditam que tenha operado no país durante uma década. Um tribunal local condenou os sete membros a uma pena colectiva de 56 anos de prisão.
“Existe um risco considerável de que a expansão da MTC por meio da ICR possa exacerbar o envolvimento de redes criminosas no tráfico da vida selvagem de África,” afirma o relatório da EIA.
Em 2021, a África do Sul criminalizou a prática de criação de leões para obtenção de seus ossos, que têm sido utilizados em substituição dos ossos de tigre na MTC. Também baniu o uso comercial de partes de leão.
Através da criação de instalações de fabrico africanas, as empresas de produção de fármacos da MTC visam contornar as restrições concebidas para acabar com o tráfico de partes de animais para Ásia, afirmou a EIA.
A China fez com que a expansão da MTC fosse parte da sua estratégia nacional até 2030. Os objectivos do plano incluem construção de centros de MTC, formação de praticantes a nível local, desenvolvimento de novos clientes e introdução de novos ingredientes da MTC, potencialmente entre os ingredientes já utilizados nos medicamentos tradicionais africanos.
Algumas empresas já vendem casca de yohimbe e sementes de moringa utilizados na medicina tradicional africana como suplementos para a saúde na China.
“Sem existência de regulamentos de salvaguarda essenciais em vigor, a extracção da vida selvagem e de plantas africanas pode rapidamente ultrapassar as suas populações de modo a alimentar a demanda global da MTC, que se encontra a expandir-se,” reportou a EIA.